No Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Nordeste (CEPENE), em Tamandaré, Pernambuco, a importância da preservação de corais é quase tangível. A cidade de 24 mil habitantes, onde a maioria da população depende de atividades relacionadas ao mar, representa a possibilidade da conscientização ambiental em prol da sobrevivência.
“Quando chegamos aqui [em Tamandaré] no início dos anos 1990, praticamente não existiam corais vivos. A queima de corais para extração de cal era comum até os anos 1970. Nós também víamos muitos corais expostos para venda”, relembra Mauro Maida, oceanógrafo e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
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Quase dez anos depois, em 1999, o Departamento de Oceanografia da UFPE conseguiu tirar do papel a elaboração de uma unidade de conservação fechada. “Com o apoio do Grupo Boticário, que começou em 1995, recebemos o suporte financeiro necessário para criar a Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais (APACC). Assim, finalmente, conseguimos engajar a comunidade local e contratar pescadores, o que foi essencial para o sucesso da iniciativa”, relata Mauro.
Programas relacionados à conservação de corais se destacam na costa nordestina, pois essas comunidades de animais e algas habitam exclusivamente na região, em uma estreita faixa de 3.000 km, do Maranhão ao sul da Bahia. E, mesmo ocupando apenas 0,1% do oceano global, os corais são essenciais para a vida marinha. 25% das espécies vive, ou passa parte do ciclo de vida, nos recifes.
Branqueamento de Corais
No entanto, entre o fim de 2023 e meados de 2024, 90% dos corais brasileiros foram afetados pelas mudanças climáticas. A devastação aconteceu durante a quarta onda de branqueamento de corais, fenômeno em que o aquecimento da água, causado pelas mudanças climáticas, impossibilita a sobrevivência dos animais — sim, por mais surpreendente que pareça, os corais fazem parte do reino animal.
“O ecossistema de recifes de corais é o mais ameaçado do mundo, justamente por ser muito sensível a qualquer mudança climática. Enquanto a temperatura atmosférica sofre com variações drásticas, a temperatura do mar é estável. Por isso, quando a água esquenta mais do que deveria, o fenômeno de branqueamento de corais começa. É um período em que as espécies ficam extremamente fragilizadas”, explica Janaína Bumbeer, bióloga, doutora em Ecologia e Conservação Marinha e gerente de projetos da Fundação Grupo Boticário.
R$ 160 Bilhões em Proteção Costeira
O impacto financeiro da preservação de corais é estimado em R$ 160 bilhões, de acordo com um estudo inédito realizado pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. O cálculo foi baseado nos valores de indústrias, portos, comércios e domicílios localizados nos municípios que possuem uma área significativa de recifes de corais, que atuam como uma “barreira de proteção” natural contra ressacas, tempestades, impacto de ondas, inundações e furacões.
“Fizemos projeções de quais áreas e estruturas públicas e privadas seriam afetadas pela maré e outros eventos. Ao longo de toda a costa, a estimativa é de R$ 160 bilhões. E o valor pode subir de acordo com os desastres causados pelas mudanças climáticas.”
Para além das catástrofes impedidas, os corais absorvem gás carbônico da atmosfera, dão suporte à produção primária e ao ciclo de nutrientes marinhos e são responsáveis por aproximadamente 30 milhões de empregos — da pesca ao turismo.
Severino Ramos dos Santos, pescador há pelo menos trinta anos, é um dos trabalhadores locais que atua no CEPENE. Chamado de “jangadeiro”, ele transporta os pesquisadores e visitantes até os recifes de corais de Tamandaré em um pequeno barco.
Severino diz que entende a importância do projeto pois “sem ele, os peixes vão embora”. “Antigamente, os peixes estavam por todo lado, agora, nem tanto. Alguns a gente nem vê mais por aqui.”
Inseminação Artificial e Turismo Regenerativo: a Proteção na Prática
O CEPENE é sede de inúmeras iniciativas de pesquisa de alunos, mestrandos e doutorandos de instituições de ensino nacionais. O ReefBank, projeto de inseminação artificial de corais, por exemplo, nasceu na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e encontrou abrigo por lá.
Idealizado e coordenado por Leandro Godoy, professor da UFRGS, o ReefBank une alunos de diferentes cursos, da Zootecnia à Engenharia de Pesca, em prol da reprodução assistida de corais.
“O que fazemos aqui com os corais é o que clínicas de reprodução humana fazem com casais que têm problema de fertilidade. Só existem quatro grupos de pesquisa no mundo que trabalham com essa biotecnologia”, afirma Leandro.
O primeiro protocolo de congelamento de sêmen de corais, método que foi essencial para o êxito “dos primeiros corais nascidos de inseminação artificial”, foi desenvolvido pelo grupo de cientistas brasileiros.
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Por outro lado, a Biofábrica de Corais inicia sua jornada pelo último estágio de vida do animal. O projeto coleta no fundo do mar fragmentos de corais adoecidos e que se desprenderam dos recifes para tratá-los. Turistas e moradores podem participar da experiência. Para começar, os voluntários colam pequenas partes do coral enfermo em um disco (impresso em 3D), enquanto isso, colaboradores da organização registram dados sobre os novos “filhotes”, que serão transferidos para uma mesa feita de tubos reciclados, carinhosamente apelidada de “berçário”.
Após alguns meses de recuperação, os animais são transplantados para áreas degradadas, dando início a um novo ciclo de reprodução. O turismo regenerativo proposto pela BioFábrica ganhou o apoio de instituições como a WWF Brasil, o Grupo Boticário e o PoloTec da UFPE.
“Nós acreditamos que a participação da sociedade em prol da natureza pode trazer bons frutos. Além das atividades práticas, nosso trabalho é de conscientização “, comenta María Gabriela Moreno, coordenadora de operações da Biofábrica de Corais.
Investimento, Conscientização e Reparação: o Tripé dos Corais
O trabalho de preservação dos corais brasileiros é um tanto ingrato. Anos de dedicação são destruídos em poucos meses. Todavia, isso não desanima os guardiões da biodiversidade marinha.
“O que te dá esperança?”, perguntou Maya Santoro, bióloga e influenciadora, a Leonardo Messias, oceanógrafo e coordenador do Centro de Pesquisa Marinha do Nordeste (CEPENE). A resposta é curta, mas carrega a profundidade do oceano: “A necessidade de viver em um mundo melhor.”