A mudança nas preferências da consumidora brasileira, a eficiência nos processos fabris e o foco na omnicanalidade pautam a estratégia da Piccadilly Company. Em meio a um processo de planejamento para os próximos quatro anos, a tradicional calçadista gaúcha pretende usar as lições da pandemia para buscar oportunidades e avançar na transformação digital.
Em meio às complexidades que o varejo enfrentou com as restrições impostas pela pandemia, a companhia começa a ver um cenário de retomada nos negócios: com o lançamento da coleção primavera/verão, que deve ficar nas prateleiras até o ano que vem, a marca registrou um aumento de 525% nas vendas. A boa performance se deve a fatores como produtos adaptados aos tempos de Covid-19, a digitalização do canal de vendas e do chão de fábrica para aumentar a produção diária em 40%, além da retomada da expansão via franquias – atualmente, cerca de 90% da receita da companhia vem de canais multimarca.
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Com 66 anos de história, a Piccadilly é uma empresa familiar com dois mil funcionários, comandada pelas irmãs Cristine Grings Nogueira, presidente da marca desde 2014, Ana Carolina Grings, vice-presidente e Ana Paula Grings, gerente de produto e diretora administrativa-financeira. Em entrevista à Quem Inova, Cristine e Ana Caroline falaram sobre os aprendizados dos últimos meses, e os planos para o futuro para a companhia.
“Vemos o momento atual como uma oportunidade de maximizar nossos esforços em temas como a transformação digital, e apoiar nossos parceiros, tanto lojistas multimarca quanto franqueados, através de iniciativas nessa frente”, diz Cristine.
CALÇADOS NA PANDEMIA
O momento atual da Piccadilly reflete transformações significativas em relação a novos hábitos de consumo, segundo a CEO da empresa. “Estamos muito atentos às mudanças e está sendo muito complexo considerar o histórico, pois isso nos diz muito pouco nesse momento: precisamos olhar muito para a frente”, diz Cristine.
Tendências que a companhia observa para informar seus planos incluem uma priorização inédita do conforto no vestir pelas mulheres. Além disso, o preço de produtos precisou ser mais competitivo, para responder ao momento de crise. Como resposta a estas tendências, a companhia criou coleções de calçados para utilização dentro de casa.
“O sapato ainda está muito associado ao sair de casa e apesar de estar ganhando espaço novamente, o novo salto alto terá que ser mais robusto e com mais estabilidade, até que a mulher chegue de novo naquele produto extremamente elegante, com salto fino”, pontua Ana Carolina, acrescentando que o tênis deve permanecer popular após a pandemia, algo que também deve favorecer a calçadista.
Enquanto isso, campeões de venda da marca continuam sendo os chinelos, flip-flops, slides, tamancos, e produtos práticos de calçar. Inovações que vão de encontro às necessidades da pandemia incluem um produto antiviral, desenvolvido em parceria com a Unicamp e um calçado que estimula a circulação sanguínea, que tinha sido desenvolvido antes da crise, e recebeu a certificação da Anvisa no início de 2020.
“Nosso foco foi sempre em produtos com características específicas, tecnologias proprietárias e com durabilidade. Entendemos que a pandemia nos trouxe uma oportunidade de atingir um público mais exigente, que valoriza estes detalhes”, ressalta a vice-presidente.
A empresa também aproveitou as mudanças trazidas pela Covid-19 para “rejuvenescer” a marca com produtos mais modernos, como a linha de chinelos Marshmallow em full EVA, material que possibilitou a redução de custos de produção, além de um avanço na automação de alguns processos no chão de fábrica.
O planejamento estratégico da empresa deve incluir um plano de ação para continuar o programa Indústria Digital, que teve início em 2020. Na próxima fase da iniciativa, a companhia deve avançar em frentes como análise avançada de dados, para apoiar a tomada de decisão.
“[A digitalização do ambiente fabril] é um caminho sem volta. O ponto é como levar isso para os nossos colaboradores de forma que isso não pareça uma ameaça, e sim uma oportunidade de evolução e melhoria para todos”, diz a CEO da empresa, acrescentando que descarta o uso de robôs para substituir funções desempenhadas por pessoas.
“Chegamos a receber uma proposta de robotização de toda uma esteira [de produção], mas isso ainda não se justifica economicamente. Temos processos que podemos melhorar e existem ganhos significativos a serem obtidos com tecnologia, mas nosso negócio demanda muita mão de obra”, ressalta Cristine.
A OPORTUNIDADE DIGITAL
Em relação ao futuro do varejo, Cristine diz que a mudança na experiência de consumo digital tem sido notável entre as consumidoras da marca. “Muitas nunca tinham comprado [online] e o calçado confortável, que é o nosso foco, tem a particularidade do provar, ver se fica bem no pé. Mesmo assim, tivemos uma onda crescente de consumo via digital”, pontua.
Segundo a CEO da calçadista, um dos desafios em um futuro em que a pandemia esteja superada será manter as expectativas da consumidora em relação ao consumo online, o que deverá exigir um maior apoio da companhia aos seus parceiros varejistas. Um exemplo de iniciativas nesse sentido que nasceram na pandemia é o serviço digital “Piccadilly na sua casa”, em que franqueados levam os sapatos até as consumidoras, e que deve ganhar uma nova versão.
“Acreditamos que o digital se manterá importante. Ele foi vivido como experiência ao longo de um período relativamente longo de tempo, as pessoas se adaptaram ao consumo nesse formato, mas acreditamos que uma outra boa parte voltará a viver a experiência de compra física, mas exigindo uma compra com uma qualidade superior”, ressalta.
Cristine aposta em um cenário futuro em que a experiência de compra será híbrida, de acordo com os diferentes momentos da vida da consumidora. “Uma mulher pode querer algo que a atenda rapidamente online, ou querer se dar o prazer de ir ao shopping, e provar muitos sapatos. Essa experiência é muito importante para o nosso negócio, considerando o tipo e produto que trabalhamos”, pontua.
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Apesar de serem de uma geração anterior a dos nativos digitais, as líderes da Piccadilly se dizem muito próximas do mundo digital, o que permite uma resposta mais rápida às imperativas que surgiram com a pandemia. “Estamos sendo colocados à prova e tendo que nos reinventar, mas ao mesmo tempo, muito abertos para desaprender e reaprender,” pontua a executiva, frisando que uma liderança feminina resiliente, atenta às sutilezas do negócio e capaz de cuidar das pessoas faz a diferença em tempos de incerteza.
Daqui a um ano, com a nova estratégia em andamento, Cristine espera que a companhia continue sua trajetória de crescimento, e os desafios da pandemia possam ser superados. “Estamos confiantes sobre nosso plano, que é agressivo mas completamente viável. Esperamos ter uma Piccadilly cada vez mais próspera, desejada pelas consumidoras e ao mesmo tempo, uma empresa parceira: com a enorme fragilidade vivida por muitos na pandemia, o momento é de dar as mãos,” finaliza.
Angelica Mari é jornalista especializada em inovação e comentarista com duas décadas de atuação em redações nacionais e internacionais. Colabora para publicações incluindo a FORBES (Estados Unidos e Brasil), BBC e outros. Escreve para a Forbes Tech às quintas-feiras
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