Nesses tempos de pandemia, quem quer ficar em casa, fica; quem não quer, pode usar os espaços envidraçados do hub Agtech Garage, instalada no PTP de Piracicaba (Parque Tecnológico Engenheiro Emílio Bruno Germek), inaugurado em 2012 no interior paulista, a 160 quilômetros da capital, onde hoje funciona o maior complexo brasileiro de startups do agro e um dos maiores do mundo no setor. Se a forma híbrida de trabalho já vale para empresas, na Agtech Garage ela é regra e segue o baile. O burburinho e o frenesi das ideias fervilhantes continuam intensos e crescentes além da conta, justamente pela nova realidade acelerada trazida pela Covid-19 e, mais do que nunca, por este ser um tempo desafiador.
É isso que vivencia todos os dias o engenheiro químico José Augusto Tomé, 37 anos, que em 2019 levou a Agtech Garage para o PTP. Hoje, ela reúne cerca de 800 startups na sua comunidade virtual e 50 empresas parceiras. “A gente tinha 20 corporate partners no final de 2019. Fomos para 40 em 2020 e agora, só no primeiro trimestre, ganhamos dez”, diz Tomé. Entre elas estão empresas do porte da Bunge, Trimble e FMC.
LEIA TAMBÉM: Quem diria, travestida de embalagem, a mandioca está cada vez mais em alta
Tomé recebeu a Forbes para falar sobre os atuais saltos tecnológicos das startups do agro, quais os caminhos futuros que mais têm carreado esforços da pesquisa de campo para entender o produtor e qual movimento a Agtech Garage está iniciando, justamente para incluí-los nos grupos de inovação. O esforço é para fazer com que agricultores e pecuaristas entrem nos sistemas de troca de inteligências e participem do desenvolvimento de tecnologias. Confira:
Forbes: Para esse novo momento, de busca de resultados que justifiquem investimentos, o que vale no universo das startups: mais resultados ou liberdade de ação?
José Tomé: Uma coisa não elimina outra. É necessário buscar robustez, mas a característica da startup é a liberdade. Mas uma startup sempre busca a velocidade, é natural dela. O que a Covid-19 fez foi potencializar muito isso.
F: Quais temas têm sido disruptivos nos últimos anos e que continuarão nos próximos?
JT: Um tema muito quente é a robótica, parte da automação de mão de obra. É o tal do “não quero mais lidar com 20 pessoas”.
F: Que demanda por automação é essa?
JT: O que mais temos visto são questões de operação de campo: preparo, plantio, etc. Acho que essa parte pega muito, mas tem coisas simples também. A gente precisa fazer amostragem e análise, como a análise da soja, que o produtor quer robotizar. E não vai demorar tanto. A Purina fez um desafio, a nós, de um braço mecânico para entrar dentro de um contêiner. Tem um conceito do “robot as a service”. Um exemplo: a pessoa, hoje, possui um drone e precisa ir ao meio do campo, soltar e operar. Aí, ela vê o israelense que usa uma caixa no meio do campo e, em vez de ter uma pessoa operando um drone, esse israelense opera oito drones de uma plataforma que está em São Paulo. Esse é um exemplo de robotização. Há, também, o conceito de “orbit as a service”, algo que depende da órbita, onde aluga-se um espaço em um satélite e isso aumenta muito a velocidade. Imagine imagens em alta resolução e de melhor qualidade, com baixo custo e rápido acesso. Vem aí a indústria da observação da Terra.
F: O que mais está por vir, de imediato, além da robótica?
JT: Nas fintechs de agro a sustentabilidade é cross. O ESG está em tudo. Mas um item que está mais perto de acontecer, e que falamos há algum tempo, é a integração de tecnologias. Antigamente, se falava muito do ponto de vista do produtor, porque integrar era importante para acessar tudo em um lugar. Na verdade, isso abre para uma outra característica que vai ser impactada, que é: à medida que os dados são integrados, gera-se novos modelos de negócio. Hoje, todas as empresas estão buscando por isso. Nos Estados Unidos, a Bayer já tem o outcome business price, o preço baseado no resultado. A integração não é boa só para olhar tudo em uma tela, mas é, também, quando se começa a tomar decisão baseada em dados.
F: Dados na rastreabilidade são quase um mantra no agro desde os anos 1990. O que as startups estão fazendo para acelerar os processos de rastreabilidade e que seja acessível?
JT: Acho que há um grande gargalo, ainda. Porque depende muito da coleta de dados baseada em pessoas. É uma cultura. Há toda a forma de se fazer a rastreabilidade, e o sistema onde a pessoa vai dar o input de um dado, mas muito disso não funciona. O que a startup está fazendo é automatizar a coleta de dados, o input dos dados. Aí o negócio pode ganhar escala, qualidade e repetibilidade.
F: Colocar o produtor de uma outra forma no jogo?
JT: Sim, estamos criando algo novo. A gente abriu as portas do hub, através do For Farmers, para um grupo de produtores de uva, médios e pequenos, do Vale do São Francisco. O modelo deve ganhar força, porque a inovação aberta é mais democrática. Nós vamos anunciar o primeiro grupo montado, mas há vários sendo articulados por temas, região ou mesmo, por exemplo, grupo de mulheres que gostam de tecnologia.
F: Como vai ser o funcionamento desses grupos?
JT: São grupos de 25 produtores, na média, que se inserem em todas as atividades do hub, com acesso às plataformas de startups e a todos os eventos do hub. Os encontros são mensais e começamos a discutir as dores mais simples. Daí, os gestores dos grupos conectam algumas startups que já podem ajudar com essas dores. Também haverá circuito de startups para os produtores de uma determinada região. Esses produtores podem vir sozinhos ou apadrinhados por uma empresa.
F: Qual o custo para o produtor?
JT: Para se associar são R$ 490, por mês. Quando é um corporate, essa participação funciona como uma ferramenta de relacionamento com o cliente. Como nos Estados Unidos que têm algo do tipo “early adopted farmers network”. Isso nasceu da pandemia, da necessidade de criarmos novas formas de relacionamento com o produtor. Precisamos do sentimento de comunidade. Uma relação aberta é mais democrática, com muito mais participação no processo de criação. É um momento de convergência: tecnologia, pessoas e maturidade.
F: Como tem visto o crescimento dos hubs no Brasil? É possível pensar em uma rede nacional integrada?
JT: Sem dúvidas, esse é o nosso plano. Começamos a conversar, tentando discutir uma integração. Porque o modelo de hub está ficando cada vez mais profissional. Por exemplo, temos a figura do gestor de comunidade – hoje são quase dez. E existe startup em Israel criando software para facilitar o trabalho dessa galera. Ou seja, cria-se para o “community manager” o que o salesforce (força de venda) é para o salesman (vendedor). É uma ferramenta que ajuda a monitorar o nível de conexão perfeita e o retorno sobre todo investimento. E os hubs continuam com os seus modelos de negócio e geração de valor. Não é simples fazer essa integração, por exemplo, da minha cultura com um hub que tem outra pegada, porque o meio de financiamento e o propósito são diferentes. As coisas não casam muito bem. Confesso que fizemos alguns exercícios genuínos de “como será que se integra”, sem bagunçar um modelo. Agora, isso ainda é incipiente e, justamente por isso, há muito espaço para pensar no que fazer.
F: Quais seriam os pontos mínimos de conexão?
JT: Temos que entender que isso é um business e parceria deve ser sempre profissional. Não é uma filantropia. E mesmo na filantropia ninguém quer investir em algo que não pare em pé. Conversamos com pessoas dos Estados Unidos que olharam o nosso modelo para replicar no healthcare deles e o que ouvimos foi o seguinte: “a gente até tem recursos para colocar em um primeiro ano, mas vocês criaram um negócio que fica em pé”. Tudo está mudando, até as ONGs estão reavaliando o modelo. As pessoas precisam entender que a competitividade é boa para a startup, para os partners.
F: Qual o ritmo de crescimento das startups no Brasil, em relação ao exterior?
JT: Não acho que seja tão diferente. Mas se compararmos setores, uma fintech cresce mais rápido. Estamos acompanhando e vendo muitas fintechs com um plano agressivo para crescer. Capital para isso tem um monte.
F: De onde esse capital está vindo?
JT: De family office. Estão com dinheiro parado, juros lá embaixo e começando a entender essa cultura do “eu posso investir em coisas diferentes”. Veja que a XP, que popularizou o investimento, montou um fundo para startups. Esse capital também vem de empreendedores que querem estar perto das startups. E há outras modalidades de investimentos, não só o venture capital, mas também o venture debt. Mas qual é a maior dificuldade para aumentar a indústria do investidor anjo no Brasil? Acesso a dealflow. Tenho vários amigos que veem o que estou fazendo e querem investir, mas não é fácil encontrar. Por isso temos os hubs e as plataformas de crowdfunding. Essa indústria ainda vai aumentar muito.
F: Os aportes à Agetch Garage podem ser internacionalizados?
JT: De aporte, aqui, tudo é capital bootstrap. Hoje, a gente está começando a considerar uma captação, internacionalizar para poder acelerar um pouco o crescimento. Consideramos fazer uma rodada. Buscar investidor e compartilhar equity. Há pessoas interessadas. Então, por que não, né? O investidor gosta de coisas que estão dando certo e crescendo. Do ano passado para cá a gente dobrou. O mercado é tão grande que estamos pensamos: “por que não multiplicar por dez, ou até mais”.
Facebook
Twitter
Instagram
YouTube
LinkedIn
Siga Forbes Money no Telegram e tenha acesso a notícias do mercado financeiro em primeira mão
Baixe o app da Forbes Brasil na Play Store e na App Store.
Tenha também a Forbes no Google Notícias.