A tecnologia está revolucionando o agronegócio. Com a proposta de otimizar a produção por área utilizada, o movimento Agro 4.0 consiste em levar conectividade, métodos de precisão e inovação tecnológica ao campo. Os novos aparatos e sistemas buscam solucionar o dilema de “como produzir mais, diante das demandas crescentes da sociedade por alimentos, com menos impacto no ambiente, que quase sempre se traduz por menor área”, como explica Ricardo Santos, professor da Faculdade de Computação da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (Facom/UFMS) e pesquisador da frente multidisciplinar “agro + tech”.
Entre as novidades do mercado, o profissional comenta: “A utilização de energia solar para a produção rural mostra-se com excelente custo-benefício, assim como a disponibilidade de redes de comunicação de dados que permitem desde a ‘construção’ de redes de sensores nas propriedades rurais até o acesso à internet”.
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A relação do produtor com o próprio trabalho tem sido repensada pelas startups. Hoje, se um agricultor precisa de uma análise técnica com base em uma vista aérea de suas plantações, ele pode recorrer à Verde Drone, “uber dos drones”, que o conecta ao piloto mais próximo. Ou, se necessita da opinião de um agrônomo para uma tomada de decisão técnica, pode acessar a plataforma ManejeBem, que disponibiliza um chat com especialistas. Esta, inclusive, já apresenta cases como o da Ambev, que tem cerveja feita de mandioca comprada de produtores familiares auxiliados pela tecnologia.
No último ano, as agtechs cresceram em número e amadureceram seu produto e modelo de negócio. O estudo Radar AgTech Brasil 2019, elaborado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), junto da SP Ventures e da Homo Ludens Research and Consulting, identificou 1.125 startups. Em 2018, o número era de 338.
Com relação aos investimentos no setor, o documento apresentou certa timidez do mercado, em comparação a outras categorias. Em 2017, a Associação para Investimento de Capital Privado na América Latina registrou 113 aportes financeiros em startups da região, no valor de US$ 859 milhões. Desse número, apenas 14 investimentos, avaliados em US$ 20 milhões, foram direcionados a agtechs. No ano seguinte, o cenário apresentou melhora, com US$ 1,3 bilhão em 259 aplicações, e as jovens empresas do agronegócio receberam US$ 80 milhões em 20 aportes.
A boa notícia é que o solo brasileiro apresenta indícios de maior fertilidade para o investidor. O estudo da Embrapa verificou que mais de 75% dos investimentos entre 2017 e 2018 foram feitos em estágio inicial. Por outro lado, mais de 85% do capital injetado foi destinado a agtechs em estágio avançado. Segundo a Embrapa, isso sugere que o mercado está amadurecendo, e as startups estão se formando para rodadas maiores, encorajando cada vez mais investidores.
Em 2019, dois aportes emblemáticos foram o investimento de R$ 4 milhões na Agronow, criadora de um sistema online de monitoramento de lavoura, tendo o BTG Pactual como principal investidora, e o de R$ 22 milhões na plataforma de agricultura digital Agrosmart, feito pelo Inovabra Fund, do Bradesco, e pelo braço de venture capital corporativo da Positivo. Já neste ano, uma aplicação de US$ 40 milhões na Solinftec, que criou um sistema de automatização da agricultura e já recebeu outros investimentos estrangeiros, chamou a atenção do mercado. O aporte foi liderado pela empresa de investimento Unbox Capital, cujos principais investidores são da família Trajano, do Magazine Luiza.
Segundo o especialista em agronegócio do fundo de investimentos KPTL, Bruno Profeta, as três exigências do mercado para apostar nas companhias são produtividade, qualidade e rastreabilidade. “Existe uma demanda e preocupação cada vez mais forte sobre o uso mais consciente da terra e a preservação de biomas locais”, explica. “A qualidade final dos alimentos e o cuidado crescente com o uso de insumos agrícolas têm um peso cada vez maior na decisão do consumidor. Por isso, a rastreabilidade também está associada à demanda por responsabilidade socioambiental e segurança de toda a cadeia do agronegócio.” Uma das startups investidas pela KPTL é a Agrotools, que permite ao agricultor endereçar a origem dos produtos.
Agora, com a formação do segmento, a meta é tornar a tecnologia acessível para todos. “Grandes produtores estão cada vez mais tecnificados, mas, para fazer valer a afirmativa de que o Brasil é o celeiro do mundo, precisamos investir no pequeno e no médio”, diz Leonardo Dias, CEO do fundo de investimentos NovoAgro Ventures. “O Agro 4.0 é um caminho sem volta.”
A Câmara Brasil-Israel de Comércio e Indústria (Bril Chamber) organizou na última semana de novembro um seminário virtual entre dez startups israelenses, autoridades (como o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e o vice-presidente brasileiro Hamilton Mourão) e empresários ligados direta ou indiretamente ao setor (como Denis Benchimol Minev, da Fundação Amazonas Sustentável; Candido Bracher, do Itaú Unibanco; David Feffer, da Suzano; e Miguel Krigsner, do Boticário) para troca de informações (“inclusive sobre questões ambientais”) e tecnologia. “Abrimos no dia 10 de novembro uma regional no Mato Grosso, que é o grande celeiro do Brasil, para incrementar o intercâmbio entre os produtores da região e as tecnologias israelenses voltadas à agropecuária”, diz Renato Ochman, mestre em direito comercial e presidente da entidade. Ele lembra que, antes de ser fortemente associado a tecnologias inovadoras, como é hoje, Israel era considerado um país agrícola – hoje o país é capaz de unir os dois skills como poucos no mundo.
Um exemplo disso é a SeeTree, fundada em 2017, sediada em Tel Aviv, com escritórios na Califórnia e no Brasil e que tem entre seus investidores Uri Levine, cofundador do Waze. A proposta da startup é o monitoramento constante de plantações permanentes, principalmente as de cítricos. Por meio de drones e inteligência artificial, a SeeTree monitora a saúde de cada árvore, identificando doenças e propondo soluções antes que o problema se alastre.
Ochman conclui: “Nós estamos focando na tecnologia aplicada aos negócios, mas sem esquecer o aspecto ambiental e também o social. É a economia 5.0”.
Reportagem publicada na edição 82, lançada em dezembro de 2020
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