No dia 4 de dezembro do ano passado, às 17h41 no horário da Costa Oeste, Delian Asparouhov, empresário de tecnologia e diretor do Founders Fund, tuitou direto de São Francisco: “E se mudássemos o Vale do Silício para Miami?”.
De sua casa, a 3.200 quilômetros de distância, o prefeito de Miami, Francis Suarez, respondeu enquanto colocava os filhos para dormir: “Como posso ajudar?”.
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Às 22h, a proposta de Asparouhov havia viralizado. Quando Suarez acordou no dia seguinte, a nata do capitalismo de risco e da tecnologia – de Menlo Park a Austin e Boston – tinha conhecimento do tuíte, que, agora, já acumula mais de 2,5 milhões de interações e segue aumentando. Mas, mais importante, é que todo mundo que viu o post mostrou interesse em ajudar.
O prefeito Suarez não perdeu tempo. Mandou fazer camisetas com a frase “How Can I Help?” (“como posso ajudar?”, em tradução livre), iniciou um talk show no YouTube, nomeou um “capitalista de risco residente”, prometeu contratar o primeiro diretor de tecnologia da cidade, começou a aparecer em encontros apenas para convidados, com representantes de tecnologia de todo o país, e passou a aparecer em reportagens de televisão, incluindo na Fox e na CNBC, promovendo Miami como a próxima capital global dos investimentos em tecnologia.
“Todos nós sabíamos que era a hora de aproveitar o ‘momento’ de Miami como resultado da pandemia e transformá-lo em um movimento. De repente, todos os olhos estavam sobre nós”, diz o prefeito. “O objetivo agora é tornar o movimento ativo e irrefreável.”
Suarez é um líder adequado e oportuno para conduzir a próxima grande cidade norte-americana: falante, descendente de cubanos, bem vestido e assumidamente de direita, defende a lei e a ordem sem desculpas. Sua família esteve envolvida na política local pró-negócios por duas gerações e é do setor do direito imobiliário.
O problema com Miami, segundo Suarez, é que a cidade tem sido repetidamente preterida por outras, como São Francisco, Seattle, Austin e Boston, quando se trata de atrair talentos de tecnologia e startups. No entanto, graças à recente ofensiva nacional de charme do prefeito, esse equilíbrio de poder pode mudar.
Quatro meses depois daquele tuíte, o político de língua afiada (eleito com 86% dos votos em 2017) de repente tem alguns amigos famosos e influentes, como Peter Thiel, Elon Musk e Jack Dorsey. Agora, quando participa de uma reunião para atrair as empresas para Miami, a maioria das pessoas já conhece o discurso. Suarez fala sobre os empregos no setor de inovação com altos salários, as escolas de ensino fundamental nacionalmente premiadas, os sistemas de saúde de primeira linha do sul da Flórida, as universidades renomadas e as centenas de bilionários e titãs empresariais que trocaram suas carteiras de motorista permanentemente para a Flórida e, agora, passam os verões nos Hamptons – em vez de fazer o movimento contrário.
Não é de surpreender que ele também tenha ajudado – não tão discretamente – a levar alguns negócios à cidade. O CEO da FTX Crypto Derivatives Exchange Sam Bankman-Fried disse, recentemente, que os esforços de Suarez o convenceram a prosseguir com o acordo pendente de direitos de marca de US$ 135 milhões para a arena de basquete Miami Heat. O compromisso recém-assumido pelo Softbank – no valor de US$ 100 milhões – para estimular o ecossistema de startups na cidade também se deve, em grande parte, ao empenho do prefeito.
MIAMI 2.0
Quanto perguntado por que esse movimento neste momento, Suarez é cuidadoso em não creditar à Covid-19 esse renascimento da cidade. Um republicano que se autodenomina conservador, o prefeito diz que o momento 2.0 atual de Miami tem muito menos a ver com a maneira como a pandemia embaralhou o mercado imobiliário dos Estados Unidos e muito mais com o fato da cidade, enquanto um ecossistema de startups, estar se tornando conhecida por ser tudo o que Manhattan e São Francisco não são.
“Ao afastar a Amazon, como os funcionários públicos de Nova York estão fazendo, e criticar um hospital por ter o nome de Mark Zuckerberg, que doou US$ 75 milhões para sua construção, como está acontecendo na Califórnia, está se criando um clima de negócios anti-inovação e anti-empreendedorismo”, diz Suarez. “Em Miami, estamos oferecendo uma alternativa. Há duas coisas básicas que as pessoas que estão criando grandes empresas desejam ao mesmo tempo em que desenvolvem comunidades prósperas: não ser tributadas mais do que deveriam e sentir que são bem-vindas. Elas não querem que as lideranças locais e os políticos pensem que são, de alguma forma, responsáveis por coisas que o governo não consegue resolver, como falta de moradia, infraestrutura e desigualdade de renda.”
Apesar das vantagens estruturais de longa data de baixa regulamentação e impostos mais acessíveis da Flórida, Suarez não descarta que a causalidade devido à pandemia foi a chave para o início do boom 2.0 da cidade.
“Muitas coisas conspiraram recentemente a favor de Miami para fazer esse momento acontecer”, ele admite. “Da Covid ao novo mundo do trabalho remoto, passando pelo fato de a Flórida ter aberturas durante a pandemia que permitiram que as pessoas desfrutassem de uma qualidade de vida razoável enquanto outras cidades e estados estavam fechando, são fatores que criaram um ponto de inflexão que, agora, está trazendo pessoas e grandes empresas para Miami em números como nunca vimos antes.” Mais importante ainda, segundo Suarez, é que esse “ponto de inflexão” se traduz em diversificação e estabilidade econômica, algo que Miami não consegue alcançar há décadas.
“Miami sempre foi uma cidade de altos e baixos. Mas tudo girava em torno de dois setores básicos: imobiliário e turístico. O que é diferente, desta vez, é que outros fatores macro conspiraram para atrair empreendedores e empresas de inovação a Miami, o que significa que estamos aumentando os empregos formais e recebendo startups que outras cidades estão perdendo.”
Ao mesmo tempo, o novo normal pós-pandêmico também está ajudando a acelerar a metamorfose da cidade em um epicentro mais reconhecido mundialmente. “Miami sempre foi tradicionalmente conhecida como a porta de entrada dos EUA para a América Latina. Mas, agora, em parte devido à pandemia, estamos nos tornando reconhecidos como um verdadeiro centro global de inovação, ideias e comércio como Hong Kong ou Dubai”, diz Suarez. “Não há ninguém na Espanha querendo pegar um avião no dia seguinte para Austin. O mesmo acontece na Colômbia, Argentina ou Brasil. Em lugares como o Qatar, no entanto, todo mundo está falando sobre Miami como o próximo centro de tecnologia global – e não sobre Nova York, Los Angeles ou São Francisco.”
Com esse objetivo, Suarez continua focado em transformar sua Miami 2.0 em um lugar que seja irresistível para empresas, empresários, os novos trabalhadores remotos e aposentados que fogem de estados norte-americanos republicanos com altos impostos e regulamentações complexas que, neste exato momento, estão tentando sobreviver à pandemia.
“Temos uma fórmula simples aqui em Miami”, diz. “Em primeiro lugar, queremos reduzir os impostos ao nível mais baixo possível. Em segundo, queremos aumentar o financiamento para a polícia, não diminuí-lo. E, por último, queremos ter a melhor qualidade de vida do que qualquer outra cidade do mundo. Isso significa focar nos parques urbanos, reduzir o número da população em situação de rua a zero, construir uma economia local próspera e expandir as oportunidades culturais, artísticas e esportivas, como trazer a Fórmula 1 de volta para cá em 2022. Também queremos nos concentrar na igualdade de oportunidades, não na igualdade de resultados. E isso começa e termina com educação e empregos bem remunerados. Mas nunca vamos impor resultados como você vê em países comunistas ou socialistas.”
Apesar do hype de uma Miami 2.0, o crescimento que se espera seguir não inclui apenas praias ensolaradas com bilionários felizes e geradores de empregos. No caso de Miami especificamente, diz Saurez, infraestrutura, educação, moradia acessível e mitigação do clima devem ser as principais prioridades.
“Os maiores problemas de Miami são os mesmos de todas as cidades. E eu acho que há um grande papel a ser desempenhado pelo setor privado, e é por isso que é ótimo que tantas empresas estejam se mudando para cá. Não acho que as companhias sejam responsáveis pelas coisas que o governo não fez ou não pode fazer. Mas acredito que essas empresas podem, e devem, inovar onde existem oportunidades que beneficiam a todos. Podemos fazer parcerias público-privadas, por exemplo, em moradias populares. Também podemos inovar nos transportes e na mitigação dos riscos ao clima, e não apenas sermos neutros em carbono, mas também positivos, com a ajuda delas. Existem tantas oportunidades para inovar em veículos elétricos e autônomos, bem como em transporte sustentável, e todas essas iniciativas podem resolver problemas urbanos generalizados em todo o mundo. Podemos desenvolver aqui e exportar para o mundo”, diz Suarez.
Em sua visão mais ousada, o que o prefeito espera ver em cinco, dez ou 20 anos a partir de agora, é um ecossistema de negócios, tecnologia e finanças que se parece muito com o Vale do Silício hoje, mas muito mais conectado ao mundo.
“Miami está preparada para ser a próxima capital do capital de risco”, diz o Suarez. “Nunca houve um lugar na história da humanidade onde as empresas de private equity, os fundos de hedge e os bancos de investimento convergiram com investidores de risco, fundadores e empreendedores de startups. Eles sempre foram segregados em dois lados diferentes do país – em Manhattan e no Vale do Silício. Mas, agora, estão todos vindo para Miami. O que isso significa para os próximos anos é que a próxima geração de empresas revolucionárias – os Googles, Facebooks e Microsofts do futuro – nascerão aqui em Miami. Aqueles que inovam em criptomoedas, em mineração de dados, em inteligência artificial e em aprendizado profundo de máquinas estarão concentrados em Miami. As empresas pioneiras em veículos elétricos, baterias, sequestro de carbono e tecnologias climáticas criarão suas raízes em Miami. Isso não é apenas o que eu sinto. Todas as evidências mostram que isso vai acontecer.”
Sobre a tempestade de tuítes com Asparouhov, Suarez permanece firme ao afirmar que seu objetivo para uma Miami 2.0 sempre foi fazer o novo ecossistema da cidade crescer organicamente, não importa quanto tempo isso leve. O Twitter e a Covid-19 apenas convergiram para o momento decisivo.
“Não foi nada planejado”, garante Suarez sobre sua resposta a Delian Asparouhov. “Eu não sabia quem ele era. E também não sabia nada sobre o Founders Fund. Meu tuíte foi uma reação simples a uma pergunta simples que tem sido um projeto para mim ao longo da última década. Como servidor público, a expressão ‘como posso ajudá-lo?’ deve estar no DNA de cada político. Mas, de alguma forma, foi visto como uma reação anormal de uma autoridade eleita da comunidade de tecnologia. Se você tivesse me dito, no dia 3 de dezembro, que tudo estava prestes a mudar na cidade, eu teria dito que há anos estamos trabalhando duro para criar um novo ecossistema de tecnologia e empreendedorismo em Miami. Mas a pandemia forneceu aquele momento catalítico que poderia sintetizar todas essas forças macro em uma visão para o futuro que todos entenderiam.”
Dado o atual super boom do mercado imobiliário de Miami, está bastante claro que a estratégia de Suarez está, até agora, dando resultado, e que o momento que ele ajudou a impulsionar provavelmente não desacelerará tão cedo. Quanto às ambições políticas do prefeito, ele diz que ainda está focado no presente enquanto atua, timidamente, no futuro. “Minha única meta é atuar por dois mandatos e ser o melhor prefeito que Miami já teve.” Nesse ritmo, o futuro político de Suarez pode ser muito mais parecido com o de Pete Buttigeig ou de Barak Obama, mas num tempo muito mais curto do que qualquer um poderia imaginar – incluindo ele mesmo.
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