As empresas que operam no Brasil ainda têm preconceito na contratação de profissionais negros, LGBTs, pessoas com deficiência (PcD) e com mais idade. Pelo menos, é essa a percepção de 77%, 75%, 71% e 79% de representantes desses grupos segundo a pesquisa “Oldiversity – Impactos da Longevidade e Diversidade para Marcas e Negócios”, realizada pelo Grupo Croma, empresa especializada em design de inovação.
Em sua segunda edição, o levantamento, realizado pela primeira vez em 2017 por meio de uma metodologia aplicada que considera cotas de idade, gênero, região geográfica, classe socioeconômica, além de cotas específicas de raça, orientação sexual e PcDs, ouviu 2.032 pessoas de todo o Brasil, sendo 47% homens e 53% mulheres, a grande maioria, 34%, entre 21 e 30 anos.
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“O objetivo do estudo é ser um parâmetro avaliativo de quem pensa, preocupa-se, promove e defende assuntos ligados à longevidade e à diversidade de orientação sexual, gênero, raça e pessoas com deficiência. Portanto, a partir dele, marcas podem ser consideradas mais ou menos ‘oldiversity’, tornando-se possível quantificar impactos em valor e volume em toda a jornada de compra e consumo”, explica Edmar Bulla, CEO do Croma.
No recorte que analisou, especificamente, a percepção de toda a amostra de entrevistados, constatou-se que 77% deles aceitam a diversidade, 70% dizem que as empresas deveriam integrar o tema em suas políticas e 60% alegam não consumir produtos e serviços de marcas com comportamentos preconceituosos.
Na prática, porém, a realidade é outra. Além dos 77% de negros ouvidos no estudo que relataram sentir o preconceito das empresas, 70% deles revelaram já ter sido alvo de algum tipo de discriminação racial. O mesmo acontece com 32% dos PcDs. “A diversidade não quer privilégios, quer igualdade”, diz Ferdinando Vilela, diretor de pesquisa e data analytics do Croma. Embora as mulheres não tenham sido analisadas separadamente, a percepção de 71% dos entrevistados é que elas ganham menos do que os homens. Índice muito semelhante – 70% – diz que há menos líderes mulheres do que homens.
Segundo o especialista, nos últimos anos as redes sociais têm ajudado a aumentar expressivamente o compromisso com o tema – mas também provocou um incremento na percepção. Enquanto no estudo anterior, de 2017, apenas 37% dos negros declararam achar as propagandas racistas, no atual esse índice foi de 53%. Naquela época, 48% deles desejavam comerciais mais diversos. Esse contingente, hoje, é de 67%. “Isso significa que o nível de engajamento aumentou, assim como as cobranças”, diz Vilela.
A propaganda também aparece como um aliado de peso. Para 68% da população LGBT+, as campanhas das marcas ajudam a criar uma sociedade mais tolerante à diversidade e 53% dos negros consideram a propaganda brasileira racista.
O EXEMPLO QUE VEM DA BELEZA
Duas marcas do setor da beleza – Natura e O Boticário – lideram a percepção dos consumidores do que diz respeito a companhias alinhadas com o conceito da diversidade. A primeira, apontada por 12% dos entrevistados na edição de 2017 do levantamento, aparece agora com 24%, um incremento de 100%. Já O Boticário, que tinha 16% – e o primeiro lugar há três anos – caiu 2% e ocupa a vice-liderança. Na sequência, aparecem C&A, com 5%, Globo , 4%, e Coca-Cola, Avon, Dove e Netflix, empatadas com 2% cada.
“As duas marcas abordam a diversidade em suas campanhas com frequência, é um tema que está inserido no contexto, no dia a dia. Assim como podemos ver um casal hetero no comercial de Dia dos Pais, podemos ter um casal gay no Dia das Mães ou um Papai Noel negro distribuindo presentes no Natal”, diz Vilela. “Já a Avon levanta algumas bandeiras em determinadas situações, como quando contratou Pabblo Vittar como sua garota propaganda em 2016.”
A indústria de cosméticos, beleza e higiene social deixa para trás, com folga, todos os demais setores. O segmento é considerado, por 47% dos entrevistados, como o mais “oldiversity”. Confecção/moda e entretenimento/redes sociais aparecem na segunda posição, com 9%, enquanto alimentos/bebidas tem apenas 7%. Quando perguntados que marcas relacionavam à diversidade, 42% dos entrevistados não souberam responder.
DIVERSIDADE ACELERA A INOVAÇÃO
Edmar Bulla é categórico: o preconceito sufoca a inovação. “Qualquer processo inovador depende de contrassensos, contrapontos e visões contrárias. Quanto mais diversidade de modelos mentais e opiniões, mais vamos produzir produtos e serviços inovadores. A pior coisa para a inovação são pessoas que pensam igual ou têm as mesmas convicções. É preciso mesclar hierarquias, gêneros, vivências. Não adianta achar que a inovação vai vir dos conselhos ou das diretorias executivas, majoritariamente formadas por homens brancos maduros. Não virá. Pelo contrário: a cultura é tão enraizada que se corre o risco de repetir padrões”, diz.
O especialista ressalta, no entanto, que embora a pressão pela adequação às práticas ESG (sigla em inglês para environmental, social and governance, ou ambiental, social e governança, em português) esteja aumentando em todo o mundo, é preciso que essa seja uma conduta seja autêntica, e não simplesmente uma maneira de valorizar a empresa para os investidores. “Se não garantirmos comportamentos genuínos nesse sentido, mais uma vez a inovação estará em risco”, alerta. “É importante aproveitar a onda atual, onde a expressão individual está em alta, graças em parte ao fenômeno das redes sociais, para sair do lugar comum, fermentar essa diversidade e ganhar com isso.”
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Diante dessa visão – e dos números da pesquisa –, fica impossível não se perguntar como algumas empresas ainda são pegas de surpresa com casos de racismo, preconceito e lgbtfobia, como vimos no último fim de semana em uma loja do Carrefour em Porto Alegre e em uma da unidades da padaria Dona Deôla na capital paulista.
“Não existem transformações suaves. As empresas precisam atribuir metas numéricas atreladas à diversidade, compliance, meio ambiente, inclusive com premiações e punições para todos os envolvidos. Por isso, a atitude genuína de quem tem a caneta na mão é fundamental. São eles que vão influenciar os conselhos e as diretorias. Movimentos de transformação cultural não vão surtir efeitos de longo prazo se começarem na base. Eles precisam ser de cima para baixo. Não adianta romantizar. Códigos, crenças e valores são fundamentais. Mas há um outro lado da moeda que depende de poder, gestão, números, metas e de quanto o bolso do colaborador é impactado por ações corretas ou incorretas.”
Bulla lembra, ainda, que os exemplos são cada vez mais importantes – principalmente quando estamos falando em mudar paradigmas entre o público adulto. Por isso, é tão importante reconhecer boas práticas, enaltecer iniciativas de sucesso e valorizar medidas assertivas. Neste sentido, um ponto chama atenção no levantamento da Croma: o papel do estado. Entre os LGBTs entrevistados, 73% deles disseram que o governo atual influenciou no aumento do preconceito de gênero ou orientação sexual.
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