Grandes startups de tecnologia estão abordando os candidatos mais bem colocados nas pesquisas de intenção de voto nas eleições nos maiores centros urbanos no Brasil. O objetivo é emplacar um plano de digitalização da economia através destas plataformas, bem como avançar a agenda de mobilidade urbana e delivery nas cidades.
As empresas fazem parte de um grupo de mais de 100 plataformas que, sob articulação da Associação Brasileira Online to Offline (ABO2O), movimentam-se para obter um compromisso dos candidatos para a criação de políticas públicas que atendam a seus objetivos, bem como as necessidades de micro e pequenas empresas e da população em geral em um contexto de retomada econômica.
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Representantes das empresas de tecnologia já se reuniram com candidatos como Bruno Covas, prefeito de São Paulo que busca se reeleger. Entre os participantes da reunião com Covas, que aconteceu no gabinete do prefeito em 30 de setembro, estavam diretores de companhias como a Quinto Andar, 99, OLX, B2W, Singu, Hotmart, Tembici e InLoco, a diretoria da ABO2O, além de representantes da Secretaria de Mobilidade e Transportes e da Casa Civil da prefeitura.
Nas próximas semanas, as empresas buscarão se reunir com políticos que também estão no páreo na capital paulista, como Celso Russomanno e Guilherme Boulos. Além disso, devem abordar candidatos em outras capitais, como João Campos, em Recife, e outros políticos em cidades com populações acima de 200 mil habitantes.
A agenda destas reuniões abrange duas frentes. A primeira é a digitalização de empreendedores individuais e pequenos negócios, já que mesmo na fase verde da pandemia, aglomerações dentro desses estabelecimentos físicos devem ser evitadas. A outra é a implementação das recomendações de um guia de mobilidade urbana e delivery, ao qual a Forbes teve acesso, que está sendo usado como material para embasar a discussão sobre a colaboração entre empresas do segmento e o poder público.
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“Nessa corrida eleitoral, percebemos que muitos candidatos não têm todas as
informações que hoje necessitam ter sobre [mobilidade urbana e delivery]. E a tecnologia tem um papel fundamental na gestão de cidades, pois através de dados é possível implementar boas práticas e ações que podem melhorar a vida das pessoas na locomoção, bem como orientar decisões sobre empreendimentos imobiliários ou mesmo comércio”, aponta Vitor Magnani, presidente da ABO2O, em entrevista à Forbes.
A atual movimentação das startups em torno das eleições também visa “combater a desinformação” em torno da atuação destas empresas, segundo Magnani, bem como melhorar o entendimento de políticos sobre a forma como estas companhias atuam e como podem contribuir para a gestão pública. “A expectativa é ter termos de cooperação assinados com prefeituras que queiram de fato utilizar a tecnologia para retomada das atividades econômicas e para contribuir para a mobilidade urbana, além de preparar objetivos para serem cumpridos já no primeiro semestre de 2021”, antecipa.
GANHOS
No que diz respeito a como startups podem apoiar a retomada da economia das cidades através de tecnologia, a ideia é criar um plano junto às prefeituras para massificar a adoção de ferramentas por pequenos e microempreendedores e equipá-los com a adaptação cultural necessária para a digitalização. Segundo Magnani, isso é essencial para aumentar a penetração do comércio eletrônico no Brasil.
O executivo cita o aumento de 400% no numero de lojas virtuais no Brasil segundo a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico para ilustrar o boom da digitalização entre pequenos negócios, mas adverte que o o processo precisa ser sustentável. “Não adianta o vendedor de capinha de celular, de churrasquinho se digitalizar, e depois sair desse universo porque não está conseguindo vender. Essas pessoas precisam de conhecimento, aprendizado e formalização”, ressalta.
Ao comentar sobre o ponto das vantagens para as empresas da economia digital ao selar as parcerias que almejam com o poder público, Magnani observa que só há ganho para todas as partes – empreendedores, plataformas e consumidores – se houver negócios. O presidente da ABO2O comenta que a digitalização destes pequenos negócios vai além de fazer um cadastro em uma plataforma de e-commerce, ou mesmo criar um site.
“Se [o pequeno empreendedor] opta por criar um site, terá que conhecer algumas ferramentas básicas como WordPress, e, da mesma forma que escolhe um bom ponto físico para vender seu produto, vai precisar ter um bom site e trazer pessoas para ele, portanto precisa saber um pouco de marketing digital. Além disso, precisa integrar ou direcionar para os meios de pagamento“, aponta Magnani.
Limitações relacionadas a estas nuances tecnológicas fazem com que muitas vendas online não sejam fechadas por pequenos empreendedores, diz Magnani. Referindo-se à possibilidade de venderem através de redes sociais, o executivo nota que um grande desafio enfrentando por estes negócios é o tempo e conhecimento para produzir conteúdo e despertar interesse em consumidores, que pode ser significativo.
“[O processo de digitalização de pequenos negócios] precisa acontecer de uma forma rápida. O diferencial das plataformas digitais é que elas já entregam o meio de pagamento e oferecem as pessoas interessadas naquele produto ou serviço específico,” pontua.
As empresas estão “abertas a diálogo para criar os melhores projetos possíveis” para viabilizar a digitalização de pequenos negócios, diz Magnani, incluindo uma redução das taxas cobradas pelos marketplaces. Além disso, possibilidades desse arranjo criado em colaboração com as prefeituras poderiam incluir a oferta de conhecimento e ferramentas das startups através do Sebrae, além de espaços físicos de formação e empreendedorismo digital. O modelo de governança e as iniciativas lideradas do parque tecnológico recifense Porto Digital têm servido de inspiração para as discussões.
MOBILIDADE
Em paralelo às propostas de digitalização de pequenos negócios, as discussões das startups com os candidatos a prefeito também focam em torno do guia de mobilidade urbana e delivery, documento desenvolvido de forma colaborativa entre as empresas e que envolveu acadêmicos e especialistas, como Felipe Chibas Ortis, representante para América Latina do GAPMIL-UNESCO, entidade que promove a cooperação internacional para garantir que todos os cidadãos tenham acesso às competências de mídia e informação. O relatório analisa o cenário de mobilidade internacional, com boas práticas e políticas públicas implementadas em outros países e propõe uma série de medidas a serem tomadas pelos novos mandatários no curto, médio e longo prazo.
As propostas chegam em um momento em que as mudanças trazidas pela pandemia trouxeram a possibilidade de repensar a mobilidade. Segundo Lilian Lima, líder do Comitê de Mobilidade Urbana da ABO2O, e gerente de políticas públicas na 99, comportamentos que emergiram nos últimos meses incluem uma readequação ao que a empresa chama de mobilidade ativa, com maior preferência pelo deslocamento à pé ou bicicleta.
“Esses outros modos de deslocamento foram surgindo, consolidando-se e agora demonstram a importância de continuar nessa agenda, em que a mobilidade do futuro é multimodal” aponta Lilian, acrescentando que a pandemia enfatizou a cooperação entre a iniciativa privada, poder público e sociedade civil em desenvolver o atual cenário no Brasil. Ela cita que uma série de ações que envolveram estas empresas e governos no enfrentamento à crise, como doações de corridas para profissionais de saúde e kits de higiene para populações em situação de rua.
“[A colaboração entre startups e governos] mostrou como é importante trabalhar bem junto, mas as plataformas também demonstraram que são uma fonte importante de alternativa de renda para muitos entregadores e motoristas, que são muito importantes nesse momento”, aponta.
A agenda descrita no relatório de mobilidade abrange recomendações em torno de conceitos como mobilidade como serviço (MaaS), que as empresas acreditam ser o centro das discussões sobre cidades do futuro. No modelo de MaaS, usuários de automóveis particulares são atraídos a um comportamento de mobilidade multimodal, através da conexão física entre diversos meios de transportes, como metrô, ônibus, bicicletas e automóveis.
A integração de pagamento é outro aspecto da abordagem citada no relatório, com um só cartão utilizado para todas as plataformas. Além disso, as empresas querem poder trabalhar com dados de mobilidade a serem fornecidos pelas cidades para colaborar com a criação de políticas públicas em um cenário transformado de mobilidade urbana.
“Mas [o compartilhamento de dados] precisa ser feito de forma anomimizada, respeitando o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados“, ressalta Lilian, citando exemplos de contrapartidas oferecidas pelas startups, como um mapa de fluidez de trânsito que a 99 fez para a prefeitura de Porto Alegre, com o objetivo de apoiar o planejamento urbano da cidade. Ela também cita uma plataforma que a Tembici, de aluguel de bicicletas, disponibiliza para autoridades para informar as estações de bike mais solicitadas, que tem o intuito de apoiar a priorização de ciclofaixas.
Mesmo que o uso do carro particular tenha aumentado durante a pandemia, o guia traz uma visão de que a diminuição no uso de automóveis próprios deve continuar depois que a pandemia for superada, bem como a necessidade por estacionamentos, o que aproxima as cidades deste futuro multimodal. O estudo cita dados da Rede Nossa São Paulo, que sugerem que quando o isolamento não for mais necessário, 38% das pessoas na capital paulistana pretendem se deslocar mais a pé e 20% pretendem usar mais a bicicleta.
Porém, o relatório nota que a visão depende da criação de políticas públicas que promovam o redesenho dos espaços públicos, com iniciativas como o aumento de calçadas, otimização do uso do meio fio e tarifação do congestionamento. Apesar de as startups considerarem que o redesenho das vias seja uma responsabilidade das prefeituras, Lilian diz que empresas como a 99 estão abertas a contribuir financeiramente, instalando parklets em locais que anteriormente eram estacionamentos, como no Porto Digital, ou ajudando na construção de ciclofaixas.
O guia também traz a perspectiva do impacto econômico gerado por empresas como startups de intermediação de transporte e delivery. A 99 é um exemplo citado para ilustrar esse efeito na economia: a empresa diz ter sido responsável por cerca de R$ 12,2 bilhões do PIB nacional e gerado mais de 108 mil empregos indiretos em 2019.
Os últimos meses trouxeram um novo formato para as relações econômicas e implicações importantes para a economia nacional diretamente conectadas com a tecnologia, segundo Lilian, que ressalta a convicção das empresas sobre seu papel nessa nova ordem e sobre as propostas que estão apresentando aos futuros prefeitos: “Nossa grande expectativa nesse momento é conseguir mostrar que o setor é forte, unido, e que além disso, quer colaborar com o poder público.”
Angelica Mari é jornalista especializada em inovação há 18 anos, com uma década de experiência em redações no Reino Unido e Estados Unidos. Colabora em inglês e português para publicações incluindo a FORBES (Estados Unidos e Brasil), BBC e outros.
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