Em 2020, o Creative Startups, programa de aceleração da Samsung, completa cinco anos no Brasil em meio à pandemia do coronavírus. Desde então, 1.300 startups fizeram suas inscrições, 45 tiveram a oportunidade de participar da iniciativa e, atualmente, 14 delas estão passando pelo processo, numa edição na qual já foram investidos R$ 3,5 milhões.
Paulo Quirino, coordenador nacional do programa, explica que a necessidade de sair a campo no setor privado em busca de inovação começou a surgir na subsidiária brasileira da gigante sul-coreana em 2015. “Até então tínhamos estabelecido um processo muito bem estruturado com a academia, por meio de convênios com as principais universidades públicas do país”, conta, revelando que mais de 20 projetos de pesquisas acadêmicas, de instituições de ponta como a Universidade de São Paulo, Unicamp, Universidade Federal de Minas Gerais e PUC Rio Grande do Sul, receberam financiamento da companhia.
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“Quando me designaram para a expansão dessa cultura de inovação aberta via startups, eu comecei a mapear todo o ecossistema e descobri que o cenário era um pouco mais caótico do que eu imaginava. Temos várias agências do governo fazendo excelentes trabalhos de aceleração, mas de forma descentralizada, o que significa, inclusive, repetição de trabalho. Além disso, existem associações de apoio também fragmentadas, ou seja, destinadas aos mais variados estágios de maturidade dessas startups”, diz.
Depois de uma análise profunda desse mercado por aqui e de uma visita à Coreia do Sul para entender como o programa funcionava por lá, a companhia tomou duas decisões que considera, ainda hoje, essenciais para o sucesso da iniciativa. A primeira delas foi delimitar o escopo do programa e dos participantes: o Creative Startups é uma iniciativa de aceleração de produto com foco em startups early stage de base tecnológica. “Na Samsung, o processo produtivo faz parte da inteligência de negócios e precisa estar sempre se renovando”, diz Quirino. “E notamos que havia um déficit de startups com produtos maduros.”
A outra decisão foi conduzir todo o programa internamente, com o corpo técnico da companhia e envolvimento direto da liderança. “Muitas empresas optam por contar com parceiros do ecossistema nessa empreitada. Nós preferimos envolver nossa própria força de trabalho, que é altamente capacitada. Os profissionais destacados para essa transferência de know how são alocados no programa durante quase o ano todo e isso acaba aumentando o vínculo com os empreendedores”, explica. O processo de aceleração foi desenhado com a ajuda do departamento de user experience (UX), formado por designers e antropólogos, que replicou a mesma metodologia que a companhia emprega para a criação e o desenvolvimento de seus produtos. O programa foi, então, dividido em três fases: knowing, exploring e improvement.
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GESTAÇÃO
No primeiro mês, as startups selecionadas recebem um pacote de incentivos que inclui recursos financeiros e mentorias como, por exemplo, aprender a tabular pesquisas qualitativas e quantitativas de forma eficiente. Em seguida, essas startups voltam a campo para entender se as soluções que propõem realmente fazem sentido.
Com esses insights em mãos, é hora da segunda fase, que envolve o desenvolvimento de um protótipo rápido, os testes e a validação. Em seguida, os projetos são apresentados para uma banca de executivos da própria companhia e, uma vez aprovados, seguem para a fase de melhorias. É nessa fase que os maiores aportes são liberados, podendo chegar a R$ 200 mil para cada projeto, na modalidade equity free, ou seja, sem a exigência de participação acionária por parte da Samsung.
“Neste momento, as empresas já têm convicção de que o problema existe e da melhor forma de resolvê-lo. Por isso a maior parte do dinheiro é destravada nessa fase. Percebemos que a liberação de recursos no início não era tão eficiente. Muitos empreendedores acabam gastando em marketing e vendas para chegar ao mercado sem ter um produto totalmente acabado”, explica Quirino. Todo o programa dura nove meses e termina com o demo day, uma apresentação para potenciais investidores e nomes do mercado, além de executivos da Samsung.
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NOVOS MERCADOS
Quirino explica que, normalmente, a companhia não consome os produtos desenvolvidos pelas startups – e essa não é uma condição para participar do programa. No entanto, há situações em que a sinergia é inevitável. É o caso, por exemplo, da Treevia, startup de soluções digitais para monitorar florestas de São José dos Santos criada pelos engenheiros florestais Esthevan Gasparto e Emily Shinzato, que participou da edição 2017.
A startup é responsável pelo desenvolvimento de uma solução de IoT batizada de SmartForest – uma espécie de cinta que se expande à medida que o tronco vai crescendo – que coleta, em tempo real, dados tanto sobre a árvore quanto sobre o ambiente no qual está inserida, como temperatura e umidade. A plataforma criada pela Treevia ainda cruza essas informações com dados de mercado – isso permite determinar o melhor momento para a poda, tanto em termos de qualidade da árvore quanto de oferta e demanda. E vai além: com essas informações em mãos e o uso de inteligência artificial, a solução ainda é capaz de estabelecer relações causais entre espécies e o meio ambiente, determinando onde elas podem se desenvolver melhor e, consequentemente, aumentando a produtividade e a eficiência do negócio.
Quirino conta que a Samsung fornece os tablets onde roda a plataforma da Treevia, um modelo desenvolvido especialmente para o mercado B2B muito resistente a fatores externos, como chuva e poeira. “Esse é um bom exemplo de como o programa de aceleração nos abre novas portas. Nunca pensamos em ter qualquer tipo de atuação no setor agroflorestal. Por outro lado, para a startup também foi uma grande oportunidade. Hoje ela já anda sozinha, com as próprias pernas”, conta, revelando que o próximo passo é internacionalizar a solução, já que a Coreia possui uma demanda parecida em suas florestas.
“Não queremos ser sócios das startups, queremos ser um parceiro comercial”, diz o executivo, revelando que boa parte delas acaba precisando de bons hardwares, como tablets, smarthphones ou smart tvs, para levar suas soluções para o mercado. Nesse ponto, a Samsung acaba emprestando escala para essas soluções e abrindo portas, ao mesmo tempo em que conquista uma capilaridade de atuação difícil de conseguir de outra maneira. “Os produtos que surgem nesses programas são muito variados. Graças a eles, estamos, por exemplo, nos setores de real state e até de aviação comercial.”
COMO CHEGAR LÁ
Para Quirino, as dimensões continentais do Brasil – e a complexidade de seus problemas – podem representar vantagens e desvantagens. Isso porque ao mesmo tempo que os empreendedores brasileiros têm acesso a um campo de provas imenso e variado, o que facilita a validação da solução, eles acabam não prestando atenção nos mercados globais. “A Coreia e Israel, por exemplo, são tão pequenos que quando suas startups criam uma solução, normalmente ela se aplica ao mundo todo.”
Além dessa mudança de mindset, o executivo diz que não é possível sobreviver nesse mercado sem resiliência. Uma das primeiras coisas que o programa contempla é uma imersão de três dias na qual, antes de assinar qualquer contrato, os candidatos participam de workshops. “Nessa atividade, identificamos se eles sabem ouvir e se estão abertos a mudar de rumo. Temos que partir do princípio que, em algum momento, haverá uma correção de rota. Essa precisa ser uma característica do empreendedor, porque ela será fundamental para atrair investidores”, diz. “É melhor um projeto ruim com uma boa equipe do que uma equipe ruim com um bom projeto.”
Outro conselho do especialista é o foco no problema. Segundo ele, alguns empreendedores são tão apaixonados pela solução que criaram que não conseguem se dar conta de que ela não resolve uma necessidade real do mercado.
Por fim, Quirino ressalta o tamanho das oportunidades para o mercado empreendedor brasileiro, já que cada vez mais grandes companhias estão adotando iniciativas como o Creative Startups – que é apenas uma parte do ecossistema de inovação da sul-coreana no Brasil, que contempla outros programas para diferentes níveis de maturidade, inclusive antes até da constituição jurídica dos negócios. “Desenvolver produtos e criar soluções, com todos os percalços que isso significa, é muito caro e demorado nos grandes conglomerados. A nossa carga burocrática é muito maior em função dos processos já estabelecidos. Já as startups – principalmente as resilientes – fazem isso de forma muito mais ágil e a custos muito menores. As empresas que não se abrirem para a inovação aberta ficarão para trás”, sentencia.
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