A mudança da economia tradicional para a economia verde está em andamento. Sofreu um tropeço com a pandemia e a guerra na Ucrânia, que interferiram na questão ambiental e climática, levando governos de países ricos a autorizarem a produção agrícola em áreas reservadas à proteção do meio ambiente e a retomarem a queima de carvão em termoelétricas paradas há anos. A defesa do meio ambiente teve que ser postergada por algum tempo para haver garantia de oferta de comida e de energia. Mas isso passará e a necessária busca pela descarbonização voltará em breve.
No entanto, essa descontinuidade temporária gerou uma porção de medidas e debates superinteressantes, como foi o recente “acordo” anunciado entre o Conselho e o Parlamento europeus quanto à proibição de importação, pela Europa, de produtos agrícolas oriundos de regiões desmatadas a partir de 31/12/2020.
A grande questão que essa polêmica resolução trouxe foi: isso deve contribuir para a redução do desmatamento ou será apenas uma nova barreira não tributária ao comércio agrícola mundial, que favorecerá quem já desmatou tudo em detrimento de países tropicais? Isso será objeto de grande debate ao longo dos próximos meses, uma vez que a expectativa dos agentes econômicos do Velho Continente é que a resolução entre em vigor a partir de 2024.
No entanto, dois pesquisadores (Daniel Vargas, da FGV, e Luis Gustavo Barioni, da Embrapa) publicaram, em agosto, um artigo na Revista Agroanalysis, da FGVAgro, com uma interessante discussão sobre uma espécie de “dois pesos e duas medidas” na definição do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) quanto à responsabilidade sobre a emissão de gases do efeito estufa (GEE): segundo eles, a contabilidade climática da respeitada instituição tem um viés no mínimo curioso.
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Trata-se de uma diferença na medição das emissões de gases de efeito estufa na produção e consumo de alimentos e de petróleo e seus derivados. No caso dos alimentos, a responsabilidade pela maior parte das emissões é dos seus produtores; no caso do petróleo, ela é dos consumidores. Em outras palavras: está estabelecido que quem mais emite GEE na agricultura é o criador de boi ou plantador de soja, milho e alface.
Todo o processo de industrialização e distribuição do alimento fica aliviado. É uma visão estranha, uma vez que um boi criado numa pastagem tecnicamente conduzida tem suas emissões de metano neutralizadas pelo sequestro de carbono feito pelo capim: o carbono fica imobilizado no solo. Idem para soja ou qualquer outro produto do agro. E o consumidor do alimento não emitiria nada?
Já no caso dos derivados de petróleo (gasolina, diesel e gás) se definiu que quem emite é o consumidor, com seus carros, caminhões ou aquecedores. Nessa conta, o produtor do petróleo, que o extrai do fundo do mar, não emite GEE da mesma forma que o produtor de comida.
Eis um tema sobre o qual a Academia deve se debruçar: haveria alguma injustiça ou distorção nessa avaliação?
Roberto Rodrigues é engenheiro agrônomo, agricultor, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV e embaixador especial da FAO para Cooperativas. Participa de diversos conselhos empresariais, institucionais e acadêmicos.
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Artigo publicado na edição 104, de dezembro de 2022.