Não é de hoje que a agropecuária é alvo de controvérsias, mas é inegável que os tempos atuais favorecem a proliferação de mitos, preconceitos e ideias equivocadas em torno de vários elos dessa cadeia. As grandes distâncias entre a indústria e os consumidores são um dos fatores que contribuem para a falta de comunicação entre campo e cidade. É o que aponta o agrônomo e político brasileiro Xico Graziano, que chegou a ser cotado para o Ministério do Meio Ambiente e coescreveu o livro “Agricultura – Fatos e Mitos”, lançado em junho de 2020.
Um exemplo dado pelo especialista é o mito de que o agronegócio se opõe à agricultura familiar, “quando, na verdade, os familiares precisam entrar no mundo dos agronegócios para progredir”. O argumento da abrangência do setor pode ser analisado de acordo com o Censo Agropecuário de 2017, que identificou mais de 5 milhões de estabelecimentos agropecuários.
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Uma parcela dos mitos e fake news surge no contexto de crescimento da discussão acerca da agenda ambientalista, com pautas sobre alimentos orgânicos, veganismo, efeito estufa e desmatamento. “Acredita-se que produtores rurais e fazendeiros só pensam no próprio lucro e são inimigos do meio ambiente, mas eles não são”, afirma o pesquisador e jornalista Nicholas Vital, que comenta sobre a agricultura do ponto de vista da ciência no podcast Eu Como.
Para justificar seu argumento, o pesquisador destaca que o Código Florestal do Brasil é um dos mais rígidos do mundo, exigindo que 80% das propriedades na Amazônia sejam preservadas, por exemplo. “O produtor rural é obrigado a preservar as reservas nativas dentro de suas propriedades. Ele tem que se preocupar com o meio ambiente. Afinal, se ele devastar as terras, não haverá onde produzir no ano seguinte”, diz ele.
Neste ano, as queimadas no Pantanal atingiram seu pior número na história, com 14% do bioma devastado apenas no mês de setembro, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Graziano ressalta que é o desmatamento ilegal que deve ser combatido, pois existem terras apropriadas para o desenvolvimento da agropecuária sem impacto no meio ambiente. “O Brasil tem um estoque de cerca de 10 milhões de hectares com elevada aptidão agrícola, principalmente no bioma Cerrado, que poderia ser incorporado ao sistema produtivo, dentro das normas do Código Florestal. Tal acréscimo à fronteira agrícola não causaria impacto significativo à biodiversidade nem à proteção de recursos hídricos, pois representa menos de 2% das áreas florestadas do país”, explica.
Segundo Davi José Bungenstab, pesquisador da Embrapa Gado de Corte, o desmatamento não está ligado diretamente ao agronegócio. “O produtor rural desmata a floresta para valorizar sua propriedade, pois ninguém paga para ele preservá-la”, diz. “Esse é o problema. A agropecuária é apenas a finalidade que ele dá à terra, que poderiam ser diversas outras.”
Quando se trata da pecuária, uma das principais preocupações de ambientalistas é a taxa de emissão de gases de efeito estufa. Bungenstab explica: “A pecuária produz uma proteína de altíssimo valor biológico e usa uma matéria-prima que seria inutilizada. As pessoas veem o valor do metano, mas não veem essa conversão. O bagaço da cana-de-açúcar, que vira etanol, é usado para alimentar o gado. Se não fosse por isso, ele seria queimado e emitiria gases da mesma forma”. O pesquisador, que também é doutor em ciências agrárias e meio ambiente pela Universidade Humboldt de Berlim, destaca uma iniciativa da Embrapa: a marca-conceito Carne Carbono Neutro, que visa atestar produtos bovinos produzidos em sistemas de plantação de fileiras de árvores, principalmente eucaliptos, em meio aos pastos. “As árvores sequestram o carbono equivalente à emissão de metano feita pelo gado, zerando-a e até tornando-a positiva”, afirma.
O consumo de água pelo setor também tem gerado controvérsia. De um lado, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) diz que, pela média anual de 2018, a irrigação é responsável pelo consumo de 66,1% do líquido e a pecuária, de 11,6%. Graziano levanta outra perspectiva, que é a do desperdício: “Criou-se um mito de que a agricultura gasta muita água, quando, na verdade, os animais e as plantas a utilizam em seus ciclos biológicos de crescimento. A cidade é quem realmente gasta água, poluindo-a nos esgotos”. Segundo o relatório da ANA, em 2018, o abastecimento urbano foi responsável pelo consumo de 9,1% da água.
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Com o boom de produtos orgânicos, os agrotóxicos também entram em pauta. “A maior mentira é aquela que afirma que a população está sendo envenenada pelos agrotóxicos, quando as análises oficiais da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e outros órgãos não demonstram isso”, diz Graziano.
Vital, que é autor do livro “Agradeça aos Agrotóxicos por Estar Vivo”, explica os bastidores do cenário competitivo entre o mercado de orgânicos e o convencional. “Não deveria existir richa, pois eles são complementares. O orgânico faz parte da cadeia do agronegócio. Perante a ciência, os alimentos de ambos os métodos são iguais. Pesquisas provam que orgânicos não são mais saudáveis nem têm mais nutrientes.”
O pesquisador explica que há uma dose recomendada para os defensivos agrícolas. Quando utilizado na quantia correta, o pesticida se decompõe e é eliminado da planta. Um dado que comprova esse fato é apresentado pelo relatório de 2017-2018 do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos, da Anvisa. O estudo analisou 4.616 amostras de 14 alimentos de origem vegetal representativos da dieta da população brasileira, entre frutas, legumes e verduras. Do todo, 77% foram considerados satisfatórios quanto aos agrotóxicos pesquisados, sendo que 49% das amostras nem sequer apresentaram resíduos. Substâncias com concentrações superiores ao Limite Máximo de Resíduos (LMR), estabelecido pela agência, foram detectadas em 23% dos alimentos analisados. “Não sou um defensor do agrotóxico. Existe, sim, uso incorreto no Brasil. Fiz um livro apenas para mostrar o outro lado da história”, acrescenta Vital.
Com a pandemia do novo coronavírus, a carne também se tornou centro das atenções pela possibilidade de portar o agente infeccioso. Nos últimos meses, a China informou ter detectado a presença do vírus em produtos de origem animal vindos do Brasil, da Bolívia, Argentina e Nova Zelândia. Essa informação trouxe à tona o boato da disseminação de doenças nos alimentos. A professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) Thelma Lucchese-Cheung, especialista em consumo, declara: “Há um sistema de produção controlado. Os produtos recebem todo tipo de fiscalização própria à produção de qualquer proteína animal destinada ao consumo humano”.
“O agronegócio não é uma maravilha, mas não é a pior desgraça do Brasil, como pintam por aí. Ele representa mais de 20% do PIB, gera empregos e estimula a economia local”, analisa Vital. “Os mitos vêm dos preconceitos, que surgem através da desinformação. É importante mostrar o outro lado para que as pessoas tirem as próprias conclusões.”
Reportagem publicada na edição 82, lançada em dezembro de 2020
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