Descrito pelo Banco Central (BC) como uma das iniciativas mais importantes da agenda de modernização do sistema financeiro no Brasil, o open banking promete causar uma revolução, tanto para as empresas que dele participam, quanto para os consumidores.
O modelo, que está sendo implementado no Brasil em fases, permite que clientes de produtos e serviços financeiros autorizem o compartilhamento de suas informações com instituições autorizadas pelo BC. Consumidores também poderão movimentar suas contas bancárias a partir de outras plataformas além do site e aplicativos dos bancos dos quais são correntistas.
Siga todas as novidades do Forbes Tech no Telegram
A proposta do sistema financeiro aberto é aumentar a competitividade de empresas atuantes no setor, que passarão a “enxergar” o histórico de relacionamento de clientes com outras empresas, com a anuência de consumidores para tal. Usuários, por sua vez, terão acesso a uma maior gama de produtos no mercado.
Porém, esta promessa ainda precisa se cristalizar no imaginário popular, segundo uma pesquisa inédita sobre atitudes em relação ao open banking, conduzida pelo C6 Bank/Ipec e obtida com exclusividade por esta coluna.
A pesquisa, que contou com entrevistas com 2.000 brasileiros das classes A, B e C com acesso à internet em todo o Brasil entre os dias 22 e 28 de abril, sugere que 33% dos brasileiros têm interesse em compartilhar seus dados pessoais com instituições financeiras em troca de economia com tarifas e taxa de juros.
Por outro lado, 43% dos participantes da pesquisa disseram não ter interesse em abrir seus dados, com base no que sabem até agora sobre open banking. O restante dos participantes do estudo (24%) não soube dizer se querem ou não compartilhar suas informações financeiras.
DIFICULDADES NO ENTENDIMENTO
Os dados da pesquisa sugerem que o novo modelo e seus atrativos não são conceitos muito simples de serem compreendidos pela maioria da população neste momento, segundo Maxnaun Gutierrez, head de produto e pessoa física do C6 Bank, em entrevista à Quem Inova.
“[Explicar o modelo para o consumidor] é a grande dificuldade atual do open banking. As vantagens do Pix eram muito claras, a pessoa [entendeu o serviço como] uma TED que funciona todo dia”, diz Gutierrez, sobre o serviço de pagamentos e transferências instantâneas lançado pelo BC em novembro do ano passado.
“O benefício do open banking poderá ser muito maior do que o que o Pix está trazendo, pois o cliente terá o poder do controle de suas próprias informações e conseguirá compartilhar seus dados pessoais, financeiros, histórico, de produtos, para qualquer ente conectado ao sistema que o BC está provendo”, acrescenta.
Ainda segundo a pesquisa do C6 Bank, as mulheres e entrevistados com mais de 55 anos de idade estão entre os grupos mais receosos a respeito do novo modelo, dentre os participantes que não se mostraram atraídos pelo modelo. Entre os consumidores consultados, 52,3% são mulheres e destas, 46% discordam do compartilhamento de dados; isso se compara a 40% de aceitação entre o público masculino.
Especificamente entre consumidores na faixa de 55 anos ou mais, 51% disseram não estarem interessados em abrir suas informações financeiras. Entre os motivos que podem explicar a resistência, em especial entre as pessoas de mais idade, Gutierrez aponta que este público é “sempre mais receoso” em relação a aspectos da jornada de digitalização, apesar de a pandemia ter alterado este cenário significativamente.
“Mas a chacoalhada no comportamento digital do consumidor [desde a emergência da Covid-19] foi mais por necessidade do que algo natural, e a pesquisa simplesmente mostrou que quem tem mais idade é mais avesso a essa mudança, pela insegurança [trazida pela] falta de conhecimento”, ressalta.
Gutierrez aponta, ainda, o fato de que o open banking e suas funcionalidades tem uma jornada mais longa de implantação. Isso pode causar uma confusão para o consumidor, diz o especialista, visto que as funcionalidades do novo modelo não estarão disponíveis de uma só vez. O open banking começou a ser introduzido no Brasil em fases em fevereiro e o processo termina em dezembro, sendo que dados de clientes poderão ser compartilhados a partir de julho.
Além disso, há uma preocupação com a segurança de dados: “No segundo semestre, veremos uma onda de comunicação e conscientização sobre o open banking, em que grandes bancos devem seguir uma linha de ‘confie seus dados aqui, porque eu sou um player mais seguro’ ao passo que os novos players terão [um discurso de] ‘você é o dono da informação, traga aqui que você vai ter mais’, e uma onda em que se dirá ‘traga seus dados que você reduz o seu custo pela metade'”, diz o especialista.
LEIA TAMBÉM: Quem Inova: Pablo Di Si, CEO da Volkswagen Brasil: “Seremos uma empresa de software”
A possibilidade de menores gastos também explica outro dado da pesquisa, de que o índice de aceitação do open banking é maior nas regiões Norte/Centro Oeste (37% em relação a 31% na região Sudeste). Segundo o especialista do C6, uma possível conclusão a partir deste dado é que públicos em regiões com menor poder aquisitivo tendem a ser mais abertos a novidades que impliquem em acesso a serviços.
Esse tipo de consumidor de baixa renda e mais propenso a ser atraído pelo open banking, segundo o diretor do C6, é o desbancarizado e até então atendido por varejistas. “[As redes de varejo] eram onde este cliente conseguia crédito, pois ele não tinha uma conta bancária e levava seus extratos de contas de consumo para que o crédito fosse analisado e concedido na hora”, argumenta. “Minha inferência é que, quanto menor a renda daquela população, mais ela vai querer dar acesso às informações para conseguir mais crédito.”
QUEBRANDO BARREIRAS
Um dos grandes desafios do mercado financeiro no Brasil era a redução de tarifas bancárias, diz Gutierrez, algo parcialmente endereçado pela emergência de bancos digitais nos últimos anos e por mecanismos como o Pix. “O open banking deve solucionar outros grandes desafios, como o custo de crédito e outras facilidades”, ressalta, em referência a futuras fases do open banking, que pode trazer possibilidades como a transferência de cadastros de débitos automáticos de uma instituição para outra.
Para novos entrantes como bancos digitais, o modelo de crédito é muitas vezes restritivo por conta da falta de informações sobre o cliente, segundo Gutierrez. O especialista acrescenta que o novo modelo deve endereçar essa lacuna, já que consumidores poderão expor seu histórico a outras instituições para apoiar a tomada de decisão em processos de crédito.
“Se a informação que hoje está no poder de poucas instituições estiver disponível para quem o cliente decidir que quer compartilhar, remove-se essa assimetria de informações violenta que temos hoje, e é possível reduzir o spread de crédito pois torna-se possível [personalizar] a oferta para cada consumidor”, aponta. Neste cenário se serviços personalizados, o C6 entende que o open banking deve trazer oportunidades tanto em crédito quanto em investimentos e assessoria para os diversos perfis de investidor.
Porém, para tornar o open banking mais atrativo para o consumidor e quebrar as barreiras da resistência, será preciso um trabalho da indústria de serviços financeiros quanto à cultura de compartilhamento de dados, bem como a criação de um ambiente de confiança entre instituições e consumidores. “Em cada ponto de contato, a [solicitação de dados] tem que ser contextualizada”, aponta Gutierrez, que defende a solicitação de dados restrita ao propósito específico para a transação.
“Não dá para solicitar informações de investimento se o cliente só usa aquele app para fazer pagamentos, senão [o consumidor] não vai entender nada. Cada instituição vai definir seu modus operandi, mas acredito que todas vão seguir a linha de pedir informações de forma contextualizada”, acrescenta.
Além disso, a adesão ao modelo também passa por um entendimento de que consumidores poderão também revogar o acesso às informações caso entendam que não é mais interessante abrir aqueles dados para determinada instituição. “Se não [houver esta compreensão], tudo continua da forma que está hoje, em que somente os grandes players retém a informação financeira dos clientes, assim como o controle [da indústria],” pontua Gutierrez.
“Será necessário um aculturamento, um processo de entendimento em que o cliente entenderá o poder que tem em mãos, e assim, usá-lo para seu próprio benefício,” finaliza.
Angelica Mari é jornalista especializada em inovação e comentarista com duas décadas de atuação em redações nacionais e internacionais. Colabora para publicações incluindo a FORBES (Estados Unidos e Brasil), BBC e outros. Escreve para a Forbes Tech às quintas-feiras
Facebook
Twitter
Instagram
YouTube
LinkedIn
Siga Forbes Money no Telegram e tenha acesso a notícias do mercado financeiro em primeira mão
Baixe o app da Forbes Brasil na Play Store e na App Store.
Tenha também a Forbes no Google Notícias.