
Nascido em São Paulo e criado em Belo Horizonte, Mat Velloso não teve uma trajetória linear ou tradicional. O executivo, formado pela Faculdade de Administração de Brasília, deu o pontapé em sua carreira internacional aos 30 anos, quando decidiu abrir mão de um negócio em ascensão no Brasil para suprir o desejo de “conhecer o mundo”.
“Minha empresa [em BH] estava indo bem, eu tinha 100 funcionários. Porém, chegando aos 30 anos, pensei: ‘olha, ou eu faço isso para o resto da minha vida ou eu vou conhecer o mundo’. Então, eu vendi tudo o que tinha e fui para Nova Zelândia”, conta Velloso, que optou pelo país por sua cultura e casos exemplares, como a igualdade de gênero.
Programador por natureza, Mat deixou seu empreendimento em tecnologia no Brasil para começar do zero no país do Atlântico, onde as portas da Microsoft se abriram pela primeira vez. “Não conhecia ninguém lá — a ideia era começar do zero. E comecei. Prestava serviços de consultoria para a Microsoft, que, posteriormente, me convidou para entrar como funcionário.”
Durante os 15 anos em que trabalhou na companhia fundada por Bill Gates, o brasileiro trabalhou diretamente com Satya Nadella, atual CEO da Big Tech. “Me tornei conselheiro dele por quatro anos. Tive a oportunidade de estar entre as 20 primeiras pessoas a ver o nascimento do GPT [ChatGPT]. Estávamos tentando entender o que faríamos com aquilo”, relembra o executivo.
A migração para o Google se deu de forma natural. Mais uma vez, em busca de novidades, Velloso entendeu que seu tempo na Microsoft havia terminado. “Fui muito transparente com o Satya. Disse: ‘Agradeço por tudo, mas quero estar na vanguarda [da IA] — e a empresa não vai me levar até lá.’ Foi então que o Google me procurou. Tive conversas com o Sundar [Pichai, CEO da companhia], e eles me convidaram para trabalhar diretamente com programadores e desenvolvedores. Eles acreditam que terão os melhores modelos — e com razão. O Demis Hassabis, chefe do meu chefe, acabou de ganhar um Prêmio Nobel de Química. É um time espetacular.”
Em entrevista à Forbes Brasil durante o Google Cloud Next 2025, Mat Velloso compartilha detalhes de sua jornada, o momento da IA para os negócios globais, os dilemas da tecnologia e o impacto (cada vez maior) das ferramentas no cotidiano. Confira:
Forbes Brasil: Você é formado em administração de empresas mas trabalhou majoritariamente com tecnologia. Como sua relação com tech começou?
Mat Velloso: “Eu comecei a programar computadores com 9 anos de idade. Quando tinha 12, em Belo Horizonte, eu pegava um ônibus por uma hora para assistir às aulas de programação para adultos, porque não havia turmas para crianças.
Mais tarde, abri uma empresa no Brasil com amigos e começamos a prestar consultoria para empresas como Vale do Rio Doce, Banco Mercantil e Correios. Nessa época, eu já tinha largado a faculdade de Ciência da Computação duas vezes. Foi aí que percebi que, como estava administrando uma empresa, o que eu realmente precisava era aprender a gerenciar o negócio. Então, decidi fazer Administração.
Minha empresa [em BH] estava indo bem, eu tinha 100 funcionários. Porém, chegando aos 30 anos, pensei: ‘olha, ou eu faço isso para o resto da minha vida ou eu vou conhecer o mundo’. Então, eu vendi tudo o que tinha e fui para Nova Zelândia, o país mais diferente que consegui imaginar. É o menos corrupto do mundo, onde as mulheres conquistaram o direito ao voto antes de qualquer outro país. Não conhecia ninguém lá — a ideia era começar do zero. E comecei. Liderava um time de consultoria e, depois de pouco mais de um ano, a Microsoft me convidou para entrar como funcionário.
Anos depois, quando vim para os Estados Unidos, a própria Microsoft financiou meu mestrado em Ciência da Computação. Passei 15 anos na empresa. Trabalhei diretamente com Satya Nadella e me tornei conselheiro dele por quatro anos. Tive a oportunidade de estar entre as 20 primeiras pessoas da empresa a ver o nascimento do GPT. Estávamos tentando entender o que faríamos com aquilo.”
FB: Como se deu a transição para o Google?
MV: “Com o tempo, comecei a me frustrar. A Microsoft não cria IA, ela terceiriza. Eu não queria trabalhar em uma empresa que esperava outra empresa entregar um modelo para então fazer algo. Queria estar à frente da curva.
Fui muito transparente com o Satya. Disse: ‘Agradeço por tudo, mas quero estar na vanguarda — e essa empresa não vai me levar até lá.’ Foi então que o Google me procurou. Tive conversas com o Sundar, e eles disseram: ‘Você passou a carreira trabalhando com programadores, venha para cá. Queremos construir algo para desenvolvedores.’
Eles acreditam que terão os melhores modelos — e com razão. O Demis Hassabis, chefe do meu chefe, acabou de ganhar um Prêmio Nobel de Química. Eu programo computadores há 40 anos e eu nunca estive tão excitado por essa área igual eu estou agora.”
FB: Como os aprendizados com o empreendedorismo no Brasil influenciam sua liderança atualmente?
MV: “Quando penso em liderança, especialmente nas grandes empresas de tecnologia — como Microsoft, Google, Meta — eu realmente acredito que todo mundo deveria passar um tempo trabalhando em uma startup. Porque, numa startup, se você erra, você morre. Não tem espaço para erro. Você precisa validar suas ideias o tempo todo.
A cultura que aprendi com os líderes de produto mais bem-sucedidos é: formule hipóteses e teste. Aplique o método científico. Todos nós temos ideias — e muitas vezes elas são ruins. E numa startup, você não pode se apegar a uma ideia ruim por três anos, porque ela vai te levar à falência.
Então a pergunta é: como posso testar essa ideia o mais rápido possível, eliminar as que não têm boas hipóteses e seguir em frente com as que têm? Acho que isso foi fundamental para o que deu certo na minha trajetória.
No Brasil, isso é duas vezes mais verdadeiro. Uma empresa brasileira não tem o luxo de sustentar uma ideia ruim por anos. Ela simplesmente não sobrevive.”
FB: O Google DeepMind é responsável pelos principais produtos de IA da companhia, como o AI Studio. Como vocês trabalham para proteger os direitos autorais e copywriting?
MV: “Primeiro, vale dizer que eu sou músico — e por muito pouco não segui essa carreira. Fiz 20 anos de piano clássico. Meu irmão mais novo é doutor em música e professor da Universidade Federal de Minas Gerais. Venho de uma família profundamente conectada com a arte.
Dito isso, quero deixar claro que eu não entrei nessa profissão para substituir seres humanos. Muito pelo contrário. O que me encanta no software é a capacidade de gerar valor econômico. A ideia de substituir o ser humano não tem graça nenhuma pra mim. O ser humano é único.
O que vejo, inclusive com meu próprio irmão, é que músicos têm usado essas ferramentas para aumentar sua produtividade e acelerar o processo criativo. Quando a calculadora surgiu, ninguém processou quem a inventou por violação de copyright dos números.
Agora, falando especificamente sobre proteção de direitos autorais, não vou entrar em detalhes técnicos, mas posso dizer que vocês não fazem ideia da quantidade de verificações e checagens que realizamos. Temos times legais, de segurança e especialistas em leis de diferentes países. Enfim, é um processo extremamente cuidadoso. E ninguém no meu time tenta burlar isso. Muito pelo contrário — levamos isso muito a sério.
Essas ferramentas apenas aceleram a produtividade. Mas não têm — e nem devem ter — o papel de substituir o ser humano. Essa nunca foi, nem será, a nossa intenção.”

Imagem gerada pelo Imagen 3, plataforma de geração de imagens com IA do Google DeepMind.
FB: O DeepMind também abrange o AlphaFold, plataforma responsável pelo Prêmio Nobel do Demis Hassabis. Na sua perspectiva, como a IA profunda vai impactar o desenvolvimento científico?
MV: “Olha, sem querer colocar palavras na boca do Demis, mas se você perguntar para ele o que mais o entusiasma, eu diria que é justamente isso: como a inteligência artificial pode acelerar o progresso científico. É claramente onde está a paixão dele.
O fato de ele ter ganhado um Prêmio Nobel já é um sinal — e eu não duvido nada que, em alguns anos, a maioria dos prêmios venham de descobertas impulsionadas por IA. Vai ser como aconteceu com o xadrez: hoje em dia, a IA vence qualquer ser humano. No caso da ciência, a IA não vai “ganhar” do cientista, mas vai ser essencial para avançar mais rápido. Quem não usar IA, não vai conseguir acompanhar o ritmo. Simplesmente porque a IA digere informação numa velocidade que não tem comparação. Vai ser uma mudança inevitável — e transformadora.
FB: Ao mesmo tempo que a IA pode trazer soluções transformadoras, ela também representa um grande desafio para a sustentabilidade global. Como o Google atua para mitigar esse consumo de água e energia?
MV: “Essa é uma das grandes questões, sim. E, basicamente, tudo se resume a duas perguntas: quão inteligente é o modelo — e o quão barato ele é em termos de recursos. E, nesse sentido, os modelos mais eficientes do ponto de vista energético são, de longe, os do Google.
A quantidade de GPUs que ele precisa para alcançar determinado nível de inteligência é muito menor do que o necessário em outros modelos.
Quando a gente fala de meio ambiente, é aí que está a diferença. Um modelo eficiente pode rodar com uma fração da energia — enquanto outros precisam de um caminhão de eletricidade para entregar o mesmo resultado.”
FB: Do ponto de vista de negócios, como as empresas podem extrair valor da IA?
MV: “Eu gosto de explicar isso com uma analogia. ‘Eu vou reformar a minha casa e comprei uma ferramenta nova, super bacana, que acabou de sair no mercado. A tentação é sair procurando onde eu posso usar essa ferramenta. Mas, se eu fizer isso, o resultado final será completamente aleatório.’
O outro jeito de pensar é: ‘Quero reformar minha casa. O que eu quero com isso? Aumentar a metragem? Modernizar os cômodos? Criar um quarto para os filhos?’ Ou seja, primeiro você define o problema. Depois, escolhe as ferramentas necessárias para atingir aquele objetivo. Uma delas pode ser essa ferramenta nova incrível, mas outras serão ferramentas antigas também. A diferença é que agora você tem um plano — sabe onde quer chegar. E o resultado tende a ser muito melhor.
Acho que, quando o assunto é IA, muita gente faz o contrário: começa pela ferramenta sem pensar no problema. Meu conselho é: esqueça a IA por um momento. Primeiro, faça uma lista das maiores dores da sua empresa. Pense grande — parta do princípio de que, com IA, mágica é possível.
E eu prometo: não existe empresa hoje que não tenha um milhão de processos manuais que não poderiam ser acelerados com IA.”
FB: Como você disse, “mágica é possível”. Partindo dessa afirmação, quais são os limites da IA? Seja de forma ética ou tecnológica.
MV: “Em relação aos limites éticos, pra mim isso é inegociável. Se alguém me pedir para fazer algo antiético, eu simplesmente pediria demissão. E eu tenho certeza de que meu time inteiro sente o mesmo. Isso não tem nem discussão.
Mas, ao mesmo tempo, acredito que empresas de tecnologia não deveriam ser as responsáveis por decidir o que é certo ou errado. Isso sempre me pareceu estranho. Quem deve fazer isso são os legisladores. São eles que criam as leis que definem o que é permitido ou não — e cabe a nós obedecer a essas leis.
Agora, deixando a parte ética de lado e olhando para os limites tecnológicos, a verdade é que a gente ainda está só no começo de uma progressão exponencial. E muita gente ainda não percebeu essa mudança porque ela vai se acelerar muito nos próximos anos.
Tem um exemplo que gosto de usar: imagine que você está em um estádio de futebol e tem uma gota d’água. A cada minuto, o volume dessa água dobra. Nos últimos minutos, o estádio ainda parece meio vazio, de repente, ele enche completamente. É assim que a IA está evoluindo. Parece lento no início, mas o crescimento é exponencial, e quando a gente perceber, tudo vai ter mudado.
Hoje, por exemplo, estamos trabalhando com um protocolo chamado MCP, que está virando padrão no mercado para que agentes de IA conversem entre si. Em algum momento, esses modelos vão criar suas próprias linguagens. Vão começar a se comunicar entre eles de formas que a gente talvez nem compreenda. E isso já está começando a ser estudado. Por enquanto, usamos os protocolos que nós mesmos criamos. Mas o limite? Ele ainda nem apareceu no horizonte.”