A agtech 100% Livre está pronta para mais uma etapa de seu projeto de fazenda vertical instalada na capital paulista desde 2019: agora, ela quer cultivar tomates e morangos. Mas não são quaisquer frutas. O portfólio, que até agora era apenas de folhosos, está em fase de ampliação para colocar no mercado frutos de ciclo mais curto de produção, mais produtivos por área plantada e mais doces. No caso do tomate, depois de um ano de estudos finalizados em parceria com o Centro Nacional de Pesquisa de Hortaliças da Embrapa, unidade com sede em Brasília, a agtech vai começar a produção em escala desse cultivo. Para o morango, a agtech ainda utilizará tecnologia genética importada.
“O mais interessante é que conseguimos adequar a produção, tanto do tomate quanto do morango, na mesma estrutura em que produzimos o alface, sem precisarmos nos reestruturar”, conta Diego Gomes, CEO e sócio-fundador da 100% Livre. “Esse foi o pulo do gato. A única diferença para as outras hortaliças são os nutrientes, temperatura, mas conseguimos dar o equilíbrio perfeito para elas.” Hoje, em duas fazendas verticais, a 100% Livre tem capacidade para produzir até 40 toneladas de alimentos por mês.
LEIA TAMBÉM: Embrapa e 100% Livre pesquisam tomateiros para cultivo em fazenda vertical
O Brasil, campeão em commodities como soja e milho, não é um grande produtor dessas duas frutas. De tomate, é o nono maior produtor mundial, com cerca de 4,1 milhões de toneladas, de acordo com a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). A depender da safra, cai para o nono lugar. Mas, em produtividade, as lavouras do país estão ainda mais distantes dos grandes mercados. Em rendimento médio por metro quadrado cultivado, a produção não passa de 4 kg, enquanto países como os Estados Unidos passam de 10 kg.
Na produção de morango, o país é o 17º no mundo, de acordo com a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação), com 165 mil toneladas da fruta, por safra, longe dos norte-americanos com 1 milhão de toneladas e anos luz atrás da China, com 3 milhões de toneladas.
O potencial de mercado é gigante para as fazendas em ambiente fechado, as chamadas fazendas indoor. A agricultura vertical movimentou US$ 3,6 bilhões em volume de negócios no mundo, segundo estimativa da Fortune Business Insights. O relatório da revista norte-americana avalia que para 2028 o mercado global anual deve chegar a US$ 17,6 bilhões. Não por acaso, no mês passado, a agtech anunciou um aporte de valor não divulgado, realizado pela BMPI Venture, braço de Venture Capital da BMPI Infra, para acelerar a presença da startup no mercado brasileiro e também visando a exportação de cultivos.
De mãos dadas com a Embrapa
A pesquisa da Embrapa, iniciada em julho do ano passado, buscou melhorias para essas duas características: produção e produtividade. No tomate, as pesquisas envolveram cerca de 30 linhas de grape. De morango foram 12 linhas pesquisadas. O cultivo ocorreu em cerca de 10 ambientes, com iluminação e formas nutritivas diferentes. Para o tomate, o desafio era dominar o crescimento indeterminado da planta, que pode ultrapassar os 5 metros de altura, o que inviabiliza o cultivo nas atuais fazendas verticais da empresa.
Surgiu desse trabalho, para o tomate, uma nova variedade ainda sem nome, mas com material genético já registrado no Ministério da Agricultura, de acordo com a LPC (Lei de Proteção de Cultivares). “Depois de juntar famílias diferentes, em busca das características que procurávamos, como tamanho e formato do fruto, planta pequena e produtiva, chegamos a um modelo nosso, do jeito que a gente queria, com crescimento controlado, alta produção e com entrega de fruto precoce e de qualidade e sem nenhum tipo de defensivo”, diz Gomes. “Agora, estamos seguros para escalar, junto com o crescimento da estrutura da fazenda, então vamos começar a reprodução de sementes e iniciar a produção em torres só de tomate”.
LEIA MAIS: Produção de alimentos: 2 grandes tendências que vão ditar o futuro do campo
As pesquisas realizadas no centro da Embrapa Hortaliças foram coordenadas pelo engenheiro agrônomo Leonardo Boiteux, doutor em melhoramento e genética de plantas pela Universidade de Wisconsin, EUA. Para o morango, por enquanto, as mudas comerciais e melhoradas foram importadas do Chile, mas o objetivo é que a Embrapa também faça o mesmo trabalho já realizado com o tomate.
“Vamos produzir mudas comerciais, mas continuamos o estudo para termos uma espécie desenvolvida em nosso laboratório”, afirma Diego. O material genético do morango plantado pela startup atualmente tem grau Brix de 17,7, raro de encontrar no varejo. Explicando: brix significa maior teor de açúcares e sacarose produzidos pela planta. Quanto mais alto o grau, mais doce é o morango. Um grau Brix é igual a um grama de açúcar por 100 gramas da fruta. De acordo com a escala de doçura do morango, utilizada pela Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo), terceiro maior centro atacadista de alimentos do mundo, grau 6 de sólido significa uma fruta pobre, enquanto graus a partir de 16 são classificados como frutas excelentes.
A primeira colheita de tomates e morangos será realizada em 90 dias, prevista para julho. As vendas seguem o fluxo das demais hortaliças e temperos cultivados, como as diversas alfaces, escarola, salsinha, sálvia, manjericão, entre outros. A oferta inicial será direcionada às pessoas que já assinam para recebimento de uma cesta de produtos. Em seguida, a produção vai para os supermercados. Hoje, os produtos da startup são vendidos na Ceagesp e também em redes de varejo como Mambo, Natural da Terra e Hirota. Nessa corrida, Gomes já sinaliza o que vem pela frente. “Em breve teremos experimentos laboratoriais para o cultivo de cânhamo e cannabis para uso medicinal”, diz ele.