A G2 Capital, fundo de investimentos focado em empresas de tecnologia em estágio inicial (early-stage) tem motivos para comemorar, apesar dos desafios que o ecossistema de startups enfrenta em meio à crise da Covid-19. Sob a liderança de Camila Farani, que entre suas diversas atividades é uma das investidoras do programa de TV “Shark Tank Brasil”, além de Felipe Costa e Ricardo Carvalho, o fundo fez a primeira saída de seu portfólio com a venda da participação na Saipos, desenvolvedora gaúcha de software de gestão para restaurantes. O exit, selado no final de setembro, gerou um múltiplo de 4,55 vezes para a G2 em relação ao valor investido. Na época, o fundo comprometeu R$ 500 mil, e a startup utilizou metade do valor.
Em paralelo às boas notícias, o fundo esteve imerso nos últimos meses em ações como um plano de contingência criado para ajudar as empresas nas quais investiu R$ 12 milhões desde sua fundação em 2017, que incluem Cat My Pet, Geek Hunter e a startup de educação Gama Academy. Além de ajudar suas investidas a navegar a pandemia, a gestora se posicionou como aliada de empreendedores além das empresas de seu próprio portfolio. Por meio de uma força-tarefa que mobilizou todos os partners com “matches” de acordo com a expertise de cada um, a G2 diz ter auxiliado mais de 300 empreendedores em temas como formas de pivotar o negócio, resolver limitações de acesso a público-alvo e dificuldades em exportações.
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Neste processo, a G2 identificou alguns padrões nas lideranças das startups com as quais interagiu. Ao mesmo tempo em que pôde verificar as formas como os founders têm se reinventado na crise, o fundo viu empreendedores “megalomaníacos”, com modelos de negócios frágeis submergirem em meio à instabilidade. O fundo então reforçou seus métodos de identificação de oportunidades, que buscam mitigar riscos com uma análise cuidadosa das características dos empreendedores que apoia, e reformulou seu foco em termos de segmentos.
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Em sua nova fase, o fundo pretende aportar cerca de R$ 40 milhões em coinvestimentos com seus parceiros, cerca de 30 empresas em segmentos como foodtech, e se prepara para fazer uma nova saída em dezembro, com mais cinco previstas para 2021. Em entrevista à Forbes, um dos sócios da G2, Ricardo Carvalho, falou sobre suas impressões do mercado e planos para o futuro. Confira os destaques da conversa:
FORBES INSIDER: A percepção do que é um investimento de risco no setor de tecnologia tem mudado desde a emergência da pandemia?
RICARDO CARVALHO: O dinheiro que está aplicado no banco não vai render mais do que 2,5% ao ano, então a pessoa percebe que precisa migrar esse dinheiro para um capital produtivo. Em um cenário em que muitas das maiores empresas do mundo são de tecnologia, isso começa a entrar no radar das pessoas.
No que diz respeito à startups, são também empresas de tecnologia, mas o que muda é a forma de atuação: elas arriscam mais e podem trazer um retorno significativo. O potencial de ganho é muito alto, e as pessoas de forma geral estão tendo um apetite maior por risco.
Mas as pessoas, às vezes, confundem-se quando vão se aventurar em investimentos neste mercado. As empresas de tecnologia nascem muito pequenas, têm um diferencial e querem buscar seu lugar ao sol. Mas para isso, precisam crescer muito rápido e buscar investimento. Como investidores, apostamos naquele modelo, confiamos que o mercado vai escolher aquela tecnologia.
Se a empresa fracassar, fracassamos juntos. É o que chamamos de write-off, as perdas inevitáveis. Na G2, nos últimos dois anos, tivemos dois casos [de falência] de um portfólio de 12 empresas. Diversificamos muito nosso portfolio para conseguir este resultado.
FI: Por que vocês decidiram sair da Saipos ao invés de participar no novo aporte que a empresa levantou [de R$ 3 milhões, de investidores do Rio Grande do Sul]?
RC: Como investidores de venture capital, para investirmos em algo, queremos múltiplos sobre o capital: este é o “big negócio” em tecnologia. A saída da Saipos é um exemplo, que gerou um múltiplo de 4,55 vezes em dois anos, o equivalente a cerca de 227% ao ano.
No caso da Saipos, o argumento para a saída foi muito claro: a taxa de crescimento se manteve desde que investimos, o Anderson [Onzi, fundador e CEO da empresa] tem um mindset perfeito, tendo vendido outro negócio anteriormente para o iFood [o serviço de delivery Devorando, vendido em 2016].
Por outro lado, nascem três, quatro empresas de software para restaurantes todo mês. A questão era: por quanto tempo a empresa vai continuar a ser relevante neste mercado competitivo, e quando teríamos uma oportunidade de saída tão boa como essa no futuro?
FI: Como a tese de investimento da G2 tem evoluído considerando a crise que emergiu nos últimos meses?
RC: Desenvolvemos uma nova tese: vamos focar em segmentos que foram impulsionados pela transformação digital, e também olhar atentamente para tudo o que envolve foodtech, agtech e healthtech. Acreditamos que alimentos e métodos produtivos sustentáveis, e novas formas de cuidar da saúde serão as tendências mais promissoras. Os fundos europeus que estão focados nestas áreas têm provado isso nos últimos anos e demonstrado bons resultados.
Também estamos fazendo apostas em negócios que tenham a real capacidade de internacionalização. Como fazer saídas sem ter um mercado de investimento série B ou C no Brasil? Não é fácil fazer saídas no mercado brasileiro. O que constatamos é que saídas estratégicas e secundárias talvez representem a alternativa mais viável hoje para o investidor early-stage. A exceção seria um fundo internacional que percebe a vocação de internacionalização e faça a nossa saída, mas para isso ainda existem poucos no Brasil.
Vemos um aumento no número de investimentos grandes em startups no Brasil, mas os cheques maiores, as rodadas série B e C, ainda são feitos por fundos internacionais em sua grande maioria. E não tenho visto nenhum novo fundo no Brasil com foco neste tipo de aporte. Por outro lado, temos muitas empresas early-stage, então quem quer iniciar o seu investimento em digital vai encontrar muitas oportunidades em aportes pré-seed, seed e série A por aqui. O ecossistema de investimento no Brasil é bem colaborativo, as redes de anjos se comunicam, não é difícil começar a exercer aportes e entender como entrar nesse game, saber os riscos, as oportunidades.
FI: Quais são os principais problemas enfrentados pelos fundadores com os quais vocês têm interagido, em termos da resposta à crise?
RC: A maior dor percebida pelos fundadores foi a perda de talentos, com a demissão em massa ocasionada pela pandemia. Houve muita troca de talentos, referências sendo feitas a estes profissionais, que em sua grande maioria eram excelentes. Mas percebi que a dor dos founders em relação a este ponto em particular foi gigante.
Isso criou uma situação onde a escassez de talentos se manteve. A pandemia criou uma situação onde grandes empresas tiveram que se adaptar rapidamente à digitalização, e muitos dos talentos que deixaram startups foram absorvidos pelas empresas tradicionais, que estão contratando todos os profissionais que podem, então a escassez é maior do que antes. Se antes esses profissionais eram caçados somente por empresas de tecnologia, hoje eles são caçados por todas as empresas.
No que diz respeito aos empreendedores que apoiamos, estamos mitigando riscos no nosso portfólio. Percebemos de forma geral durante a pandemia que muito negócios não pararam de pé, pois muitos eram aventuras, ideias megalomaníacas. Certos empreendedores souberam se vender muito bem e de certa forma, se enganaram e, bem ou mal, enganaram terceiros também.
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FI: Como vocês estão se protegendo destes possíveis enganos?
RC: Estamos avaliando o perfil do empreendedor de forma cada vez mais minuciosa. O propósito é crucial: a pessoa quer carregar o negócio para o resto da vida ou quer crescer, desenvolver e realizar a liquidez dele e dos investidores? Também buscamos pessoas que tenham uma mentalidade afiada e a qualquer momento consigam ajustar as contas e sobreviver, mesmo em crises como esta.
Empreendedores têm que ter a mentalidade que ao mesmo tempo em que estão criando algo high-tech, inovador e que naquele momento é muito relevante, aquele negócio pode já não ter mais condições de ganhar a participação de mercado que ele conseguia. Aí é o momento de fazer uma fusão, uma aquisição, uma saída, para gerar resultados para os investidores e para eles mesmos.
Existem os empreendedores teimosos, que buscam ser o próximo Bill Gates, e não têm a clareza de empresário sobre o momento de sair do negócio deles. Estes são os que ficam anos crescendo, e de repente cristalizam. Empreendedores têm que saber viver o momento de seus negócios.
O Brasil é um dos países que mais têm gerado unicórnios no mundo. Isso demonstra a nossa capacidade criativa, somos um celeiro de profissionais com capacidade criativa, o que faz com que entender o mindset do empreendedor seja muito importante. No final das contas, quem manda é ele: ele entende da dor a ser resolvida, ele criou a solução, ele compôs e troca a equipe, ele escolhe os investidores, ele tem o investimento.
Entender a cabeça do founder é tudo numa startup. Saber como ele pensa, qual o racional dele em termos de investimento, como ele administra a vida pessoal: afinal, a empresa é a vida dele. São pessoas que pensam muito rápido e têm uma capacidade de raciocínio fantástica, são adaptáveis à competitividade do mercado. Ainda assim, é preciso saber realmente tirar a verdade destes fundadores, pois muitos maquiam os fatos, se planejam, têm os seus pitchs e vendem como ninguém. Nesse cenário, a prioridade para nós é identificar o empreendedor certo pra ser investido. A empresa não é o negócio, é o empreendedor.
Angelica Mari é jornalista especializada em inovação há 18 anos, com uma década de experiência em redações no Reino Unido e Estados Unidos. Colabora em inglês e português para publicações incluindo a FORBES (Estados Unidos e Brasil), BBC e outros.
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