Qual o tamanho da participação das compras de carne bovina da China, advindas do Brasil, na formação dos nossos preços domésticos do boi gordo? Essa é uma pergunta que muitas pessoas fazem. Afinal de contas, temos exportado muito para a China. No ano passado, em alguns meses, chegamos a exportar de 17% a 19% de toda a nossa produção só para aquele país.
Essa é uma influência muito grande sobre a formação de preços domésticos, mas essa formação não depende apenas do volume. Ela depende, também, do preço que está sendo pago. No ano passado, houve uma queda dramática do preço pago pela China, pela tonelada de carne bovina embarcada pelo Brasil. Então, isso acaba influenciando bastante também. Porém, apesar de termos exportado volumes recordes de carne bovina para a China, no ano passado, em 2022, o preço do boi gordo caiu ao longo do ano sob influência, principalmente, de uma oferta maior. Nós já falamos aqui nesse espaço a respeito da influência do ciclo pecuário nos preços, como o principal fator de precificação, como um direcionador dos valores da arroba do boi gordo.
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No ciclo pecuário, atualmente estamos em fase de baixa. Isso significa mais oferta de animais para colocar no mercado, o que acarreta uma pressão negativa sobre os valores. Recapitulando: exportamos recorde para China no ano passado e mesmo assim os preços caíram. Então, posto isso, o primeiro ponto importante é que a China é um importantíssimo comprador, tem uma parcela significativa na formação dos preços do boi gordo doméstico, mas não faz milagre. O principal direcionador dos preços continua sendo a oferta, até porque o nosso mercado doméstico ele tem estado bastante deprimido. A atingimos o menor consumo per capita de carne bovina desde a redemocratização do país (em meados dos anos 1980). Hoje, (historicamente) temos um consumo per capita bastante baixo.
Em relação à queda de preço pago pela China no ano passado, uma das consequências foi uma diminuição da participação da influência do boi- China dentro dessa precificação. Ou seja, há um volume maior, mas por um preço pago menor, o que acaba equilibrando um pouco. Outra percepção sobre esse quadro é que se a gente não tivesse mais china para exportar por qualquer motivo – político ou sanitário – como tivemos no final de 2021 (isso influencia totalmente o mercado).
A gente não gosta nem de falar muito sobre isso, porque foi grave. Mas explicando: é muito sério. Naquele ano tivemos uma suspeita de encefalopatia espongiforme bovina na sua versão típica. Mas, na verdade, ela era atípica. Gosto de chamar de “vaca louca falsa”. Era um animal que, no jargão do mercado, dizemos ser mais erado, um animal com um pouquinho mais de idade que apresentava sintomas neurológicos não causados por qualquer agente transmissível, mas, sim, por uma degeneração natural do tecido nervoso.
Isso acabou gerando uma suspeita de que fosse por contaminação, foi feito exame laboratorial e se chegou à conclusão de que não foi por contaminação, mas por uma degeneração natural do animal. E por isso não haveria problema qualquer risco zoonótico. Voltamos a exportar para China, mas com todo esse desenrolar passaram-se três meses sem que o Brasil conseguisse mandar carne para a China. Isso deprimiu muito os preços naquele momento, em outubro de 2021 (o problema aconteceu em setembro). No mês, o preço do boi gordo caiu 11% sem a participação da China.
Hoje, com volume um pouco maior exportado para a China e com pagamento menor, estimamos que o país asiático seja responsável por, aproximadamente, entre 15% a 18% da formação dos preços domésticos no Brasil, para o preço do boi gordo. E aí começa a surgir aquelas discussões do tipo: “por que a gente não para de exportar carne bovina para China, por exemplo, para manter os preços da proteína mais acessíveis no mercado doméstico, principalmente visando o consumo das classes mais baixas”.
Infelizmente, as coisas não funcionam assim. O preço é um sintoma, ele não é a doença. O preço é o final do equilíbrio, entre oferta e demanda. Nós vimos uma valorização muito forte dos preços do boi gordo e, consequentemente, da carne no varejo nos anos 2020 e 2021. Exatamente, aquilo que eu já falei sobre o ciclo da pecuária: a fase de alta do ciclo pecuário diminuiu a oferta de animais. Naqueles dois anos não havia animais para o abate e o que aconteceu foi que os preços subiram. E quando os preços sobem, eles remuneram melhor o produtor.
Isso vai estimulando o setor a produzir mais, a investir, a segurar mais fêmeas para a produção de mais bezerros. Acontece de uma maneira generalizada todos, todos seguindo mais ou menos essa mesma diretriz. E aí o que acontece? A produção aumentou, o que aconteceu em 2022. Não vimos mais manchetes sobre recordes de preço da carne bombando no varejo, porque o preço do boi caiu e tirou a pressão inflacionária sobre a carne bovina, diminui a influência dessa carne bovina dentro da inflação, da cesta de alimentos no Brasil. Então, de novo, o preço é o sintoma e hoje a gente tem preços mais controlados, isso fica claro na gôndola.
Portanto, hoje, se a gente tirar o fator da precificação e aí deprimisse os preços em cerca de 15%, haveria um grave problema de desestímulo ao produtor. Porque a pecuária é uma atividade que demora cerca de três dois anos para refletir o que está acontecendo hoje. Ela não é rápida como agricultura, nem tão rápida como a produção de frangos e suínos. Então, como a gente geraria um grande desestímulo ao produtor, pelo pagamento mais baixo – sem que os custos fossem para baixo também – ele perderia a margem e se veria desestimulado a investir, desestimulado a assegurar fêmeas.
Então, mais uma vez, como falei, o preço é um sintoma e qualquer coisa que estimule o produtor a produzir mais levará, consequentemente, os preços para baixo. Mas se você leva, automaticamente e imediatamente, os preços para baixo, desestimulando esse produtor a produzir, lá na frente a gente vai ter uma escassez ainda maior. Então, por isso, a gente precisa inclusive dos clientes internacionais para manter o produtor ativo, investindo e produzindo.
* Lygia Pimentel é médica veterinária, economista e consultora para o mercado de commodities. Atualmente é CEO da AgriFatto. Desde 2007 atua no setor do agronegócio ocupando cargos como analista de mercado na Scot Consultoria, gerente de operação de commodities na XP Investimentos e chefe de análise de mercado de gado de corte na INTL FCStone.
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