O professor de educação física Paulo Wanderley Teixeira tem uma carreira no esporte olímpico que inclui atuações como técnico e presidente da Confederação Brasileira de Judô (CBJ) e, desde 2017, presidente do Comitê Olímpico do Brasil (COB). Nesta semana, ele foi reeleito para ocupar o cargo até a Olimpíada de Paris, em 2024.
Em sua gestão, Teixeira tem incentivado a aplicação da tecnologia em diversas esferas, incluindo investimentos em ciências do esporte e saúde do atleta. A principal inovação, nesse caso, é reunir todas essas ciências – que normalmente ficam em instalações separadas – num mesmo local, batizado de Laboratório Olímpico, de maneira integrada para gerar conhecimento e informações. Dessa forma, os treinadores têm mais subsídios, diagnósticos e parâmetros para tomar as melhores decisões na elaboração dos planos de treinamento dos atletas no dia a dia. “Em um mundo onde o esporte é decidido em pequenos detalhes, esse espaço equipado com tecnologia de ponta é uma ferramenta eficaz para o ganho de performance dos atletas olímpicos do Brasil”, diz.
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Teixeira explica que o Laboratório Olímpico tem como diferencial a proximidade física de atletas e treinadores do esporte de alto rendimento, já que suas dependências estão localizadas no Parque Aquático Maria Lenk – coração do Centro de Treinamento Olímpico do COB, no Rio de Janeiro. O espaço viabiliza avaliações personalizadas capazes de atender às especificidades de cada modalidade, inclusive podendo deslocar-se para onde os atletas estiverem.
O especialista conversou com a Forbes Insider sobre tecnologia e inovação no esporte como arma para preparar nossos atletas para os próximos Jogos Olímpicos, adiados para 2021 devido à pandemia de Covid-19. Veja, a seguir, os melhores momentos da entrevista:
Forbes Insider: Você pode especificar melhor de que formas o Laboratório Olímpico usa a tecnologia e a inovação para apoiar as atividades de preparação dos atletas para os Jogos Olímpicos?
Paulo Wanderley Teixeira: O Laboratório atua em três áreas de conhecimento. A primeira, o conhecimento científico, reúne bioquímica, fisiologia, biomecânica e preparação mental. A segunda, saúde e performance, está relacionada à medicina, fisioterapia, condicionamento e força e nutrição. E, a última, suporte e desenvolvimento, diz respeito à gestão do conhecimento, análise de desempenho e tecnologia.
Um dos recursos que usamos são os softwares de análise de vídeos, adotados para avaliar o desempenho esportivo individual e coletivo, fornecer informações objetivas que permitam melhorar o desempenho da equipe e dos jogadores, e, ainda, estudar taticamente nossas equipes e adversários.
O COB atua diretamente em algumas modalidades – como judô, taekwondo, boxe, pentatlo moderno, badminton, handebol, basquete e polo aquático, entre outras – fornecendo equipamentos e softwares e coordenando e capacitando os analistas de desempenho indicados por cada confederação. Durante missões e alguns campeonatos mundiais, oferecemos suporte in loco para que as comissões técnicas possam focar nas análises esportivas e nos repasses das informações aos treinadores e atletas de forma a melhor se prepararem para as próximas rodadas da competição.
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FI: Além desses softwares, há o apoio de outras ferramentas tecnológicas relacionadas mais diretamente às reações dos corpos dos atletas?
PWT: Adotamos o POCT, ou point-of-care testing, uma tecnologia de ponta automatizada para testes rápidos e realizada por analisadores bioquímicos portáteis. Ela é muito útil no monitoramento dos atletas durante as competições e treinamentos e pode ser transportada nas missões, como o Jogos Olímpicos e Pan Americanos. Alguns dos equipamentos equipados com esse recurso são o i-SAT, o Analisador Automático de Hematologia e o URiSCAN Pro II.
Também contamos com a eletromiografia – ou EMG –, uma técnica de registro da atividade elétrica das musculaturas, similar ao eletrocardiograma, que é o registro da atividade elétrica cardíaca. Pode ser usada em atletas de modalidades que envolvem aterragens de saltos, como a ginástica artística, que tem maior incidência de lesões no ligamento cruzado anterior. Contribui também na identificação dos atletas em risco de lesão e auxilia na proposição de exercícios preventivos.
Em modalidades que envolvem a mobilização de cargas elevadas, como o levantamento olímpico, a análise eletromiográfica pode apontar se o atleta está recrutando os dois lados de forma equilibrada, ajudando na correção da conduta motora do atleta durante os treinamentos e prevenindo compensações posturais e futuras lesões.
Já a termografia é uma ciência aplicada à captação da radiação emitida por um corpo, identificada pelo termógrafo. É utilizada como instrumento em diversas áreas da medicina com efeito diagnóstico. Na medicina esportiva, avalia áreas de sobrecarga em atletas, auxiliando na prevenção de lesões, no controle de carga e no diagnóstico funcional das contusões. É seguro, não emite radiação e é portátil, podendo ser utilizado em campo. A praticidade da termografia permite que fotos e vídeos sejam realizados durante o treinamento. Assim, é possível identificar o grupo muscular acionado durante determinado movimento, observar se é o músculo correto e se a distribuição da carga está adequada. Previne lesões e melhora a performance.
FI: E como funciona a tenda de altitude simulada?
PWT: Ela serve para encenar condições de pouca oxigenação atmosférica experimentadas em ambientes de elevada altitude. Como é uma tenda e, por isso, possui dimensões reduzidas, o treinamento não é efetuado dentro dela. Ao invés disso, o treinamento é realizado nas condições ambientais locais e a recuperação e o repouso (isso inclui o sono) são cumpridos no interior da mesma, com as condições de oxigenação similares aos da altitude alvo pré-estabelecida.
A tenda de simulação de altitude foi montada no apartamento da Ana Marcela, atleta de maratona aquática. Ela passou em torno de 14 horas por dia, durante três semanas, na tenda, durante uma das fases de preparação para a competição alvo, em 2019. A ideia era simular as condições de Sierra Nevada, na Espanha, que fica a 2.320 metros de altitude. Com esta tecnologia, usamos um modelo de treinamento em altitude, no qual a atleta “vive” sob efeito da localidade elevada nos períodos em que não está treinando e realiza os treinos ao nível do mar, mais intensos. Desta forma, pode obter os melhores resultados ao longo do tempo.
FI: Como o COB tem utilizado inovações tecnológicas para superar as limitações impostas pela atual crise, seja em sua própria operação, seja no trabalho com os atletas?
PWT: A imprevisibilidade de uma pandemia alterou o curso do nosso planejamento em relação à execução da Olimpíada para julho de 2020, no Japão. Para superarmos essas barreiras, precisamos fortalecer e utilizar consistentemente nossas ferramentas atuais de comunicação para buscar o controle para o processo de preparação. Intensificamos os contatos com treinadores e atletas de forma a acompanhar os treinamentos. Os coordenadores fazem reuniões diárias com treinadores e com os profissionais que acompanham os atletas.
Eles também têm filmado os treinamentos com recursos audiovisuais que existem no mercado, de fácil manejo, na intenção de oferecer aos profissionais dados que permitam análises à distância, seja de treinamentos em recintos fechados ou abertos, de acordo com o que a pandemia permite. Temos utilizado mais análises de vídeo para buscar esse acompanhamento.
A inovação está justamente na busca, cada vez maior, da integração das informações, no sentido de conquistar a maior precisão possível em relação à condição de cada atleta. Análises de imagens, verificações clínicas e exames sanguíneos são feitos por especialistas que se reúnem, avaliam, diagnosticam e decidem o que será feito para que eles evoluam para as competições.
Nosso principal objetivo como gestores é que o adiamento da Olimpíada não prejudique o alto rendimento dos nossos atletas. Por essa razão, precisamos assegurar que eles recebam o melhor suporte e todas condições neste período para que possam competir com excelência em 2021.
FI: Uma vez que a competição tiver início, qual será o papel da inovação tecnológica nas atividades do COB, tendo em vista que podemos ainda estar em um cenário pandêmico?
PWT: Consideramos que nas competições que já estão sendo realizadas, as regras se mantêm. O que se discute no cenário atual são formas de se evitar a propagação do vírus e uma das alternativas é o distanciamento. Não existe inovação nas regras, qualquer alteração tem que ser feita pela Federação Internacional do esporte.
No que diz respeito aos Jogos Olímpicos do ano que vem, vai depender de ter, ou não, a participação do público. É possível que sejam implementados recursos tecnológicos para garantir a não propagação do vírus, caso ainda não exista uma vacina disponível até lá.
Nas competições de UFC nos Estados Unidos, por exemplo, foram criadas bolhas – locais onde ficam concentrados atletas, treinadores e organizadores testados – com uma série de mecanismos, como QR Code e GPS, que controlam quem está neste espaço e as medidas impostas de controle do vírus.
A tecnologia certamente vai ter um papel fundamental para organizadores locais, Comitê Olímpico Internacional (COI) e Federações Internacionais nos Jogos Olímpicos Tóquio 2020. Como presidente do COB, entendo que toda e qualquer tecnologia que agregue para viabilizar uma Olimpíada mais segura, tanto aos atletas quanto ao público, deve ser aplicada.
FI: Olhando para o futuro e tendências, quais são as possibilidades que a tecnologia pode apresentar para o COB? Como a organização pretende aproveitar estas oportunidades?
PWT: A tendência é de que cada vez mais a tecnologia seja utilizada no esporte, principalmente na aplicação de suas regras como, por exemplo, nos julgamentos de lances duvidosos ou na precisão na execução de gestos técnicos em avaliações subjetivas de pontuações em modalidades de exibição.
A tecnologia também será usada para dar ao torcedor e ao público presente o sentimento de fazer parte do esporte, estar inserido nele através de imagens, sensações de participação em competições, de proximidade com os atletas. Os recursos vão permitir essa participação do público em um ambiente esportivo. Portanto, a tecnologia vai assumir também esse papel.
Uma das prioridades do escopo de trabalho do corpo diretivo do COB é estar atento às inovações tecnológicas do mercado e buscar trazê-las para o cotidiano dos treinadores e atletas brasileiros. Estas representam oportunidades que não podemos deixar passar se quisermos estar em condições de igualdade e consonância com nossos principais adversários.
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FI: Quais são as maiores dificuldades que o COB enfrenta na identificação e adoção de tecnologia de ponta e como tem contornado estes desafios?
PWT: Para aplicarmos no COB a tecnologia de ponta, é necessário que tenhamos recursos financeiros e humanos extremamente qualificados para produzir ciência, o que significa realizar muitos testes. Para isso, é fundamental contar com aporte de origem privada. Na grande maioria de vezes, os recursos das loterias inviabilizam os de testagem. Esta é uma dificuldade para a inovação porque é uma busca de quem sai na frente. Os trâmites nem sempre correm no mesmo tempo que os processos de alcance das inovações.
Ter profissionais dedicados na aplicação do esporte não é barato. Qualidade e quantidade de equipamentos também são investimentos. Busca-se cada vez mais customizar um equipamento em função das características físicas de desempenho desses atletas.
FI: Qual é o gasto estimado em tecnologia do COB e os parceiros de tecnologia envolvidos?
PWT: Investimos em torno de R$ 2 milhões, ao ano, em ciência do esporte. Isso inclui os serviços disponibilizados gratuitamente para atletas, inclusive para os que residem fora do Rio com o custeio de estadia, alimentação e transporte. Estamos fechando parcerias com três universidades para aumentar ainda mais o processo de pesquisa e desenvolvimento. Atualmente, temos parceiros nas áreas de software [Dirtfish e Sportscode], equipamentos [FujiFilm e Mindray] e consumíveis [Abbot e Abaxis/Zoetis, entre outros].
Angelica Mari é jornalista especializada em inovação há 18 anos, com uma década de experiência em redações no Reino Unido e Estados Unidos. Colabora em inglês e português para publicações incluindo a FORBES (Estados Unidos e Brasil), BBC e outros.
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