Nesta semana, os produtores de vinhos comemoraram as posições alcançadas pelo Brasil em um dos prêmios mais importantes do mundo: o Decanter World Wine Awards, a maior e mais influente competição da bebida. A Decanter, revista inglesa fundada em 1975, é uma espécie de “Bíblia” global do vinho.
O país conquistou 16 medalhas na 19ª edição do prêmio. De acordo com os organizadores, houve “um recorde histórico de vinhos degustados.” Os premiados saem classificados nas categorias Best in Show e medalhas de platina, ouro e prata. Por trás de cada uma delas há um intenso trabalho em toda a cadeia de produção da uva, do plantio à vinificação.
Do total das medalhas conquistadas pelo Brasil, os destaques foram os vinhos produzidos pelas vinícolas Sacramento Vinifer, com a maior pontuação, e Casa Geraldo, ambas localizadas no sudeste. A região, ainda hoje, é pouco identificada com vinhos premium, mas vem em um trabalho crescente nesse sentido. Das cerca de 830 mil toneladas de uvas cultivadas, por safra, para a produção de vinhos no país, 90% estão no Rio Grande do Sul.
A Sacramento Vinifer, do empresário Jorge Félix Donadelli, está localizada em Sacramento, na Serra da Canastra, onde as uvas são cultivadas na fazenda São Miguel. O outro destaque, a Casa Gerado, é uma vinícola fundada por Geraldo Marcon em 1969, no município de Andradas, também em Minas Gerais, aos pés da Serra da Mantiqueira. A distância entre a Canastra e a Mantiqueira são cerca de 500 quilômetros.
Para entender esse movimento fora do Rio Grande do Sul, a Forbes conversou com a especialista Suzana Barelli, jornalista que escreve e acompanha há 20 anos esse mercado. Suzana foi pioneira entre as mulheres. Além dos vinhos brasileiros, ela acompanha o movimento global do mercado de países importantes na produção da bebida, entre eles França, Itália, Espanha, África do Sul, Portugal, Chile, Argentina, Uruguai e Estados Unidos.
Abaixo, Suzana fala da vinícola que alcançou a maior pontuação brasileira no concurso, o tinto Sabina da Sacramento Vinifer, mas destaca que “10 espumantes receberam medalha de prata, o que revela muito da vocação brasileira. Ainda tiveram medalha três brancos e um rosé, todos com notas entre 91 e 90 pontos”. No ano passado foram comercializados no país 30,3 milhões de espumantes brasileiros, volume 40% acima de 2021. As exportações chegaram a 935 mil litros, um aumento de 21%, segundo a Uvibra (União Brasileira de Vitivinicultura).
Confira o que diz Suzana Barelli:
Qual a importância de um prêmio desse porte para o Brasil?
O Decanter World Wine Awards é um concurso conceituado e isso sempre ajuda a dar credibilidade ao vinho. Antes da Decanter, o Sabina também foi considerado o melhor tinto brasileiro pelo guia Descorchados, do chileno Patricio Tapia. Assim, o vinho vai conquistando o seu espaço e mostrando consistência.
O que essas vinícolas da região do Sudeste têm de especial em seu terroir?
Mais do que o terroir, que ainda pouco se conhece nesta região da Serra da Canastra o interessante é a técnica de cultivo. Tanto o Sabina, como o outro tinto brasileiro que também teve medalha de prata, porém com 91 pontos (o sabina teve 92), são elaborados com a mesma técnica de cultivo. Um dos problemas para o vinho brasileiro é que por aqui chove na época em que as uvas estão quase prontas para serem colhidas, tornando-as mais diluídas e suscetíveis a doenças.
Na região sudeste, os invernos são marcados por dias quentes e manhãs/madrugadas bem frias, que proporcionam uma grande amplitude térmica, que as uvas adoram para amadurecer com maior complexidade. E não tem as chuvas do verão. É esta técnica, ainda relativamente recente, a principal razão do sucesso destes vinhos. Por enquanto, a variedade tinta syrah é a que melhor se adapta a esta técnica.
Em que medida esse vinho mostra o trabalho de campo do produtor?
O trabalho de campo da Sacramento ainda é recente, mas sei que eles estão contratando um especialista internacional em terroir. A ideia da família produtora é entender melhor as características da região, definir as melhores variedades e os eventuais ajustes necessários. Ainda há muito a aprender com esta técnica, desenvolvida por Murillo Regina, que foi pesquisador da Epamig e é uma referência para quem quer cultivar uvas no Sudeste (e o interesse de empresários aqui é crescente). Uma questão é qual será a vida útil das videiras, já que elas passam por uma poda a mais todos os anos.
Outra questão é que as plantas recebem doses de um hormônio, o dormex, para ter o seu ciclo vegetativo com frutos no inverno. Desconheço estudos que mostrem se há efeitos deste hormônio para a planta depois de algumas safras ou mesmo para o corpo humano. No caso do Sacramento, ainda, as uvas são colhidas, colocadas em caminhão refrigerado e seguem para Caxias do Sul, onde são vinificadas. O projeto ainda não conta com uma vinícola. Mas o enólogo que vinifica, o Alejandro Cardozo, se surpreendeu com a enorme qualidade da uva que recebeu.
O que você destaca na produção da vinícola Sacramento Vinifer?
Ainda é uma vinícola muito jovem. Os donos pretendem ter outros vinhos, mas ainda não conseguiram obter uvas para isso. Além do Syrah premiado, a vinícola conta com um rosé, elaborado com a mesma variedade.
* Esta matéria originalmente dizia que a fazenda ficava em Caxambu (MG) . O correto é Sacramento. O erro foi corrigido