Pesquisadores alemães alimentaram dez vacas leiteiras com cânhamo industrial por 28 dias, com resultados interessantes em termos de saúde animal e possíveis risco para os consumidores de leite. O estudo também levanta preocupações sobre se o THC (Tetrahidrocanabinol) pode entrar na alimentação humana através do leite de vaca. A possibilidade de alimentar animais com cânhamo se deve a dois fatores: o cultivo da planta tem um baixo custo agronômico e é legal nos Estados Unidos e nos países da UE (União Europeia). O estudo revisado por pares foi publicado na revista Nature Food, em 21 de novembro, segunda-feira passada.
Pesquisadores do Instituto Federal Alemão de Avaliação de Risco e do Instituto de Análise Química e Veterinária Münsterland-Emscher-Lippe estudaram se, caso se alimente vacas leiteiras com cânhamo industrial, isso pode afetar a saúde animal e se o leite produzido levaria consequências negativas para os consumidores.
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A pesquisa não revela, nesse caso, se esses níveis de resíduo no leite deixaria os consumidores humanos “chapados”. Mas, as descobertas mostram que as vacas leiteiras que se alimentaram de altas doses de cânhamo industrial mudam seu comportamento, e seu leite poderia ter níveis potencialmente altos de THC.
Os animais foram divididos em dois grupos: um recebeu silagem de cânhamo com baixos níveis de THC, usando a variedade Ivory com baixo teor de THC, e outro alimentado com cânhamo com alto teor de THC, da variedade Finola, embora ambas as variedades de cânhamo não excedam THC acima de 0,2%.
Como o experimento com cânhamo foi realizado
O experimento foi dividido em quatro períodos: controle, adaptação, exposição e depuração. Os autores do estudo realizaram o experimento substituindo uma dieta à base de milho por dois tipos de silagem de cânhamo.
Durante o período de adaptação, os pesquisadores alimentaram as vacas com feno de cânhamo feito de toda a planta. Sucessivamente, eles alimentaram o gado com silagem de cânhamo feita de folhas, flores e sementes, que contêm níveis mais altos de THC, durante o período de exposição.
Os pesquisadores coletaram e analisaram leite de vaca, plasma sanguíneo e fezes. Além disso, mediram os parâmetros fisiológicos e observaram o comportamento das vacas.
Durante o período de adaptação, em que as vacas se alimentaram de silagem de cânhamo com baixo teor de THC, os animais não evidenciaram efeitos na saúde. Mas quando se alimentaram de silagem rica em THC, os pesquisadores observaram uma mudança no comportamento animal, como “jogo de língua pronunciado, aumento do bocejo, salivação, formação de secreção nasal, prolapso e vermelhidão da membrana nictitante e aparência sonolenta”.
Algumas vacas exibiram marcha cuidadosa, ocasionalmente instável, incomumente longa e postura anormal. Além disso, os animais comeram menos e produziram menos leite durante a exposição.
Tais efeitos na saúde podem ser explicados pelo fato de que o estudo relatou que as vacas ingeriram até 86 vezes a quantidade de THC necessária para que os humanos experimentassem efeitos psicotrópicos.
Os comportamentos incomuns pararam alguns dias depois que as vacas deixaram de se alimentar de silagem de cânhamo, embora os canabinóides persistissem no leite, contendo altas concentrações de THC, CBD e outros canabinóides.
No entanto, os pesquisadores não podem avaliar quais canabinóides do cânhamo ou uma combinação de canabinóides desempenharam um papel importante na produção de tais efeitos, embora se acredite que o THC seja o canabinóide responsável pela mudança de comportamento das vacas.
“Embora esteja claro que os efeitos observados da silagem de cânhamo industrial na saúde animal foram causados principalmente pelos canabinóides, não pode ser claramente definido qual canabinóide foi o responsável. Devido à sua alta concentração na silagem rica em canabinóides, o THC é a causa mais provável, mas os efeitos combinados também podem desempenhar um papel”, diz o estudo.
Durante o período de exposição a um nível mais alto de THC, as vacas produziram leite contendo concentrações de até 316 mg (microgramas) de THC e 1.174 microgramas de CBD por kg de leite, enquanto as concentrações de outros canabinóides não foram suficientemente altas para serem detectadas. Em comparação, a União Europeia estabeleceu o máximo de THC nos alimentos em 3 mg por kg para produtos secos e 7,5 mg por kg para óleo de semente de cânhamo.
“O cenário de exposição com base nos dados obtidos do estudo de transferência mostra que a exposição ao ∆9-THC via leite e produtos lácteos pode levar a que a ARfD [dose de referência aguda] seja excedida em alguns grupos de consumidores”, diz o estudo.
Regulação em vigor na UE e EUA
Ao contrário da maconha, o cânhamo para fins industriais com conteúdo limitado de THC é legal tanto na Europa quanto nos Estados Unidos.
A União Europeia permite o cultivo de cânhamo industrial com um limite de THC definido em 0,2%, embora tenha aumentado recentemente para 0,3%, em 2021. A Lei Agrícola dos EUA, de 2018, legalizou o cultivo de cânhamo em nível federal para fins industriais.
Mas, enquanto alguns dos países da UE estabeleceram limites de THC em alimentos, comestíveis contendo vestígios de THC, eles ainda são ilegais em nível federal nos EUA, o que significa em todo o país.
O trabalho pode levar os reguladores a impedir que os agricultores alimentem o gado com cânhamo. Mas, se mais pesquisas provarem que é um alimento seguro, os agricultores usariam o cânhamo como matéria-prima secundária porque é uma cultura barata e de crescimento rápido.
* Dario Sabaghi é colaborador da Forbes EUA e escreve sobre a indústria da cannabis. Também escreve para a High Times e a CBD-Intel.