“Eu estava no escritório de São Francisco quando fiquei sabendo da pandemia e, assim que me dei conta de que era algo realmente sério, voltei ao Brasil. Como a situação ainda parecia um pouco surreal, sem muita clareza do impacto que causaria nos negócios, começamos a implementar o home office nas quatro cidades onde estamos presentes [a empresa tem unidades em São Paulo, Buenos Aires, na Argentina, e em Dublin, na Irlanda] de maneira ágil, já que as informações chegavam antes nos Estados Unidos do que no Brasil, mas ainda em caráter provisório. A ideia era ir acompanhando o cenário e tomando as medidas necessárias.
Logo ficou claro que aquela situação não seria tão temporária quanto eu imaginava e todos os 600 colaboradores foram colocados em regime de home office. O objetivo era evitar que corressem qualquer risco. Foi uma operação grande e complexa para enviar as máquinas para as casas de todos os que precisavam. Além disso, temos muitos artistas, que demandam equipamentos especiais.
Outra preocupação estava relacionada ao fato de que, durante anos, trabalhamos para desenvolver processos que propiciassem que a companhia funcionasse de forma eficiente, com as pessoas trabalhando juntas, de forma colaborativa, e, de uma hora para outra, estava cada uma num canto diferente. Eu não tinha ideia de como isso afetaria a produtividade, e confesso que fiquei um pouco ansioso, sem saber se daríamos conta de operar dessa forma.
Começamos, então, a implementar ações que garantissem a continuidade do negócio da forma como ele foi desenhado originalmente. Passamos a fazer reuniões remotas com a empresa toda, duas vezes por semana, durante uma hora, para discutir um tema específico – por exemplo, os desafios do home office e como superá-los. Depois de algum tempo diminuímos a frequência, mas, naquele momento, investir na comunicação pesada foi importante já que as pessoas estavam isoladas. No caso do time executivo, os encontros virtuais eram diários, sempre na primeira hora da manhã.
Durante esse processo eu percebi que o que mais estava contribuindo naquele momento era uma mudança que havíamos promovido mais ou menos um ano antes, por inspiração de empresas como a Amazon. Desde então, todas as nossas reuniões são feitas com textos em formato de narrativa, sem o uso do tradicional Powerpoint. Funciona assim: o organizador da reunião leva esse paper, com o tema principal do encontro, e distribui para os participantes. Eles leem o documento e fazem suas anotações durante, mais ou menos, 45 minutos – em silêncio. Nos últimos 15 minutos, as pessoas então debatem os pontos levantados durante suas leituras e um documento final é elaborado.
Adotamos esse modelo porque a colaboração é uma necessidade primordial para o nosso negócio. Não temos quatro escritórios trabalhando em projetos próprios. Temos projetos que demandam interações dos quatro escritórios. E seria muito difícil – senão impossível – fazer reuniões com esse escopo que envolvessem todos os funcionários. Já com um documento em mãos, podemos disseminá-lo para toda a companhia, deixando todo mundo atualizado e recolhendo feedbacks. Pode parecer uma iniciativa simples, mas representou uma mudança enorme para a empresa desde que foi implementada, porque a mensagem acaba sendo muito mais assertiva. E, no caso das reuniões virtuais, esse método se revelou altamente eficiente.
No fim, os medos que tive no início acabaram se transformando em boas surpresas. A nossa produtividade está em níveis bem semelhantes aos de antes da pandemia – até mais alto em algumas áreas. Aprendemos que podemos trabalhar de maneira remota de forma eficiente, muito mais do que imaginávamos.
O desafio que estamos tentando endereçar agora vai além do negócio. Para nós, a Wildlife é muito mais do que uma desenvolvedora de games. Há um aspecto tão importante quanto o business: a empresa tem que ser um lugar onde desenvolvemos relações interpessoais relevantes. Temos que fazer um trabalho com o qual nos importamos ao lado de pessoas com as quais nos importamos. Neste momento, a nossa preocupação é manter, durante o work from home, os laços criados. A empresa tem uma cultura muito baseada no sentimento de pertencimento. Se esse cenário se estender por muito tempo, o que vai acontecer com o espírito de equipe?
Pensando nisso, criamos vários eventos informais – happy hour, café e até a festa de aniversário da companhia – remotamente. Mas eu acho que ainda não encontramos uma maneira tão eficiente de fazer isso quanto presencialmente. Claro que existem grupos que sentem mais e outros menos a necessidade de contato. Eu mesmo sinto falta da interação com os colaboradores. E há aqueles que têm mais dificuldade de trabalhar em casa, como os que têm filhos e os jovens solteiros que moram sozinhos.
Apesar desse cenário, eu sinto que estamos numa indústria privilegiada, que não vai sentir tanto os efeitos da crise quanto outros negócios. Além de não termos demitido ninguém, pretendemos contratar cerca de 300 pessoas até o final do ano. Muitas delas, inclusive, já estão sendo admitidas de maneira remota e 100% online, uma situação inédita. Tivemos que reinventar nossa área de recursos humanos.
Outra coisa que percebi foi uma diferença cultural entre os colaboradores dos diferentes países onde estamos, e isso reflete desde a atitude dos governos até a maneira como as pessoas decidem acatar as recomendações. Os brasileiros têm uma coisa muito legal, que é o otimismo. Mas, talvez na situação em que estamos agora, esse otimismo tenha atrapalhado o país como um todo. A Argentina, por exemplo, reagiu muito mais intensa e rapidamente. Já em São Francisco, que é uma cidade que tem tradição de estar sempre à frente das demais, as pessoas começaram a pensar nas consequências antes de todo mundo e o lockdown foi decretado muito cedo.
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A lição que fica, na minha opinião, é que não voltaremos ao ‘normal’. O que está acontecendo vai nos marcar para sempre e o mundo, a partir de agora, é um lugar diferente. Eu torço e acredito que, quando tudo isso passar, seremos pessoas e empresas melhores. Atualmente estamos sendo obrigados a fazer várias coisas novas. De algumas delas estamos descobrindo que gostamos, de outras não. E estamos percebendo que algumas são melhores, outras piores do que o que existia antes. Levamos toda a nossa vida para o mundo digital e nos demos conta de que funciona. O aprendizado é imenso. Avançamos uma década em menos de um ano.”
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