Diga que está em uma conferência de tecnologia na Califórnia, sem dizer que está na Califórnia. Num típico dia de sol, céu azul e temperatura perfeita de 23 graus chegam empreendedores, investidores, vendedores, desenvolvedores, líderes de marketing, entre outros entusiastas de tecnologia para a SaaStr, uma conferência focada em SaaS, como é chamada a vertical de tecnologia de softwares como serviço. A Brex, unicórnio brasileiro de maior referência no Vale do Silício, ocupou espaço central como patrocinador principal do evento. Gigantes como Slack, Calendly e Airtable estavam presentes entre mais de 80 stands impecáveis.
De acordo com o relatório da The Business Research Company, o mercado global de SaaS irá de US$212 bilhões, em 2021, para US$241 bilhões, em 2022, uma taxa de crescimento anual de 13,4%. Outras pesquisas, como a da SkyQuest Technology, indicam que o crescimento ficará em torno de 10% nos próximos cinco anos, atingindo mais de US$720 bilhões até 2028.
Um ícone do SaaS
Essa foi a quarta edição presencial da conferência que se tornou ícone deste segmento. Um total de 250 sessões em 8 palcos montados sob tendas ao ar livre no centro de convenções em San Mateo. A SaaStr dobrou de tamanho, passou dos 100 patrocinadores e recebeu 10 mil pessoas de todos os cantos do mundo. Foram três dias de apresentações com os papas da tecnologia sobre como escalar de forma mais rápida e eficiente um negócio. O número de brasileiros especialmente para o evento acompanhou o crescimento, com mais de 90 aficionados pela promessa de network de alta qualidade, leads qualificados e conteúdo único. Em conversas ora na fila dos food trucks, ora nos happy hours no final de cada dia, todos deram a mesma resposta para a pergunta “Vale a pena viajar mais de 18 horas do Brasil até a Califórnia para três dias de SaaStr?”. A resposta vinha sem pestanejar: sim! Com justificativas que incluíam “beber da fonte”, “conhecer gente melhor do que eu” e “abrir portas” em todos os papos que tive com brasileiros.
Após mostrar vacinação completa e teste de covid, entra-se no campus da conferência, um espaço aberto com tendas enormes cobrindo stands de startups de software com a melhor comunicação visual e brindes para atrair o público sofisticado e focado. Afinal, não é fácil se destacar na meca da tecnologia onde a audiência é composta basicamente por nerds e geeks.
No palco principal, Mark Roberge, co-fundador do fundo Stange 2 Capital, brilhou com uma narrativa rápida e densa sobre otimização de Go-to-Market para PLG, Product-Led Growth, ou em tradução livre, crescimento liderado pelo produto. Ele acredita que o mercado será dominado por PLG, sigla usada em praticamente todas as palestras deste ano. Essa previsão é endossada por Howie Liu, CEO da Airtable, empresa de software baseada na nuvem que oferece uma plataforma online para criar e compartilhar bancos de dados relacionais, avaliada em US$11 bi: “O uso muito simples com boa interface, configuração de dados e capacidade de construir uma plataforma mais sofisticada, complexa e robusta, é o que catapulta seu produto para crescimento exponencial”.
Os 5 maiores erros das empresas que escalam
Outro momento marcante vem com Anu Hariharan, Managing Director da aceleradora Y Combinator, reconhecida mundialmente. Ela metralhou a audiência com os cinco maiores erros das companhias que alcançam a oportunidade de escalar, mas falham. De forma resumida, esses tropeços são:
i) não ter um produto bom o suficiente para ligar a máquina de vendas faz com que a empresa colapse por falta de robustez,
ii) cobrar um valor abaixo do que seu cliente pagaria e levar muito tempo para ajustar o preço de acordo com o real valor entregue,
iii) falta de foco no ICP – ideal customer profile, ou perfil ideal de cliente – e, portanto, pouca eficiência, atrasando o crescimento no seu nicho de mercado,
iv) delegar as primeiras vendas para um time de vendedores quando de fato deve ser feito pelos fundadores até que o produto esteja “se vendendo sozinho”,
v) se manter vivo, o que parece óbvio, mas está longe de ser.
Num mundo onde vivemos bolhas e crises de forma sistemática, é bastante válido lembrar que se manter vivo é uma premissa que não pode ser esquecida: tenha seu Burn Rate equilibrado, só contrate quando for imprescindível e cresça com um bom produto. Ou em português claro: não conte com o investimento de venture capital, você nunca sabe a curva que o mundo vai tomar amanhã.
Histórias inspiradoras
No meio de tanta aprendizagem, o que eu levo como maior lição é a história do Hubspot contado por Jason Lemkin, fundador da SaaStr, empreendedor e ex-aluno de Harvard e Stanford: “O objetivo número um aqui é compartilhar os erros e o sucesso que temos em nossas empresas. O que mais aprendi em minhas conversas foi com os fundadores do Hubspot, o CTO, Dharmesh Shah, e o Chairman, Bill Halligan, sobre como eles quebraram as regras, seguiram o que acreditaram e entregaram valor onde ninguém ainda tinha conseguido”.
De fato, a história do Hubspot inspira qualquer empreendedor que sonha em materializar sua visão com persistência e maleabilidade. Eles não tinham ARR – annual recurring revenue, ou receita recorrente anual -, mas eles sabiam o que estavam fazendo e apostaram. Além disso, a segunda regra que quebraram foi a de não lançar vários produtos como muitas pessoas dizem que você deve fazer. Eles focaram na plataforma de CRM para SMBs e, ao longo de 10 anos, abocanharam um mercado subjugado pelos grandes softwares como Oracle e Salesforce. O Hubspot é listado na NYSE, bolsa de valores de Nova Iorque, com valor de mercado de US$14,5 bi.
Quem se deixa distrair pelos lounges, brindes e brilhos, se perde no meio de tantas oportunidades. Quem foca, escolhe, prioriza e sabe o que quer levar da SaaStr, sai mais energizado e fervilhante do que entrou. Se as predições estão corretas, só o futuro irá dizer, mas os aprendizados compartilhados com os papas de SaaS, esses já podem ser implementados no presente.
Iona Szkurnik é fundadora e CEO da Education Journey, tem mestrado em Educação e Tecnologia pela Universidade de Stanford, é cofundadora da Brazil at Silicon Valley, fellow da Fundação Lemann e ganhadora do prêmio Start-Ed de Empreendedorismo em Educação e Tecnologia da fundação
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