O Brasil vai colher mais grãos na safra de verão 2022/23 do que sua capacidade total de armazenagem, com um salto na produção de soja levando o país a registrar uma situação que não acontecia desde 2003, o que acende alerta para o histórico déficit de silos e possíveis impactos mais acentuados quando chegar a colheita de inverno, especialmente a de milho.
A projeção, baseada em dados da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) obtidos pela Reuters, mostra que o Brasil vai colher 189,5 milhões de toneladas apenas dos principais produtos na primeira safra (soja, milho e arroz), enquanto tem capacidade total de armazenagem de 187,9 milhões de toneladas, o que aperta gargalos logísticos e de infraestrutura.
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Na segunda safra, só de milho, são estimadas mais 96,3 milhões de toneladas, elevando o déficit de armazenagem e potencialmente causando maior lentidão na retirada de grãos das lavouras e no escoamento, porque esses produtos geralmente passam por processos de secagem e limpeza nos armazéns.
“É possível que no pico da colheita da soja, na segunda quinzena de fevereiro, março, que tenhamos a velha dificuldade de não encontrar armazéns, talvez seja um pouco pior este ano”, disse o superintendente de Armazenagem da Conab, Stelito dos Reis Neto, à Reuters.
“Mas a preocupação que vejo agora não é com a primeira safra, porque já estamos com esses números apertados já há muito tempo. A preocupação é a segunda safra, vai ter mais produto esperando no campo para entrar no armazém…”, acrescentou ele.
O principal motivo para a safra de verão superar a capacidade dos armazéns, algo que não acontecia desde 2003, quando o Brasil colheu quase 97 milhões de toneladas de soja, milho (primeira safra) e arroz (ante capacidade estática na época de 93 milhões de toneladas) se deve ao salto esperado de mais de 20% na produção de soja em 2022/23, que cresce no país a taxas muito mais rápidas dos que os investimentos em silos, que não são baratos e exigem do produtor fôlego financeiro para um retorno do capital investido.
Capacidade de armazenagem, por outro lado, significa que o produtor pode guardar produtos como soja e milho para comercializar nos melhores momentos de preços, evitando a pressão sazonal das colheitas no mercado.
As grande safras também apertam mais a armazenagem brasileira em momento em que o novo governo sinaliza com uma mudança na política agrícola, que pode culminar com uma retomada de compras de produtos para a formação de estoques públicos – os armazéns da Conab, contudo, respondem por cerca de 1% da capacidade do país, um desafio a ser enfrentado, além do próprio déficit de silo no setor privado.
Na última temporada, o Brasil só não viveu situação parecida com a projetada para 2022/23 por conta da quebra da safra de soja pela seca no Sul, com o país deixando de colher cerca de 20 milhões toneladas da oleaginosa. A nação colheu pouco mais de 161 milhões de toneladas (de soja, milho primeira safra e arroz) no ciclo anterior (2021/22), enquanto a capacidade era de 187,69 milhões de toneladas.
As perdas na safra de soja acabaram amenizando os problemas de infraestrutura, mas ainda se viu produtor armazenando a colheita de milho de inverno a céu aberto em Mato Grosso, sintoma do déficit de silos e da safra recorde do país lembrado por Reis Neto.
A situação nacional difere de outros grande produtores agrícolas. Os Estados Unidos, concorrente do Brasil na exportação de milho e soja, são capazes de armazenar mais do que uma safra completa, disse o superintendente da Conab.
Para Paulo Polezi, CFO da Kepler Weber, líder em equipamentos agrícolas pós-colheita na América Latina, a situação reforça “sobremaneira” a importância de ampliar a capacidade de armazenagem no país. Sem isso, agricultores perdem uma “grande oportunidade de ampliar ganhos com a produção”.
“Além disso, por não haver estoques reguladores suficientes no país, ocorre a necessidade de transportar grande volume de grãos ao mesmo tempo, gerando sobrecarga no sistema logístico, o que inflaciona o custo do frete”, pontuou.
Um estudo recente da associação Abimaq, citado por Polezi, indica que seriam necessários investimentos de R$ 10 bilhões em estruturas de armazenagem, durante dez anos, para conseguir acabar com o déficit. Ele lembrou que os financiamentos disponíveis para tais aportes têm sido “insuficientes” para acompanhar o ritmo de crescimento das safras.
Melhorias logísticas
O superintendente da Conab ponderou que o Brasil, maior produtor e exportador de soja do mundo, tem conseguido contornar o déficit de armazenagem com o escoamento de boa parte da safra da oleaginosa no primeiro semestre, enquanto a colheita de milho de inverno chega ao mercado em sua maioria no início da segunda parte do ano.
Ele destacou ainda melhorias logísticas nos portos, norte a sul do país, assim como os investimentos privados em ferrovias e no importante canal hidroviário do Tapajós, que leva a produção da região central do país ao Norte, aliviando o Sul/Sudeste.
“Esta primeira safra (que supera a capacidade total de armazenagem) vai colocar à prova a competência logística do Brasil, se não tivermos grandes problemas, quer dizer que conseguimos evoluir bastante em relação a esta questão logística”, destacou Reis Neto.
Ele lembrou que o Brasil fica boa parte do primeiro semestre sozinho no mercado internacional de soja, o que facilita o escoamento, enquanto no segundo semestre a importância da armazenagem em tese tende a crescer, pois há maior concorrência, especialmente após a chegada da safra norte-americana.
Para lidar com o problema, os produtores brasileiros têm lançado mão dos “silos bags”, que são estruturas provisórias que permitem a armazenagem dos grãos, enquanto não se consegue espaço nos armazéns.
O especialista da Conab comentou que algumas regiões mais tradicionais, como Mato Grosso, Paraná e Rio Grande do Sul, têm melhor condição de capacidade, mas nas áreas das novas fronteiras agrícolas, como Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia (Matopiba), o déficit é mais agudo, o que demandaria políticas direcionadas para esses Estados.