“Falaram que eu era louco em 2012”, diz Marino José Franz, produtor rural de Lucas do Rio Verde (MT), que em 2023 completa 60 anos, uma das personalidades mais influentes do setor do agronegócio. “Mas eu sabia do potencial disso aqui”. Do pequeno hall de entrada, o “disso aqui” a que Franz se refere está às suas costas: uma monumental estrutura de produção de etanol, a FS, a primeira usina do Brasil a processar exclusivamente o milho para fazer biocombustível, inaugurada em 2017 no município.
Na época, o investimento foi de US$ 115 milhões. Até o meio deste ano, Franz inaugura mais uma unidade, a terceira, e até 2026, a quarta planta produtora em Mato Grosso, saindo dos atuais 1,4 bilhão de litros de etanol de cereal, por ano, para 5 bilhões de litros no final dos investimentos. A segunda unidade está em Sorriso, inaugurada em 2020, e a que entrará em operação está em Primavera do Leste, um investimento da ordem de R$ 2 bilhões.
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De “louco” a visionário, Franz tem uma resposta para a incompreensão daquela época: “para investir em Mato Grosso você tem que conhecer o Brasil” que, traduzindo, é saber das suas demandas e como atendê-las. O Mato Grosso é, por vocação histórica, um estado exportador. Tem a terceira maior área, atrás do Amazonas e Pará, para uma população minúscula de 3,5 milhões de habitantes. Para comparação, a zona leste da cidade de São Paulo tem 4,6 milhões de habitantes.
Hoje, a FS é uma companhia que fatura R$ 6,6 bilhões registrados no seu balancete do ano passado, com um Ebtida de R$ 2,6 bilhões (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) e uma margem líquida (fração de cada real de vendas que se transformou em lucro, ou o valor que sobra) de 22,4%. A empresa, que faz parte da lista Forbes Agro100, está entre as maiores produtoras de etanol do país, considerando a cana-de-açúcar nessa conta e concorrendo com gigantes como Raízen e BP Bunge, por exemplo.
“Quando nós pensamos em etanol de milho, temos de entender o Brasil, um país de 865 milhões de hectares. Em Mato Grosso, temos uma área de quase 100 milhões de hectares e usamos 11 milhões para agricultura”, vai contando Franz, de como a história do etanol de milho se cruzou com a sua. “Quando eu era prefeito de Lucas (2005 a 2012), o estado produzia 3,5 milhões de toneladas de milho. Conseguimos trazer a BRF para cá, na época Sadia, porque falei que iríamos produzir 15 milhões de toneladas em 2015 para alimentar suínos e aves. Eles foram um dos que acharam que eu era louco.” E Franz vai emendando: “aí, quando vendemos a ideia do etanol de milho, usamos a mesma lógica. Neste ano, Mato Grosso vai produzir cerca de 45 milhões de toneladas, mas em 2026 serão 75 milhões de toneladas de milho. O Brasil saiu de importador de milho para exportador e ainda tem para o etanol que é milho com valor agregado”.
Ao citar “vendemos a ideia”, Franz se refere ao milionário norte americano Bruce Rastetter, com o qual tem a joint venture de um complexo produtivo de etanol nos dois países, a FS Agrisolutions, onde ele hoje faz parte do conselho. Aqui, um parêntese: nos EUA, a dupla começa no ano que vem a produzir querosene para aviação a partir, também, do milho. “No Brasil, nós não temos um marco regulatório para querosene de milho e essa é a nossa primeira batalha.” Franz desconversa, mas garante que já tem um movimento nesse sentido para colocar na pauta do governo federal uma regulamentação para o mercado brasileiro.
Nos últimos seis anos, os investimentos do Brasil no setor do etanol de milho foram da ordem de R$ 15 bilhões e outros R$ 15 bilhões devem ser investidos até 2030, segundo a Unem (União Nacional do Etanol de Milho). Os investimentos são em usinas exclusivas de milho, e também de usinas que processam cana e o cereal. Na safra 2022/2023, o Brasil produziu 4,39 bilhões de litros de etanol de milho, volume que representa 13,7% do total de etanol produzido no país. Contando o Mato Grosso são 18 usinas em operação em Mato Grosso do Sul, Goiás e São Paulo. A estimativa é chegar a 10 bilhões de litros de etanol de milho até 2030. Atualmente há cerca de 10 projetos de novas usinas, onde está incluída a quarta unidade da FS.
Tecnologia que faz o milho gigante
A tecnologia é fundamental nessa caminhada. Em Lucas do Rio Verde, ela passa pela Fundação Rio Verde, entidade criada em 1992, mas que ganhou relevância a partir dos anos 2000, na mesma toada da demanda dos produtores e das empresas por serviços. A tarefa da fundação é adaptar tecnologias à realidade local, por meio de pesquisa aplicada e da realização de eventos. Todos os anos, seus engenheiros agrônomos, doutores e técnicos, realizam cerca de 400 ensaios sobre pragas, doenças, estudos de variedades, produtividade, além de análise de sementes.
Os serviços e eventos trouxeram no ano passado uma receita de R$ 11 milhões que, espera-se, dobre até 2026 a partir de investimentos, por exemplo, na expansão do laboratório de sementes. “O produtor não pode mais errar”, diz o engenheiro agrônomo, Rodrigo Marcelo Pasqualli, 45 anos, diretor executivo da fundação. “O plantio é a única operação irreversível na agricultura. Não tem como voltar no tempo.”
O foco da entidade são serviços para as três principais culturas: soja, milho e algodão. Historicamente, a demanda sempre foi capitaneada pela soja, mas nos últimos anos o milho tomou o lugar. Questionado sobre quanto da energia da fundação está no milho hoje, Pasqualli não titubeia: “com certeza, mais de 45%, por conta das possibilidades de seu potencial genético.”
A revolução do milho pode ser explicada pelo aumento da produtividade, por ser uma cultura altamente responsiva à tecnologia. “Quando a fundação começou a pesquisar o grão, a produção era de 50 sacas (de 60 kg) por hectare. Hoje, nós temos milho com potencial e possibilidade de 200 sacas por hectare”, diz ele. “Isso impacta diretamente na economia do produtor, onde ele aumenta seu faturamento simplesmente pelo fato da adoção de tecnologia.”
Para ele, a demanda local veio por conta do crescimento do cereal na alimentação humana, na alimentação animal (suínos, aves e bovinos), mas “o principal legado da cultura foi a chegada das usinas de etanol porque elas mexeram com a destinação do cereal”, explica Pasqualli. “Antigamente, nós não tínhamos para quem vender e o milho ficava estocado a céu aberto e não havia uma justificativa para ser competitivo. O produtor colocava esse milho no caminhão e mandava para o Sul/Sudeste, a um custo de R$ 10 a saca e pagando R$ 15 de frete. Mas não é só isso. O milho vai ser menor que a soja em termos de mercado, mas ele justifica outras cadeias.”
Pasqualli se refere aos coprodutos das usinas de milho, porque o etanol é fruto da fermentação do grão. Sobra uma parte preciosa, as fibras altamente proteicas do milho e das leveduras usadas na fermentação, que são vendidas como DDG (Dried Distillers Grains – Grãos Secos de Destilaria) e o WDG (Wet Distillers Grains – Grãos Úmidos de Destilaria). No caso da FS, que utiliza tecnologia norte-americana no processo, esses coprodutos saem com cerca de 40% de proteína, 10% acima da maioria dos produtos de mercado. São ideais como ração animal. Não por acaso, há uma tendência de que os confinamentos de bovinos, hoje espalhados pelo país, comecem a migrar para as imediações das usinas de milho pela facilidade de acesso a esse alimento proteico.
No ano passado, a FS processou 3,3 milhões de toneladas de milho. Os coprodutos renderam 1,2 milhão de toneladas e representaram 19,5% da receita operacional – o etanol ficou com 75% e os restantes 5,4% vieram de bioenergia e revenda de alguma sobra de milho. “A curva de crescimento do milho nos próximos anos vai ser muito maior que a curva de crescimento da soja”, diz Franz, que é um dos usuários dos serviços da fundação e também vice-presidente do conselho curador. “Sim, vamos ser um grande vendedor de milho in natura, mas é mais inteligente transformar esse milho gerando valor agregado.”
Assim como Pasqualli, ele não tem dúvida do impacto do milho na renda do produtor e dá números. “Se puxarmos o histórico da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), em 2016, só para equalizar o preço mínimo do milho, o governo federal teve que fazer um cheque de R$ 2 bilhões”, afirma Franz. “Hoje, o preço mínimo da saca de milho está em cerca de R$ 23 e o preço de mercado, em torno de R$ 60. Então, todo mundo ganhou: a revenda de insumos, quem vende máquinas, a sociedade como um todo. No ano passado, a FS recolheu R$ 540 milhões em impostos estaduais, mais R$ 85 milhões de FETHAB (Fundo Estadual de Transporte e Habitação) uma contribuição sobre as commodities agrícolas destinada a financiar obras de transporte, habitação e infraestrutura.