As exportações de carne bovina brasileira podem bater mais um recorde de vendas neste mês de fevereiro, com a retomada do mercado chinês. A estimativa da Agrifatto, consultoria de mercado comandada por Lygia Pimentel, colunista da Forbes Agro, prevê um volume de cerca de 140 mil toneladas embarcadas, por US$ 800 milhões (R$ 4,1 bilhões na cotação de hoje, 25). Nos últimos cinco anos, em volume, o melhor desempenho ocorreu em 2019, com 138,9 mil toneladas exportadas. Em receita, a mais alta foi a do ano passado: US$ 559,7 milhões (R$ 2,9 bilhões).
A exportação de carne tende a permanecer aquecida, dizem os especialistas, enquanto um maior consumo interno – o brasileiro é um grande apreciador – vai depender do poder de compra da população. O Cicarne (Centro de Inteligência da Carne Bovina), no mais recente documento técnico, elaborado no ano passado, faz uma radiografia sobre o futuro da cadeia.
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O Cicarne é um departamento da Embrapa Gado de Corte, unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, localizada em Campo Grande (MS). Os pesquisadores Guilherme Cunha Malafaia, Elísio Contini, Fernando Rodrigues Teixeira Dias, Rodrigo da Costa Gomes e Ariane Elias Leite de Moraes apontam 10 tendências para os próximos 18 anos. Confira o que eles dizem:
1 – Biológicos à frente no manejo de baixos resíduos
Os produtos biológicos serão a base da sanidade bovina em 2040. A necessidade da redução de resíduos na carne e a dificuldade no desenvolvimento de novas moléculas efetivas no controle de doenças e parasitos, juntamente com o avanço biotecnológico voltado à sanidade, propiciam o declínio de produção e utilização de fármacos alopáticos e o maior avanço na produção de fármacos biológicos. Tais tendências colaboram com a maior aceitação de produtos de origem animal pelos consumidores e diminuem os riscos de embargos comerciais por questões sanitárias, sem contar a diminuição dos riscos de contaminação ambiental por fármacos tradicionais. Cadeia produtiva da carne bovina: contexto e desafios futuros.
2 – Biotecnologia transformando a pecuária e a carne
A sanidade animal e o melhoramento genético serão fortemente impactados pelas biotecnologias. Problemas históricos da atividade serão, se não eliminados, ao menos controlados. Principais doenças e parasitos terão melhores soluções de manejo, o que facilitarão suas prevenções e seus controles. Outra frente importante será a genética de bovinos de corte, com ganhos em termos de resistência animal, produtividade, precocidade e qualidade da carne. Ferramentas de melhoria genética e reprodutiva serão amplamente utilizadas, com destaque à IATF (Inseminação Artificial em Tempo Fixo), TE (Transferência de Embriões), FIV (Fertilização In Vitro) e edição gênica. Os saltos produtivos e de valor da produção de bovinos de corte serão marcantes para a cadeia toda.
3 – Menos pasto, mais carne
Os avanços tecnológicos e a integração com lavoura e floresta irão mudar o patamar tecnológico da pecuária de corte. Esse processo de elevação do nível de gestão e de tecnologia irá ceifar diversos pecuaristas menos preparados do sistema produtivo. Teremos aumento expressivo em área de ILPF(Integração Lavoura-Pecuária-Floresta) paralelamente a uma forte redução nas áreas de pastagem e a um crescimento no número total de cabeças e uma forte redução nas áreas de pastagem, muito mais produtivas. Esse movimento, se bem trabalhado politicamente, melhorará e muito a imagem do setor de bovinocultura de corte no país perante a sociedade brasileira e estrangeira. Teremos maior número de bovinos produzidos, integrados à diversidade produtiva e ao meio ambiente, com menor uso de terras para a atividade.
4 – Lucro apenas com bem-estar animal
Esse será o nome do jogo: bem-estar animal. Produzir respeitando o bem-estar animal ao longo de toda a cadeia será mandatório e nenhum elo poderá ficar de fora. A propriedade, o transporte e o frigorífico serão exigidos a apresentarem certificados de produção com bem-estar animal. A rastreabilidade, impulsionada pela expansão digital e pelos consumidores exigentes, será primordial para aderência do mercado aos produtos pecuários, em que fatores como bem-estar animal, boas práticas produtivas e sustentabilidade serão temas chave para aceitabilidade do mercado, fatores estes que, em contrapartida, eliminarão do mercado aqueles que não se adequarem à nova forma de consumir da população.
5 – Pecuária consolidada com grandes players
Toda a transformação tecnológica, gerencial e empresarial irá cobrar um elevado preço àqueles que não acompanharem a evolução. Será um processo de seleção natural, em que metade dos pecuaristas de corte serão eliminados da atividade se não melhorarem seus padrões produtivos e gerenciais. As exigências produtivas em termos de quantidade, qualidade do produto final e meios de produção provenientes de um consumidor diversificado e exigente refletem em maior necessidade de investimentos e controle da produção, o que limita a atuação do pecuarista extrativista. Uma redução expressiva de produtores é prevista, em que apenas se manterão na pecuária de corte os verdadeiros profissionais do setor.
6 – Frigorífico: mais natural e com maior exigência de qualidade
Os frigoríficos terão que se adaptar a profundas mudanças em seu sistema produtivo e de abastecimento de matéria prima. Para atender um consumidor que exigirá produtos mais naturais, haverá necessidade de aumento das exigências na aquisição de matéria prima provenientes dos pecuaristas, com marcante demanda por avanço na qualidade de carne e exigências por sistemas de manejo sustentáveis, com ampla adoção de produtos biológicos e implementação rigorosa de bem-estar animal em suas propriedades. Tendência forte para atender o mercado externo, essa também será refletida no modo de consumo dos brasileiros, que se tornarão mais conscientes e exigentes quanto à aquisição de produtos cárneos.
7 – Carne com denominação de origem
O fenômeno que já ocorre em produtos mais sofisticados como vinho e queijo chegará cada vez mais forte às carnes. Pecuaristas e frigoríficos irão trabalhar fortemente em termos de diferenciação de cortes e processos produtivos em busca de geração de valor a seus produtos. A carne terá dezenas ou até centenas de denominações de origem, cortes e porcionamentos, para satisfazer consumidores exigentes e em busca de novas experiências gastronômicas. A integração do sistema produtivo com acesso digital ajudará muito nesse processo, o que também possibilitará maior transparência de todo o sistema. Cadeia produtiva da carne bovina: contexto e desafios futuros.
8 – Brasil, mega exportador de carne e genética
Nos próximos vinte anos o Brasil irá ocupar espaço cada vez mais relevante no mercado de carne e de genética bovina. Os avanços oriundos da introdução de biotecnologias e o amplo esforço de toda a cadeia em termos de produção sustentável, bem-estar animal e qualidade de carne criarão a base para tal crescimento. O país se destacará na exportação de genética, de animais vivos para abate, de cortes de carne e de subprodutos, atingindo, tanto mercados emergentes, como sofisticados. Consequentemente, as exportações de carne bovina terão maior expressividade, deixando de representar 20% das vendas de produtos cárneos e podendo atingir um montante maior do total comercializado nesse segmento, mesmo em um cenário de crescimento do consumo interno de carne bovina.
9 – Digital transformando toda a cadeia produtiva
A onda digital irá impactar toda cadeia produtiva da carne bovina. A maior transformação será no processo de distribuição, seja de insumos, gado ou da carne. Parte de intermediários serão ceifados do sistema. A relevância da qualidade e sustentabilidade crescerá via interação digital com o consumidor final. Nas propriedades, a gestão chegará a outro patamar com muita tecnologia embarcada, o que possibilitará eliminação de gargalos da produção. O mesmo fenômeno ocorrerá nos frigoríficos, onde robôs irão mudar a forma de processamento, impactando nos custos, na produtividade industrial e na qualidade do produto final.
10 – Apagão de mão de obra
Uma proporção de 84% da população brasileira já é urbana no Brasil. Essa tendência se acentuará. A forte injeção de automação irá reduzir esse impacto e alterará o perfil de pessoas necessárias na atividade. O maior desafio será qualitativo. Os enormes avanços tecnológicos, como a IoT, a maior complexidade do manejo, na busca de saltos produtivos, como a introdução crescente da ILPF, e o foco em gestão, exigirão profissionais capacitados e raros na pecuária.