De olho nas oportunidades de negócio apresentadas pelas novas demandas corporativas por inovação e criatividade, a Faber-Castell está avançando uma agenda de produtos digitais e parcerias com startups, além de uma transformação digital com utilização de data analytics, drones e Internet das Coisas (IoT) para aumentar sua eficiência operacional.
A subsidiária brasileira da empresa alemã fundada em 1761 e que completou 91 anos no Brasil no mês passado, tem como core business a produção de papelaria e material escolar – são cerca de 2 bilhões de lápis de madeira reflorestada por ano. Porém, a frente de novos negócios com base em produtos digitais e tecnologia ganhou novo ímpeto em 2020.
“Nossa prioridade é despertar o potencial criativo das pessoas para que elas estejam mais aptas a resolverem os desafios do dia a dia de forma inovadora e possam criar um mundo melhor”, diz Marcelo Tabacchi, CEO da Faber-Castell do Brasil, em entrevista à Quem Inova.
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As mudanças impostas pela pandemia da Covid-19 impuseram um grande desafio para a Faber-Castell, segundo Tabacchi, especialmente no que diz respeito ao negócio principal da empresa, já que o consumidor tradicional de seus produtos passou a estudar em casa.
“[A pandemia] mudou toda a dinâmica do nosso consumidor, e fez com que também acelerássemos alguns planos. O que estamos vivendo esse ano é uma reanálise, fazendo um balanço diferente das nossas prioridades”, aponta o CEO.
Segundo o executivo, canais digitais representavam uma porcentagem mínima das vendas da empresa no pré-pandemia; hoje o e-commerce responde por 10% do negócio. “É um valor tímido, mas se mostra muito promissor”, ressalta, referindo-se a áreas como vendas B2B. Hoje a Faber-Castell atende mais de 6.000 clientes neste espaço, em sua maioria pequenos varejistas: um canal online para este público, implementado em junho de 2020, tem possibilitado a consulta a itens do catálogo, assim como atendimento e vendas.
Além da expansão do e-commerce, Tabacchi espera que os produtos digitais, que incluem cursos para empresas e o público final, além do Programa de Aprendizagem Criativa focado em escolas e os esforços junto a startups se tornem uma fonte de receita significativa para a empresa. “Acreditamos que em um horizonte de três a quatro anos, [estes novos negócios] podem representar cerca de 20% a 25% do negócio”, prevê o CEO.
NOVOS APRENDIZADOS
No que diz respeito à transformação dos processos internos da companhia com o apoio de tecnologia, Tabacchi diz que a Faber-Castell teve um desenvolvimento expressivo de sua maturidade digital nos últimos meses. O processo incluiu uma pesquisa interna para entender as lacunas e oportunidades, além das demandas relacionadas à mudança cultural, e culminou no desenvolvimento de novos negócios, com a criação de uma área dedicada à inovação.
Formada em junho de 2020, a diretoria de inovação e novos negócios é um braço que opera de forma independente e tem foco nas áreas de educação e desenvolvimento de novos produtos, além de atuar na transformação interna da empresa. A área também inclui as atividades em corporate venture capital (CVC), um espaço em que a Faber começou a dar seus primeiros passos em março deste ano.
“A pandemia jogou luz para oportunidades que não tínhamos visto, e trouxe um senso de urgência e engajamento nos diversos times, o que foi um ponto crucial”, pontua o executivo, acrescentando que os projetos nessa área são pioneiros na história do grupo alemão.
“Nossa transformação ágil, através dessa área específica voltada à inovação, também pode ensinar muito para a ‘nave-mãe’: temos orgulho de sermos o primeiro país do grupo a começar uma jornada dessa maneira, com governança própria,” ressalta Tabacchi.
Segundo o CEO, a área é o resultado dos aprendizados da empresa ao longo dos últimos anos, e observações do que tem sido feito na área de inovação em outras indústrias, como a automotiva, informaram a estratégia da Faber-Castell, bem como as incursões de grandes corporações no Vale do Silício.
“Estamos tentando trabalhar com a área de inovação desde 2015: naquela época, ela também começou separada por questões de governança e independência, depois colocamos essa área dentro da nossa operação tradicional. E agora, durante a pandemia, nós decidimos separar para dar mais cadência e mais tração”, conta.
Em relação aos esforços em CVC, Tabacchi diz que a empresa começou com um conceito de inovação aberta. Isso envolveu iniciativas como uma parceria com a Endeavor, em que a Faber-Castell patrocinou o programa de scale-ups da organização, com foco em edtechs. O processo culminou na seleção de 12 startups para um processo e aceleração e mentoria.
Além disso, a empresa começou um processo de funil de captura de oportunidades no universo das startups, em que quase 70 empresas foram contatadas. A Faber está em conversas avançadas com nove destas startups, com o intuito de fazer investimentos – a empresa não divulga quanto vai investir, mas deve fazer aportes pequenos e progressivamente aumentar seu budget para este fim nos próximos quatro anos.
“Estamos com muita vontade de acelerar nessa área, a ponto de criar uma equipe que eu considero razoável para esse primeiro ano de vida dedicada a corporate venture capital, e posso dizer que queremos realmente fazer esse plano funcionar”, aponta Tabacchi.
O investimento na Layers Education, startup que desenvolve um “super app de educação”, foi o estopim que deu origem ao braço de CVC da fabricante. Segundo a Faber-Castell, depois do aporte financeiro e mentoria, a startup saltou de 90 mil para 350 mil alunos atendidos em 2020 e triplicou o faturamento anual com seu produto, que possibilita uma experiência unificada no acesso a ferramentas educacionais para pais, professores e gestores de escolas.
Tabacchi espera poder criar novos produtos e serviços com startups para além do negócio de produtos escolares, mas ressalta que a relação com as empresas de base tecnológica tem outros objetivos, que perpassam a transformação digital e cultural da empresa.
“Não queremos simplesmente investir em startups, nossa estratégia é pautada em um conceito de smart money, onde compartilhamos boas práticas, fazemos mentoria e sobretudo aprendemos muito com elas, em áreas como estilo de gestão e tomada de decisão de forma muito mais compartilhada, ágil e simples”, pontua o CEO.
AVANCOS NA DIGITALIZAÇÃO
Entre as iniciativas sob o guarda-chuva de transformação digital, está a intensificação do uso de automação nas unidades fabris da empresa, que incluem plantas de produção de lápis e material escolar em São Carlos (SP), Prata (MG) e Manaus (AM). Segundo Tabacchi, o processo de manutenção das máquinas fabris da empresa foi integrado e automatizado, com um programa de instalação de sensores para análise e geração de insights, que informam manutenções preventivas no equipamento das plantas.
A jornada rumo a uma abordagem de Internet das Coisas para apoiar a eficiência operacional da empresa começou no segundo semestre de 2019, com o apoio de consultorias. A Covid-19 veio poucos meses depois, e acabou acelerando o processo de implementação.
Outra área que tem se beneficiado do uso intensivo de tecnologia é o projeto de reflorestamento em Minas Gerais, no qual drones têm sido utilizados para monitoramento e prevenção de roubos e incêndios. “Anteriormente, este processo era feito inteiramente por humanos, e o [monitoramento por drones] passa a incorporar um elemento a mais de automação nos nossos processos”, pontua Tabacchi.
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Além disso, a companhia tem reforçado seu foco no desenvolvimento de uma cultura corporativa baseada em dados. “Estamos colocando a análise de dados como ponto central da nossa estratégia, entendendo que acesso à informação de forma mais ágil vai se tornar, sem dúvida alguma, uma vantagem competitiva”, aponta o CEO.
O uso de data analytics, segundo Tabacchi, se traduz em uma melhor capacidade de entender as necessidades do consumidor em constante mudança, e criar produtos que atendam a estas demandas latentes. Um exemplo é o desenvolvimento de conteúdos online para empresas e escolas, com iniciativas em áreas como aprendizagem criativa, um programa online desenvolvido em parceria com o MIT, atualmente utilizado por mais de 20 escolas com 250 professores. Mais de 15 mil alunos foram impactados pelo programa desde o início da pandemia, segundo o CEO.
Além disso, a empresa tem ampliado sua oferta digital para o consumidor final, com cursos para crianças em idade escolar e adultos. O portfólio digital de educação da Faber-Castell hoje compreende mais de 25 cursos, e abrange desde áreas diretamente ligadas ao negócio central da companhia, como lettering (caligrafia artística), até temas voltados às profissões da economia digital como UX (user experience) e design thinking.
A oferta de cursos e imersões em criatividade para crianças e adultos era uma aposta da empresa desde 2019, quando inaugurou um espaço dedicado a estas atividades no Shopping Market Place, em São Paulo. A ideia, à época, era expandir os espaços para outros shoppings e criar uma rede nacional de espaços de inovação e criatividade para o público infantil, adulto e corporativo.
“Com a pandemia, [os espaços de criatividade físicos] deixaram de fazer sentido para que as pessoas se reunissem para atividades criativas. Nós então pivotamos essa iniciativa e estamos replicando a experiência do mundo físico para o digital em uma validade mais rápida do que o esperado”, diz o executivo, em referência ao programa “A Hora da Invenção”, que acontecerá online e ao vivo por uma hora e meia, com turmas de até 25 crianças. O projeto, que aborda temas como prototipação de ideias, será relançado neste mês.
Ao passo em que a transformação da fabricante de material avança e o escopo de negócios se amplia para abarcar produtos digitais, o objetivo de Tabacchi para o próximo ano é que negócio principal continue crescendo, com os 2.400 empregos no Brasil preservados. “Quero poder dizer, daqui a um ano, que ninguém perdeu o emprego, que conseguimos manter a nossa rede de colaboradores saudáveis, e que crescemos: esta é a minha preocupação principal”, aponta.
“Do ponto de vista de negócios, eu gostaria de estar trabalhando com as startups que estamos monitorando, e que tenhamos chegado à conclusão de [que faremos] investimentos em outras startups também. Gostaria, ainda, de ver a área de novos negócios tendo um faturamento relevante na companhia, com muitos ensinamentos para a ‘nave-mãe'”, acrescenta.
O principal desafio em cumprir esta agenda, segundo o executivo, é a transformação cultural. “É preciso desenvolver uma cultura de não-aversão a erros. Aprender com os erros faz parte desse jogo, desde que eles não sejam por imperícia, imprudência ou negligência. Trata-se de uma nova variável no contexto de negócio”, finaliza.
Angelica Mari é jornalista especializada em inovação e comentarista com duas décadas de atuação em redações nacionais e internacionais. Colabora para publicações incluindo a FORBES (Estados Unidos e Brasil), BBC e outros. Escreve para a Forbes Tech às quintas-feiras
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