Em meio a uma revisão de seu modelo de negócios para responder aos efeitos da pandemia, o aplicativo de navegação Waze está focando em mercados prioritários como o Brasil e ajustando produtos para atender públicos específicos, como trabalhadores cujas funções não podem ser desempenhadas remotamente.
O novo coronavírus trouxe um baque para a empresa israelense comprada pela Google em 2013, que viu uma queda vertiginosa no número de usuários ativos na ferramenta a cada mês desde o início da crise – isso impacta diretamente a receita de publicidade da empresa, que veicula anúncios de marcas como Shell, Petrobras e McDonald’s dentro do aplicativo. O Brasil é o quinto maior mercado da empresa no mundo – em 2019, a empresa disse ter cerca de 14 milhões de usuários por aqui.
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Segundo um relatório divulgado pela empresa em abril, a queda no deslocamento em países como Itália e Espanha chegou a 95% e, no Brasil, a média ficou em cerca de 85%. O impacto levou à decisão de fechar escritórios em países menores na América Latina e Ásia-Pacífico, para reforçar sua função de engenharia de produto, bem como a atenção a mercados-chave como o Brasil, México, Estados Unidos e França.
Além de continuar melhorando sua oferta principal – o Waze lançou novas funcionalidades este mês, como orientação de troca de faixa -, a empresa está trabalhando em outras alterações no aplicativo, com funções para responder a mudanças como o aumento em compras de comida através do modelo drive-thru. Também está caminhando rumo a uma oferta sem atrito, onde é possível pagar por itens como alimentos através do Waze, com estimativas de quando o produto estará pronto para ser retirado através do aplicativo.
“Ao invés de continuar a expandir em países menores, decidimos dobrar o investimento em países-chave para a empresa e focar em melhorias no produto e funcionalidades para anunciantes e usuários”, aponta o CEO da empresa Noam Bardin, em entrevista à Forbes.
NOVA VIDA PARA AS CARONAS
Segundo o executivo, a queda verificada no deslocamento em veículos particulares nos diversos países nos últimos meses é diretamente relacionada à qualidade das ações governamentais para enfrentar a emergência de saúde pública. Usando o exemplo de Israel e dos Estados Unidos, que têm adotado “políticas realmente terríveis”, o executivo diz que houve um grande aumento no número de casos de Covid-19, que impactou o uso do carro.
“Em lugares como Singapura, Coreia do Sul e Taiwan, onde a resposta à crise foi muito boa, o [deslocamento em carros particulares] voltou ao normal. Vemos que até na França as pessoas têm dirigido mais do que o faziam antes da Covid, apesar de a porcentagem estar diminuindo à medida em que casos aumentam por lá”, aponta.
Segundo Bardin, o tipo de uso do carro tem mudado significativamente na pandemia e isso se deve a um conjunto de razões. “As pessoas estão dirigindo distâncias muito mais longas, estão com medo de usar transporte público, de embarcar em um avião, e preferem usar o próprio carro sozinhos ou com um amigo, do que pegar um ônibus ou trem com 50 estranhos”, explica.
Mesmo com essas tendências em mobilidade, o chefe do Waze diz que o uso do Waze tem diminuído consideravelmente no Brasil à medida em que casos de Covid-19 aumentam. “Quando as restrições [em São Paulo] terminaram, vimos um aumento no número de pessoas dirigindo, mas ainda em uma proporção muito menor [do que antes da pandemia]”, ressalta, acrescentando que o uso de caronas através do app, o Carpool, também teve uma severa redução.
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Segundo o executivo, o típico usuário de caronas está atualmente trabalhando remotamente, e destes, menos de 20% dirigiam antes da crise. Antes da emergência da Covid-19, a empresa estava trabalhando com organizações como bancos e startups para aumentar a adesão ao produto de caronas. No entanto, Bardin diz que o caso de uso corporativo também mudou com as novas circunstâncias, e a Waze agora busca adaptar o Carpool para atender as necessidades de trabalhadores que não podem ficar em casa.
“Muito do nosso foco atual tem a ver com a modificação do nosso produto para que ele funcione melhor com trabalhadores essenciais. No caso de um operário em uma fábrica, ou de um funcionário de hospital, ou servidor público, é impossível desempenhar estas funções de casa, então estamos trabalhando em como atender as necessidades de deslocamento destas organizações”, aponta.
Segundo Bardin, essa mudança requer uma série de alterações no design do aplicativo, para responder à demandas de usuários que podem não ter o mesmo preparo tecnológico que trabalhadores de colarinho branco normalmente tem. O executivo cita desafios como, por exemplo, a impossibilidade, em certos casos, de levar celulares para o local de trabalho, e a falta de identificação por email. O trabalho organizado em turnos é outra complexidade.
“Estamos buscando empresas que ainda estão trabalhando em maior capacidade, e estamos falando sobre como podemos fazer parcerias e adaptar o [Carpool] para eles. Queremos ajudar estas empresas a endereçar seus desafios de mobilidade, especialmente no momento atual, em que as pessoas estão com medo de usar o transporte público, ou estas opções estão mais limitadas”, diz o CEO do Waze.
Elaborando o argumento de que caronas são mais interessantes para empresas com funções que precisam continuar trabalhando na fábrica ou escritório, Bardin argumenta que caronas entre funcionários da mesma empresa apresentam uma alternativa mais econômica e segura do que aplicativos de mobilidade como o Uber ou 99.
“[No Uber ou 99], o motorista é um estranho, ao passo que na carona é alguém que você conhece. Nos outros aplicativos, pode ser que 30 pessoas já viajaram naquele carro antes de você, e na carona só permitimos uma ou duas viagens por dia. E a carona tem um preço muito similar às tarifas de transporte público – vemos que isso é muito relevante para usuários de nível socioeconômico mais baixo, pois estas pessoas não conseguem usar estes outros aplicativos diariamente, pois são muito caros”, aponta Bardin.
O movimento que o Waze está fazendo para responder a estas demandas de mobilidade pode levar a um novo impulso na adesão a caronas em micro-comunidades, segundo Bardin. “Isso tudo tem a ver com a conexão humana e confiança: pessoas podem se sentir muito mais confortáveis em viajar com pessoas da mesma empresa, com vizinhos, do que com vários estranhos ou em um carro que carregou dezenas de pessoas no mesmo dia”, aponta.
DESAFIOS DA MOBILIDADE
O progresso feito em termos de conscientizar pessoas a reduzirem o uso de carros particulares “evaporou” com a crise, segundo o executivo israelense. “Estamos vendo um retrocesso nas políticas de mobilidade: as pessoas estão usando menos transporte público e, ao mesmo tempo, não estão dirigindo com frequência, mas estão comprando carros. Nossas práticas de antes da pandemia agora estão piores”, frisa, apontando que não há uma pílula mágica, como criar mais estradas. “É como mudar o cinto para resolver um problema de obesidade.”
Possíveis soluções para criar alternativas mais sustentáveis para o deslocamento apresentadas por Bardin passam pela adoção de formas para tornar o uso individual de carros “mais caro, difícil e ineficiente”. O executivo cita a Congestion Charge, cobrança introduzida pela prefeitura de Londres em 2003, que hoje cobra £ 15 (R$ 106) por dia de veículos particulares que entram zonas centrais da capital britânica.
“É preciso criar políticas que encorajem as pessoas a dividirem seus carros, com acesso às faixas expressas para carros com ocupação múltipla, estacionamentos gratuitos para aumentar a adesão. É preciso incentivar as pessoas a fazerem a coisa certa: a maioria de nós é preguiçosa e tem um milhão de coisas para pensar e tráfego pode não ser a prioridade para as pessoas, exceto quando estão na rua ou na estrada. Mas mudar comportamentos tem a ver como nosso contrato social com as outras pessoas, com nossos governos, organizações”, ressalta.
Criticando o sistema de rodízio em uso em São Paulo, Bardin diz que um sistema como o londrino surtiria mais efeito, mas teria que ser acompanhado de um plano transparente para reinvestimento da receita advinda de cobranças para entrar na cidade no transporte público. “É possível mudar radicalmente a situação atual, mas é preciso liderança para fazer isso acontecer, e não tecnologia, inovação ou dinheiro – os Estados Unidos têm tudo isso e tem a pior resposta à Covid no mundo, por exemplo. É preciso fazer coisas que nem sempre agradam a todos, que resolvem os problemas ao mesmo tempo.”
Segundo o CEO do Waze, a discussão sobre o futuro da mobilidade é parte de um problema comunitário sobre a qualidade de vida em cidades, que precisa ser endereçado por diversos atores, como o governo, empresas e os próprios cidadãos. “Tráfego, assim como as mudanças climáticas, é um problema que não será resolvido por uma só entidade, precisamos trabalhar juntos – e não estamos acostumados a fazer isso, exceto em situações de crise. Mas este é o mundo que se apresenta agora: temos que entender que não podemos mais ser egoístas, pois isso não vai funcionar em prol do bem comum.”
Angelica Mari é jornalista especializada em inovação há 18 anos, com uma década de experiência em redações no Reino Unido e Estados Unidos. Colabora em inglês e português para publicações incluindo a FORBES (Estados Unidos e Brasil), BBC e outros.
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