Nos próximos anos, os criadores de peixes em tanques ou redes, têm um grande desafio: acelerar o cultivo e fazer essa proteína mais presente na mesa do consumidor. Atualmente, o brasileiro come, em média, 4 quilos/per capita ano de peixes cultivados em redes ou tanques, entre todas as espécies. A média de consumo do brasileiro, incluindo os peixes capturados e cultivados, é de 10 quilos, mas ainda longe das carnes bovinas, suínas e de aves, as mais consumidas no país e com um consumo de pelo menos o dobro desse volume.
Mas o setor acredita em uma virada. “Hoje, é quase obrigatório ter essa proteína no portfólio, e quando o supermercado vende pescado o produto mais fácil de comercializar são os peixes de cultivo, pela regularidade de preço, padrão e fornecimento”, diz Francisco Medeiros, presidente executivo da Peixe BR (Associação Brasileira da Piscicultura). E mais. Ele diz, ainda, que um modelo vencedor de produção é se aliar às cadeias de aves e suínos. “Criar peixe vai muito bem com suínos e aves, acredite”, afirma ele.
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O cenário global mostra oportunidades para o país. Também na comparação com o consumo médio mundial de peixes, o consumo no Brasil fica para trás. O documento The State of World Fisheries and Aquaculture 2022, apresentado pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) no dia 29 de junho, a pesca e a produção aquícola atingiram um recorde histórico de 214 milhões de toneladas em 2020, cerca de US$ 424 bilhões (R$ 2,15 trilhões na cotação atual), com um crescimento da ordem de 60% em comparação com a média na década de 1990.
“Estamos comendo mais alimentos aquáticos do que nunca – cerca de 20,2 quilos per capita em 2020 – mais que o dobro da nossa taxa de consumo há 50 anos”, afirmou Qu Dongyu, diretor geral da ONU. Mas não basta, porque ainda representam apenas 17% do consumo mundial de proteína animal. “Estratégias do sistema alimentar regional e nacional, e políticas, devem ser uma parte vital da necessária transformação dos nossos sistemas agroalimentares”, disse Dongyu na apresentação do trabalho. Abdulla Shahid, das Ilhas Maldivas e presidente da 76ª sessão da assembleia geral da ONU, declarou que com “estratégia e o investimento certos, podemos aumentar a aquicultura em 35% até 2030, reduzindo drasticamente nossa dependência de estoques escassos de peixes selvagens”.
Nesse desafio, Medeiros acredita em um modelo que verticalize a cadeia produtiva do peixe em escala no Brasil, em parceria com cooperativas e com a agroindústria. Em 2021, de acordo com a Peixe BR, a produção de peixes cultivados no país totalizou 841.000 toneladas, volume 4,7% maior em relação ao ano anterior. A receita foi de cerca de R$ 8 bilhões, além de gerar 3 milhões de empregos diretos e indiretos.
A Forbes conversou com Medeiros durante o Siavs (Salão Internacional de Avicultura e Suinocultura), realizado na semana passada em São Paulo, sobre as possibilidades do mercado de tilápia, o peixe mais cultivado no país. Foi a primeira participação da entidade na feira que acontece há mais de uma década. Confira:
Forbes: Por que estar em um ambiente no qual todos os negócios são voltados a aves e suínos?
Francisco Medeiros: Somos uma entidade jovem que nasceu em 2015 com o objetivo de estar no guarda-chuva do setor de proteína animal. Hoje, as principais empresas produtoras de tilápia no Brasil também são produtoras de aves ou suínos. Isso não é tendência, é a realidade. A estimativa é que, até o final da década, praticamente todas as empresas de frango terão a tilápia como negócio.
F: O que leva uma empresa de aves ou suínos para o peixe?
FM: As vantagens são os pontos de venda. O consumidor está procurando pescado como mais um tipo de proteína, pelos seus benefícios e para variar o prato. Pelos estoques serem baixos, a alternativa que essa agroindústria tem de fornecer de forma regular um produto da piscicultura, como ela entrega o frango ou o suíno, é investir na cadeia do pescado. Hoje, é quase obrigatório ter essa proteína no portfólio, e quando o supermercado vende pescado o produto mais fácil de comercializar são os peixes cultivados, pela regularidade de preço, padrão e fornecimento.
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F: Por que as cooperativas estão investindo nesse modelo de negócio?
FM: Porque faz sentido. Seus cooperados já têm um galpão de aves, ou de suínos. Por exemplo, se um produtor de aves decidir criar tilápia, ele terá um sistema totalmente automatizado. Então, não gera demanda de mão de obra e é uma atividade que requer um espaço muito pequeno na propriedade. Criar peixe vai muito bem com suínos e aves, acredite.
F: Então tem a ver com o perfil do negócio desse produtor?
FM: A produção dele casa com mais uma atividade. Um exemplo: um cooperado da Copacol [Cooperativa Agroindustrial Consolata, de Cafelândia, SP], que cria frango e que queira criar tilápia recebe os insumos, administra a produção e entrega o peixe. O viveiro de peixe pode ser financiado para pagar em 10 anos. E mais: o produtor já tem um contrato com o frango e aí ele inclui a tilápia. Então, quem quer tilápia é o cooperado que é o dono da cooperativa e que quer ganhar mais dinheiro. Há muitas propriedades em que, se fossem adequadas, plantariam mais soja ou outro grão. Ela não tem como plantar soja, mas tem como criar peixe.
F: Quanto desse crescimento atual se deve ao cooperativismo?
FM: As cooperativas, na realidade, estabeleceram o modelo de negócio porque são bem estruturadas em termos de sistemas de integração, de processamento e de comercialização. São extremamente eficientes na comercialização e esse modelo espelhou outros grupos que não são cooperativas. Elas foram importantes para gerar um conceito de negócio de sucesso. Pode ser cooperativa ou uma agroindústria, uma empresa verticalizada.
F: Onde essa agroindústria se compara às cooperativas?
FM: Para competir no mercado, essa agroindústria tem o frigorífico e a comercialização, que é um dado muito importante. É a mesma coisa para o produtor de frango independente. Eles existem, mas cada vez mais aqueles com um negócio na mão são integrados a uma agroindústria ou a uma cooperativa. Eu moro no estado de Mato Grosso e não conheço nenhum galpão de frango independente. Quando você olha a Bom Futuro [grupo da família Maggi Scheffer e Bortoli], por exemplo, ela já está verticalizada. Tem genética, fábrica de ração, produção e frigorífico. É uma verticalização eficiente e um bom parceiro para escoar uma produção, é mais eficiente do que ter uma produção independente.
F: Esse é um crescimento em cima da produção de tilápias. E os peixes nativos, como fica esse mercado?
FM: É mesmo um crescimento centralizado na tilápia. Para os peixes nativos, a primeira coisa que a gente deve ter em mente é se que a empresa ou produtor tem estrutura para ganhar dinheiro. Esse é o primeiro conceito. Um exemplo: 80% da população no mundo – não é média Brasil – vive com US$ 7 por dia (cerca de R$ 35 na cotação atual). Essa pessoa, quando acorda, só pensa em comer. Então, temos de produzir alimento para pessoas de baixo poder aquisitivo, porque se nós não produzimos alimento para ela o governo vai colocar a mão no seu bolso tirar dinheiro na forma de impostos. É preciso produções eficientes, a baixo custo e a tilápia entra nesse perfil. Nos últimos cinco anos tivemos uma queda de peixes nativos e um aumento da produção de tilápia. Isso não é tendência, isso é regra de mercado. Você tem uma produtividade média, por hectare/ano, de 7 toneladas de tambaqui e de 50 toneladas de tilápia.
F: Há uma campanha para se criar tilápia e não peixes nativos?
FM: Não estamos aqui propagando tilápia, não existe uma campanha para a tilápia. Existe uma campanha para que o produtor ganhe dinheiro de forma sustentável e de forma legal. A decisão é dele. É o mesmo raciocínio se você vai fazer um trabalho que te rende 10 vezes mais, com o mesmo esforço.
F: Qual é a expectativa de crescimento do consumo de tilápia no Brasil?
FM: A gente tem uma estimativa, hoje, de um consumo de 2,5 quilos por habitante/ano. A continuar nessa taxa de crescimento observado, o país deve terminar a década com algo em torno de 5,2 quilos por habitante/ano de tilápia. O consumo de peixes nativos está em queda. Hoje, 63,5% de tudo que se cultiva no Brasil é de tilápia e deve chegar no final da década com algo em torno de 78%. Então, os peixes nativos seriam um nicho de mercado dentro da piscicultura, como o frango tem seu nicho de mercado como o frango e ovos caipira.
F: Qual o formato desse nicho para os peixes nativos?
FM: Tem um nicho de mercado de ovo ômega 3. Quem compra são pessoas de poder aquisitivo maior, uma população que tem mais dinheiro. Estamos trabalhando para que o peixe nativo seja mais valorizado, que o consumidor esteja disposto a pagar mais e que esse preço justifique o produtor continuar na atividade. Porque a gente pensa, às vezes, na gente como consumidor, mas não pensa no produtor. Por exemplo, se o quilo do tambaqui custa R$ 20 na produção, deve custar R$ 50 na ponta do consumo para que o produtor o produtor seja remunerado pelo trabalho dele.
F: Um dos grandes desafios da indústria de alimentos é oferecer comodidades ao consumidor. Como vê esse movimento na cadeia do peixe?
FM: Na agroindústria e nas cooperativas vai ser cada vez mais um processo natural. Exemplos interessantes são a Brazilian Fish, também do interior de São Paulo, que deve ter mais de 20 produtos de tilápia, e a Copacol, uma das maiores cooperativas que investe em peixe e que deve ter uns 10 produtos. Porque fizeram um investimento louco na suas indústrias para ampliar o parque de máquinas, estrutura e o departamento comercial para vender um produto que muitas vezes o consumidor nem conhece. E para aumentar a dificuldade dessa agroindústria no Brasil, se ela vende um filé de tilápia fresco a carga tributária é uma, mas se jogar só um sal por cima os tributos disparam, com IPI (Imposto sobre Produto Industrializado) e outros impostos. A tributação, hoje, é a nossa maior concorrente.
F: A exportação também é um bom meio para acelerar o crescimento da piscicultura, como é para grãos e outras carnes?
FM: Nosso principal cliente são os Estados Unidos. Eles também representam o nosso maior potencial porque são os maiores importadores de tilápia do mundo. Com os asiáticos somos concorrentes no mercado norte-americano. Toda vez que o Brasil vende uma tonelada de tilápia nesse mercado, ele deixa de comprar uma tonelada de tilápia da Ásia. Para a Europa estamos impedidos de vender, desde 2018, porque os barcos de pesca do Brasil não estão em conformidade com o que esse importador exige. O peixe cultivado não usa barcos, mas entramos nessa proibição da União Europeia.
F: O que faz a tilápia brasileira ganhar mercado nos EUA?
FM: Uma das vantagens é a qualidade organoléptica e do ponto de vista de qualidade de água, o que confere sabor ao peixe. A base de ração de peixe no Brasil é vegetal, enquanto a ração na Ásia é de base animal. Outra vantagem se chama milha náutica: estamos mais perto. E o mais importante, nossa tarifa para entrar nos EUA é zero, enquanto a tilápia chinesa, os maiores criadores do mundo, arca com 25%.
Além disso, desde 2018, com o apoio da Embrapa e Ministério da Economia, implantamos o grau técnico da tilápia para exportação. O produtor que exporta compra a ração, medicamentos, embalagem e todos os insumos sem pagar impostos, e vende sem pagar impostos. A criação de peixe se torna uma zona franca e isso traz mais competitividade. Hoje, cerca de 12 empresas exportam peixe e nesse primeiro semestre elas já exportaram para 42 países. Sim, os EUA são muito importantes, mas estamos abrindo mercado porque há muito a conquistar e não podemos depender de um único cliente. É a regra.
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