No final da semana passada, dois diretores do Banrisul (Banco do Estado do Rio Grande do Sul), uma instituição financeira de economia mista, estiveram em Brasília. A missão? Firmar uma parceria com o Banco do Brasil, destinada aos primeiros contratos de projetos de originação de carbono. O Banrisul vai compensar suas emissões diretas de gases de efeito estufa por meio da plataforma de intermediação de compra de crédito de carbono do BB.
“Provavelmente, vamos estender a plataforma para os nossos clientes. E se a gente achar que esse mercado vai ganhar tração, podemos fazer a nossa própria plataforma”, diz o economista Cláudio Coutinho, presidente do Banrisul, um experiente executivo que já foi dono de seu próprio banco por 13 anos, o CR2 de Investimentos nos anos 2000 e também diretor das áreas de crédito, financeira e internacional do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Para o executivo, “o que o Brasil tem de mais valoroso é o seu REDD [Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal], é o desmatamento evitado”.
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O Banrisul tem uma parcela robusta de seus negócios sustentados pelo agro. Até agosto, sua carteira de crédito era R$ 5,4 bilhões, um crescimento de 61,3% em relação a 12 meses corridos. A estimativa para a safra em andamento, que começou em julho, é de R$ 7 bilhões, dos quais R$ 2,9 bilhões já foram contratados. Para custeio, a previsão é de R$ 6,1 bilhões e o restante de R$ 900 milhões para investimentos, com capacidade de atendimento de cerca de 50 mil produtores.
Em relação ao CDC Sustentabilidade (crédito direto ao consumidor) para financiamento de equipamentos de energia solar e eólica, o saldo contábil em agosto deste ano era de R$ 530 milhões, valor 133,2% maior em 12 meses. O banco tem, ainda, o programa Operação 365 para monitorar a qualidade do solo no estado, visando o aumento de produtividade. A parceria é com a CCGL (Cooperativa Central Gaúcha), onde estão 171 mil produtores cooperados, e com a Embrapa Trigo, unidade localizada no município de Passo Fundo (RS).
Outra frente é o Programa Sementes. No primeiro semestre, 2.438 famílias – a maior parte quilombolas e indígenas que praticam agricultura familiar– receberam 30 milhões de sementes de leguminosas e verduras. Coutinho conversou com a Forbes sobre a iniciativa com o BB, os desafios da estruturação de um mercado robusto de carbono, como o Brasil deveria se apresentar na COP27 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas) que acontece no próximo mês, no Egito, e como a instituição vem gerenciando o crédito ao produtor rural. Confira:
Forbes: Como a instituição está se organizando nesse ambiente de crédito de carbono que vai além da parceria fechada com o BB?
Cláudio Coutinho: A gente acabou de assinar essa parceria com o Banco do Brasil, que está montando uma ferramenta como se fosse uma caixa de liquidação, um ambiente para se negociar. Temos uma boa relação com o presidente, Fausto de Andrade Ribeiro, com o qual estivemos durante a Expointer [maior feira gaúcha, que ocorreu em setembro]. Vamos usar a plataforma do Banco do Brasil para neutralizar toda a nossa emissão de carbono, comprando os créditos. Provavelmente, vamos estender a plataforma para os nossos clientes. E se a gente achar que esse mercado vai ganhar tração, podemos fazer a nossa própria plataforma.
Forbes: Como essa caixa vai ser operada?
Coutinho: O Banco do Brasil vai buscar compradores e emissores, como se fosse uma bolsa, entre aspas. Então, se um dono de terra com projetos de carbono quiser vender créditos, ele vai poder se juntar com quem quer comprar. Eu posso pegar um cliente meu, do Rio Grande do Sul, e colocar o crédito dele nessa plataforma, porque ela vai ter mais liquidez do que na minha. Então, inicialmente é usar essa central de liquidez.
Forbes: Há uma avaliação muito otimista do mercado de carbono, mas ainda há grandes desafios, principalmente em relação aos preços dos créditos. Qual cenário o sr. traça para esse desafio em um mercado hoje tido como irreversível?
Coutinho: Sendo franco, acho muito complicado. Acompanhei todo o mercado do Protocolo de Kyoto, que micou completamente. Porque os requisitos para se constituir um crédito de carbono e vender são muito complexos. É preciso ter toda uma certificação, não só na largada para provar que ele existe, como na continuidade desse crédito. Então, de tudo que eu assisti, acompanhei e discuti, é muito complicado porque ainda custa caro fazer a certificação.
Temos exemplos de certificações feitas por empresas no Brasil que custaram US$ 500 mil dólares, um negócio milionário. A governança de Kyoto tinha um padrão da ONU (Organização das Nações Unidas), com certificação no ministério das relações exteriores. Agora, foi-se para o mercado voluntário, mas continua o desafio da certificação. As empresas estão comprando de forma voluntária, para dizerem que estão mitigando, mostrando seus esforços.
O que o Brasil tem de mais valoroso é o seu REDD, que é o desmatamento evitado. Os países centrais relutam em pagar para o Brasil esse tipo de compensação. São vários desafios, que não são simples. Eu espero estar enganado e que isso consiga caminhar.
Forbes: Faltam metodologias para se desenrolar o nó dessa corda?
Coutinho: É porque são múltiplos os casos. Por exemplo, eu vou fazer um aterro sanitário, uma energia eólica, vou fazer biomassa plantando eucalipto para transformar em cavaco, queimar e plantar de novo, em um um círculo. Para cada um deles é preciso uma metodologia e depende de onde você está, qual é o seu empreendimento. Digamos que eu quero também fazer um hedge para o desmatamento evitado. Estou dizendo que vou manter a árvore. É tecnicamente complexo, embora o conceito seja simples, porque o diabo mora nos detalhes.
Forbes: Como deve ser uma agenda do Brasil para a COP27 que está logo aí?
Coutinho: O Brasil tem de levar pessoas com capacidade técnica ultra reconhecida, que tenham capacidade de negociar e que conheçam em detalhes. Por exemplo, a ex-ministra Isabela Teixeira conhece profundamente, sabe negociar e é realmente uma técnica. A Marilene Ramos, que foi presidente do Ibama [diretora de relações institucionais e sustentabilidade do Grupo Águas do Brasil] , conhece e sabe do que está falando. E é preciso um governo com credibilidade, porque se chegar lá com “deixo desmatar, deixo queimar”, a conversa azeda desde o início.
O Brasil é uma potência ambiental e agora consegue posar de vilão. Isso é inacreditável, porque o país tem uma matriz ultra limpa, em grande parte hídrica e agora com cerca de 10% eólica. Tem o etanol como combustível renovável, mantém cerca de 60% do território coberto por vegetação, por florestas. Nenhum país do mundo tem isso.
Forbes: Onde houve erros?
Coutinho: Acho que o Brasil errou na comunicação e no marketing, não tenho a menor dúvida. E também no mercado interno. Nós temos que falar para nós mesmos que a gente faz o dever de casa. Precisamos nos orgulhar perante nós brasileiros e perante estrangeiros A nossa agricultura é responsável, com legislação ambiental sem paralelo no mundo. Na Europa, a França e a Alemanha, por exemplo, não têm APP (área de preservação permanente) e reserva legal nas propriedades rurais. Temos uma legislação muito avançada e temos que vender isso. Nosso agronegócio é compliance e convive com regras.
Forbes: Como vê os bancos privados cada vez mais com apetite para financiar o agro?
Coutinho: Essa entrada está acontecendo há mais de 10 anos. Era pouco e está crescendo, mas lá atrás já operava em grandes volumes em Mato Grosso para os grãos, açúcar e álcool em São Paulo. A banca sempre teve apetite para financiar. Agora, o grande desafio é parecido ao que o mercado de capitais vivia em relação ao BNDES lá atrás. Com taxa subsidiada para investimento, ficava muito difícil um banco fazer uma proposta, uma debênture, uma transação a taxa de mercado.
Quando o BNDES recuou, o mercado de capitais floresceu no Brasil, explodiu a emissão de debêntures, explodiu o follow on de ações, explodiu IPOs. Vejo o mesmo para o agronegócio. Hoje, há um player que são estatais, a Caixa, o Banco do Brasil, e até o Banrisul (a gente tem um pedaço de equalizado no tesouro), e funciona com o que a gente chama de waterfall. Primeiro se usa todo o recurso subsidiado, equalizado, e depois os recursos livres.
A gente capta no DIR (Depósito Inter Financeiro vinculado ao Crédito Rural), no equalizado, no Moderfrota. Tudo isso compõe o nosso funding e ainda tem as LCAs (Letras de Crédito do Agronegócio), que são muito próximas de mercado. Acho que o Brasil vai, paulatinamente, diminuir o uso dos recursos equalizados entre os grandes produtores. Mas para a agricultura familiar nunca deveria deixar de existir. Para o pequeno produtor, ou o familiar, devemos continuar porque é assim no mundo inteiro. Não vamos ser mais realistas que o rei.
Forbes: Qual análise o banco faz da atual safra?
Coutinho: A visão das nossas consultorias é de um ano de bonança porque os estoques globais estão muito apertados. Não se espera grandes safras no hemisfério norte e então o Brasil entra. Apesar da seca que ocorreu, principalmente em algumas regiões do Rio Grande do Sul, o setor de alguma forma está capitalizado. Na Expointer, 30% dos negócios de máquinas e equipamentos foram à vista. Nós tivemos um crescimento de quase 90% em negócios, comparados com o ano anterior. Financiamos mais de R$ 800 milhões.
Forbes: Mas os produtores mostram que os custos são muito apertados.
Coutinho: Certamente, os custos dos produtos de forma geral no Brasil, medidos em sacas, subiram bastante. Mas as consultorias nos mostraram também uma queda muito importante de preços dos fertilizantes. Os embargos continuam e a explicação para isso ninguém sabe ao certo. A especulação é que, de certa forma, a produção dos países que estavam embargados encontrou algum caminho para chegar ao mercado. Então, a expectativa de falta de oferta não se concretizou. Continuamos vendo os produtores animados, com muito pedido de financiamento. Fizemos uma previsão de R$ 7 bilhões para o ano safra 2022/23, um crescimento de 35% em relação à safra anterior. Na safra 2021/22, a nossa expectativa era crescer 30% e ela se concretizou com mais de 60%.
Forbes: O mercado chinês é o principal alvo do agro brasileiro, mas um mercado de commodity, embora tenha uma classe média superior a 300 milhões de pessoas ávidas ao consumo. O Brasil tem chance de ser uma exportador de valor agregado agroindustrial?
Coutinho: Fui à China duas vezes, em uma missão da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), de vendas e comercial antes de entrar no Banrisul, em 2016 e 2018. A China é igual ao Brasil, quando ainda era fechado para importação. Os chineses são ávidos por marca, por status, em mostrar que estão bem.
O chinês quer saber se o que você está vendendo a ele é o melhor do seu país. Ele compra o vinho Château Lafite Rothschild e guarda a garrafa para mostrar ao vizinho. Compra o Poulet de Bresse, frango alimentado. O chinês gosta de brand e olhando para os produtos que o Brasil produz e exporta, o país infelizmente não tem brands internacionais. Em poucos produtos conseguimos vencer essa barreira, que é o caso das Havaianas [chinelos]. No café temos alguma coisa, mas a maioria do que vendemos é commodity, enquanto a Colômbia vende a marca. A que a gente vai continuar, ainda, por um bom tempo escravo de volume.