Com as mudanças climáticas, obter uma maturação uniforme do cafezal tem sido cada vez mais difícil, o que complica a vida de cafeicultores no Brasil que querem produzir lotes premium com grãos vermelhinhos, os chamados cerejas.
Mas uma pesquisa iniciada pela Universidade Federal de Lavras-MG (Ufla) encontrou uma forma de produzir cafés de qualidade com colheita de até 50% de frutos verdes, algo inimaginável, considerando as práticas tradicionais.
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A técnica permite que cafeicultores não tenham de esperar um amadurecimento mais geral nas lavouras –espera essa que resulta em mais grãos vermelhos, mas também em perdas como efeito colateral, com grãos caídos no chão ou secos nos pés, devido à desuniformidade da maturação.
A partir do trabalho da Ufla em parceria com a Nucoffee, plataforma de soluções aos produtores da Syngenta, foi desenvolvido um processo de pós-colheita dos grãos verdes que promete dar aos agricultores uma alternativa de produzir um bom café, mesmo que feito a partir de matéria-prima não madura, em boa parte.
“Decidimos inovar, teria de pensar fora do que se fez em 170 anos de estudos de café. É uma inovação de ruptura, pois quebra conceitos estabelecidos há muitos anos”, disse o professor da Ufla Flávio Meira Borém, lembrando que a ideia dominante é de produção de um bom café com grãos maduros.
A bebida, apresentada ao público no seminário internacional do café, no Guarujá (SP), ainda traz maiores benefícios à saúde, uma vez que os grãos verdes contêm mais compostos fenólicos, que são antioxidantes, antinflamatórios e minimizam riscos de obesidade, disseram Ufla e Nucoffee.
“Soluciona o lado do produtor e do consumidor”, ressaltou Borém, no evento no litoral paulista, por onde o país exporta a maior parte do seu café.
Ele não revelou o processo para tornar o café verde menos adstringente, aquela sensação de “amarrar a boca”. Uma prova durante o evento mostrou que a bebida é agradável até mesmo para o café conilon, que tende a ser mais amargo que o arábica.
Segundo o professor, o café Nutracêutico (pelo uso de conceitos de nutrição e farmacêutica) tem patente licenciada para a Nucoffee, o que o impede de revelar detalhes. Mas disse que já há uma produção piloto em escala, e estudos e testes comprovam os resultados pretendidos.
“Para os produtores, a iniciativa permite a antecipação da colheita, colhendo café com até 50% de grãos verdes, e na sequência padronizar a maturação, reduzindo a quantidade de café no chão, e no ano seguinte há uma lavoura muito mais produtiva, porque vamos liberar a produção da planta…”, disse.
Borém citou estimativas que indicam que 13% dos grãos de café caem antes da colheita, enquanto produtores esperam uma maior maturação –um problema que seria minimizado com a coleta dos grãos antes de um maior amadurecimento.
Juan Gimenes, gerente de Inovação da Nucoffee, disse à Reuters que a companhia já identificou interesse de produtores em adotar o processo de pós-colheita dos grãos verdes para a fabricação do café Nutracêutico.
Consumidor
Do ponto de vista do consumidor, disse o pesquisador da Ufla, a inovação traz “um fornecimento consistente de um café totalmente diferenciado não apenas pelo seu sensorial”.
“Em prova cega, maioria dos degustadores falará em 83 pontos, mas o café tem doçura diferenciada com 50% de frutos verde e com alto benefício à saúde”, disse ele, lembrando que geralmente tal pontuação não é obtida com uma colheita não madura.
O processo com o uso de mais grãos verdes também permite a produção de uma saborosa infusão com a polpa desidratada do fruto, um subproduto do café que normalmente é jogado fora. A bebida é servida como um chá gelado, para ser apreciada também sem açúcar.