Nesta segunda (27), a executiva Fabiana Alves, que fará 53 anos em junho, embarcou para a Holanda, trajeto que ela faz pelo menos quatro vezes ao ano, rotineiramente. No país, cumpre uma agenda apertada de reuniões com o staff global do Rabobank, banco centenário que nasceu de uma cooperativa de produtores rurais do país europeu, tem 9 milhões de clientes no mundo e opera em 38 países. Dois dias antes de partir, quando recebeu a reportagem da Forbes, na sede do banco em São Paulo, disse que “raramente dá tempo para agendas que não seja profissional”.
Mas a viagem de Alves nesta semana está sendo bem diferente das anteriores. Contratada há 16 anos pelo Rabobank, dessa vez ela tomou o avião estampando no crachá o título de CEO Brasil e América do Sul, anúncio feito pelo Rabobank em meados de março. Até então, ela era diretora executiva de clientes corporativos.
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No início de março, o banco reportou uma carteira global de crédito de 432,1 bilhões de euros em 2022, com o portfólio Food & Agri 10% acima de 2021, totalizando 113,3 bilhões de euros. No Brasil, sua carteira de crédito é da ordem de R$ 28 bilhões, o que o coloca em lugar de destaque no cenário financeiro como um banco de nicho. No caso, o agro local que responde por 27% do PIB do país.
Alves é a primeira mulher na posição de comando do banco no país, mas não está sozinha. Ela vem promovendo um “arrastão” nos quadros de liderança, um desafio de peso em um ambiente no qual as mulheres ainda são minoria absoluta: os cargos C-Level. “Na minha equipe serão cinco mulheres, o que já representa uma diretoria com um peso grande feminino e interessante”, diz. Aliás, o seu cargo anterior é um dos postos ocupados por uma mulher, no caso a administradora de empresas Polyana Saraiva, com duas décadas de atuação no agro brasileiro.
Além de Alves, na divisão global do Rabobank em cinco regiões, três terão mulheres no comando: além da América do Sul, estão na lista a Ásia e a Europa. As duas outras regiões são a América do Norte e Austrália e Nova Zelândia. Alves é uma profunda conhecedora do agro brasileiro e de como as mulheres vêm ocupando espaços nos negócios do campo.
“Em um primeiro momento, as mulheres foram para a área de gestão das fazendas, não necessariamente finanças. Porque lá nos anos 2000 a 2010, o foco era o crescimento da operação, da escala e esse era um espaço quase todo preservado aos homens”, diz ela. “Hoje é tudo diferente. A expansão dos negócios trouxe a necessidade de uma gestão financeira, de uma gestão de risco mais apurada, com safras em várias fazendas, várias regiões e, portanto, com calendários diferentes..”
Nesse momento, as mulheres que já estavam na gestão do negócio, com as melhores práticas como tarefas tomadas por elas, avançaram nas organizações familiares. “Não era só mais contas a pagar ou receber. O agro brasileiro de larga escala trouxe uma demanda por gestão mais profissionalizada, com práticas mais corporativas”, diz. Para ela, muitas mulheres que fizeram administração de empresas passaram a se interessar por esse outro lado, embora ainda representem um grupo pequeno, mas em um movimento sem volta.
Alves diz que o banco participou de muitos movimentos de sucessão familiar nesse período e que um dos papéis das mulheres pioneiras no Centro-Oeste, por exemplo, era que nesse momento de passagem patrimonial “a gente percebia um papel fundamental das mães e esposas desses pioneiros, porque era preciso harmonizar essa discussão de até onde a família ia e onde começava a empresa e a governança dessa empresa familiar”. Segundo Alves, esse tipo de impasse abriu muitas portas para as mulheres.
Um passo sempre à frente
Abrir portas, ou fincar pé, não é uma figura de linguagem na vida dessa executiva. Atuar no agro estava nos seus planos desde criança e faz parte de suas memórias afetivas. “Andava a cavalo no sítio do meu avô, em Minas Gerais, e queria ser médica veterinária ou zootecnista. Queria ir para o curral com meu avô, não gostava de brincar de boneca ou ir pra piscina”, diz ela.
A universidade, em idade precoce, aos 16 anos, somente foi possível com a sua emancipação, para que pudesse viajar sozinha, de Viçosa (MG), onde estava a faculdade de agronomia, a Salvador (BA), para onde a família havia se mudado. Era uma época em que as mulheres começavam disputar lugar nesse bancos universitários. “Na minha formação já tinha muitas mulheres na sua sala e a turma, para a época: nós éramos 209 candidatos, entraram 20 mulheres e nove se formaram”, diz Alves.
Na universidade, ela se inclinou para a área de produção animal. Isso a levou a trabalhar por oito anos em uma fazenda de gado leiteiro. Um parêntese: lá atrás, depois de formada, pela paixão ao avô decidiu de ser mãe aos 24 anos, para que ele conhecesse um bisneto (o avô faleceu 8 meses após o parto de Alves).
Mas finanças não estava em seu radar. Foi de 2007 para 2008, durante um MBA nos EUA, que aceitou o desafio de trabalhar em um banco. Era a equipe do banco holandês procurando alguém que tivesse alguma relação com o setor. O Rabobank, com uma gama de serviços financeiros que inclui consultoria a empréstimos, gestão de riscos e investimentos para produtores rurais e grandes empresas agroindustriais, buscava talentos brasileiros.
Alves começou como estagiária, participou das jornadas de liderança propostas pela instituição e afirma que procurar saber o seu espaço e no que poderia acrescentar moveu seus passos. Não por acaso, ela foi uma dos 12 executivos escolhidos no mundo todo, em 2021, para uma academia global de desenvolvimento de talentos visando o topo da instituição. “Sempre quero saber no que eu faço diferença”, diz Alves. “Não gosto de saber que estou parada.”
Por isso, sua chegada ao posto de CEO do Rabobank, em vez de causar surpresas e alvoroços, seguiu um passo a passo meticuloso, como deve ocorrer na ocupação de cargos C-level que demandam tempo de maturação e oportunidades. O anúncio entre quatro paredes, com os executivos holandeses, veio em novembro do ano passado. Em 1º de dezembro, na festa de final de ano no Brasil, o anúncio foi estendido a toda a corporação. “Sobre o futuro, tenho uma certeza absoluta: as mentorias para mulheres vão se intensificar e os espaços serão cada vez mais ocupados com oportunidades iguais porque os talentos estão aqui”, diz ela.