Não existe uma receita para toda startup se tornar uma empresa de sucesso. Mas ter visão faz uma grande diferença na empreitada. Esse é o caso da Yuool, que fabrica calçados e foi fundada por quatro jovens empreendedores. Desde 2017, a empresa já vendeu cerca de 120 mil pares de tênis, com faturamento estimado para 2022, ainda não fechado, de R$ 20 milhões. O valor significa praticamente o dobro do resultado anterior.
Do zero, até aqui, foi um longo trajeto que envolveu tomar decisões sem tirar do foco o produto genuíno proposto: um tênis diferente do que havia no mercado, feito com lã de ovelhas de uma raça específica. No caso a merino, considerado um dos ovinos domésticos mais antigos do mundo, descendente de um ovino selvagem primitivo natural da Ásia Menor, o Ovis arkal australiano. A aposta em um produto em que sua principal matéria prima tem um pé no campo como identidade de marca, vem sustentando o crescimento da empresa.
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“Nossa história começou no final de 2016, quando vimos um movimento muito grande de empresas fazendo tênis de lã merino na Alemanha, Espanha e Estados Unidos. Vimos como era confortável e não tinha nada similar no Brasil”, conta Eduardo Rocha Abichequer, 28 anos, um dos sócios fundadores e CEO da Yuool, que tem sede na cidade de São Paulo. Ele conta que no início a empresa era um projeto paralelo, enquanto trabalhava no hub 4All Tecnologia. “Quando trabalhei com desenvolvimento de software, me inseri muito nesse mundo de startups e também sempre tive essa veia empreendedora muito forte”.
Além de Abichequer, a Yuool tem como fundadores, todos vindos da corretora XP Investimentos, Marcelo Maisonnave, hoje na NVA Capital, mais Pedro Englert, também sócio de quatro fintechs (Warren, FitBank, Monkey Inc, e Vortex) e Eduardo Glitz, fundador da Lovin’ Wine, entre outros empreendimentos.
Foi justamente com a decisão de empreender com os tênis de lã, ainda inéditos no Brasil, que Abichequer e sua turma tentaram estabelecer contato com as empresas que já produziam em outros países para, assim, trazer as suas marcas ao país. Mas conversas não foram adiante e eles decidiram dar um outro rumo ao projeto de negócio. O motivo? Estavam impressionados com as qualidades do tecido de lã dos ovinos da raça merino, que é termodinâmico, antibacteriano e capaz de ser higienizado em máquinas de lavar. Foi então que decidiram criar a própria empresa, uma startup que chamou a atenção do mercado logo de saída.
“A gente foi para o desenvolvimento da lã, que é o grande segredo. Mas não conseguimos cardar no Brasil, porque a lã ficava áspera, o que não pode ocorrer no caso do tênis”, pontua Abichequer. Cardar, no linguajar técnico, significa desenredar ou pentear a lã (ou algodão, linho, etc) com carda, que é uma máquina da indústria de fiação e tecelagem para tratar a fibra que será utilizada para fabricar os fios.
O projeto capitaneado por Abichequer chegou, nesse ponto, num “bico de sinuca”. Embora o Brasil tenha produção deste tipo de lã no Rio Grande do Sul, com cerca de três milhões de ovinos, ele não conseguiu fechar o projeto de compra local por conta da oferta e do tipo de fio demandado para o seu calçado. Mas os vizinhos uruguaios dispunham da lã em escala. A exigência era por fios entre 14 e 25 microns de diâmetro e um comprimento que chega a cerca de 10 centímetros. No caso da raça merino, o comprimento de mecha oscila entre 8 e 10 centímetro, o que é considerado um trunfo se levada em conta a finura do fio. O processamento dessa lã também requer o uso de maquinário e mão de obra especializados.
O Uruguai, onde a lã comprada pela Yuool é produzida, tem uma vasta tradição na ovinocultura e é um dos quatro maiores exportadores globais de fibra de alta qualidade, segundo dados da SUL (Secretaria de Lã do Uruguai), órgão do governo. No mês passado, por exemplo, o país usou a Copa do Mundo de futebol no Catar para promover sua lã, vestindo todos os jogadores com ternos de fios de 18 microns, um tecido extremamente leve, pesando 260 gramas por metro. Atualmente, a lã uruguaia é exportada para 40 países.
A saída encontrada pela Yuool também envolveu colocar outro país na rota: a Itália, escolhida pela sua histórica relação com o mundo da alta costura. “Compramos a lã bruta no Uruguai, mandamos para a Itália e lá ela é preparada por tecelões que trabalham com marcas de luxo, como Loro Piana e Zegna”, diz Abichequer. “Por causa desse processo, a lã chega mais cara que o couro no Brasil. Já chegamos a pagar entre R$ 250 e R$ 300 pelo metro, um negócio absurdo.”
Então, como fizeram a Yuool dar lucro?
Levar a empresa ao lucro foi outro desafio. Um tênis de lã é vendido por R$ 449 em seu e-commerce. Abichequer diz que o segredo dos dividendos, usando três países para produzir e comercializar os seus produtos, está no modelo de negócio construído. A empresa adota o DNVB (sigla em inglês para marca vertical digitalmente nativa), um conceito criado em 2016 por Andy Dunn, fundador da Bonobos, marca nova-iorquina de roupas masculinas. As empresas que adotam esta maneira de funcionamento atuam vendendo diretamente ao cliente final, sem canais de distribuição e intermediários, o que reduz custos.
No caso da Yuool, os tênis ficam armazenados e são enviados aos clientes a partir do seu escritório, em São Paulo. “A gente tem uma vantagem que está muito relacionada ao site, com uma operação barata e que permite acesso a todas as áreas do país”, diz Abichequer. E também para fora. Em meados do ano passado, a empresa fincou pé nos EUA, sendo que para países como Espanha, Holanda, França, além da Itália, a marca já conta com operações de e-commerce.
Outro ponto que também ajuda a saúde financeira da empresa é apostar no “corporate”, o que significa vendas em grandes quantidades a um único comprador. A Yuool procura e é procurada por outras empresas e startups interessadas em adotar como uniforme de trabalho o tênis de lã de merino (ou as outras linhas produzidas a partir de algodão orgânico ou PET reciclado). O caso mais notável foi com o banco Nubank.
“O David Vélez [CEO do Nubank] nos procurou logo no início e aí lançamos esse braço corporativo durante a pandemia. Fizemos cerca de 3.700 pares para todos os colaboradores do Nubank e entregamos em mais de 17 países, na casa de cada funcionário”, conta Abichequer. “Já fechamos negócios similares com cerca de 70 empresas, como o banco Inter, XP Investimentos, Vigor e Dell.”
Outra frente é apostar em parcerias com personalidades. A mais recente para os calçados com design genderless (moda sem gênero) e minimalistas, fechada no final do ano passado, foi com o muralista paulista Eduardo Kobra, um dos mais famosos artistas do grafite no mundo.
A parceria é fruto de um investimento de R$ 2 milhões para a produção de quatro mil pares de um tênis feito com fibras de garrafas PET recicladas e algodão orgânico, que apresenta em sua sola uma obra exclusiva do artista. O tênis, vendido por R$ 699, tem parte dos lucros revertidos ao Instituto Kobra, que apoia crianças, adolescentes, jovens e adultos a ingressarem no mundo das artes.