A Corteva Agriscience, uma das maiores empresas multinacionais de agroquímicos, sementes e soluções biológicas, vai aumentar em US$ 400 milhões (R$ 2 bilhões na cotação atual) os recursos que destina a uma das áreas mais sensíveis das empresas de tecnologias agropecuárias: a corrida pela tríade formada por inovação, pesquisa e desenvolvimento. Até 2025, a Corteva passa a aplicar, ao ano e globalmente, US$ 1,6 bilhão (R$ 8 bilhões), ante o atual valor de US$ 1,2 bilhão. Lembrando que o Brasil é o maior mercado da América Latina e ocupa o terceiro posto para a companhia no mundo, junto com EUA, berço da Corteva, e Europa. Para 2023, a estimativa é de uma receita líquida global acima de US$ 18 bilhões.
“Vamos colocar US$ 1,6 bilhão por ano no agro”, diz Ana Cláudia Cerasoli, presidente da Corteva Agriscience para o Brasil e Paraguai. “Porque a agricultura é biologia e a biologia é sábia. Ela te leva sempre a procurar inovações para os seus vários desafios. A natureza sempre vai estar em um constante movimento de adaptação, daí a necessidade de buscar soluções entendendo esse mundo em evolução.” Do grego, bio significa vida e logos vem de estudo, ou seja, a biologia é o ramo da ciência e da pesquisa que estuda a vida.
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Cerasoli tomou posse do atual cargo em janeiro deste ano, com o desafio de impulsionar os negócios da Corteva em uma região considerada chave no mundo. A escolha da executiva para comandar esses negócios não foi por acaso. Na empresa desde 2000, quando a divisão agro ainda era uma subsidiária da DuPont, Cerasoli tem um conhecimento acadêmico profundo que trouxe da química – ela é engenheira química pós graduada em proteção de cultivos –, casada com a vasta experiência em gestão executiva nos vários cargos que exerceu. Antes de assumir o Brasil, ela foi por quatro anos presidente da região chamada Meso-Andina, a partir do México. “Investimento na área de pesquisa e desenvolvimento faz parte das decisões estratégicas”, diz a executiva. “Porque esse universo das pragas e das doenças, isso realmente tira o sono do produtor.”
Os caminhos da pesquisa e inovação
Durante a conversa para esta reportagem à Forbes, em uma tarde de agenda lotada, mas com um didatismo minucioso, Cerasoli vai costurando aquilo que parece estar na primeira página de sua agenda: produtos biológicos, edição de genes e agricultura e pecuária de precisão. Sim, porque a Corteva tem, além da área de grãos, hortaliças, cana-de-açúcar, citrus, algodão e café, uma forte estrutura, presença e técnicos de longa data e experiência na bovinocultura. Lembrando que a empresa nasceu da fusão de Dow e Pioneer, mais DuPont, sendo as duas primeiras quase centenárias em tecnologias para a produção animal.
“A ILP (integração lavoura-pecuária), para um país que tem 8% de sua área de pastos, a grosso modo, nesse sistema, haverá maiores investimentos porque tem um espaço para crescer em área de pastos degradados”, diz Cerasoli. “ E em pastagem temos uma tradição de mais de 70 anos, continuamos líderes, com conhecimento, vivência e experiência”.
A empresa mantém uma equipe exclusivamente voltada à pastagem, com técnicos que remontam a até 20 anos na empresa, afirma a executiva. “Porque, enquanto em soja e milho, por exemplo, o grande foco está na produtividade, em como aumentar a cada ano o rendimento por área, na pecuária se entra em outros temas. Como aumentar e apoiar a questão nutritiva do animal, a sustentabilidade na fazenda, o manejo das áreas de qualidade do pasto. Se não houver uma equipe especializada, você não fala a mesma língua.”
No caso dos cultivos, Cerasoli diz que, embora as pesquisas precisam de tempo e visam o longo prazo, sua construção se faz safra a safra. “Porque um ano nunca é igual ao outro e são necessárias ações imediatas”, afirma. “Temos trazido para o campo muita inovação, com novas moléculas, formulações, com um movimento da pesquisa que busca ter um produtor que use cada vez menos agroquímicos nas lavouras, porém com biotecnologias mais eficientes. Esse é o futuro.”
Por exemplo, com os EUA um pouco mais à frente, “mas com o Brasil logo alí”, como afirma Cerasoli, a Corteva vem fortalecendo um conjunto de inteligências de uso de drones e satélites para mapeamento e identificação de plantas daninhas. “É um desenvolvimento nosso mesmo, interno, com algumas áreas de colaboração em equipamentos.” Para a empresa, esta é a linguagem das gerações mais jovens e super high techs também para o que ocorre no campo. No caso de plantas daninhas e pragas, imagens de satélite nas aplicações de precisão falam a linguagem da sustentabilidade para essa geração. “Porque, com a tecnologia, você é capaz de entender onde estão os seus problemas, usar a geolocalização e passa a ter a possibilidade de fazer aplicações específicas, com as formulações necessárias nas áreas foco e assim reduzir a aplicação em uma cultura.”
A empresa está na fase de mapeamento para que o software desenvolvido consiga “ler” as plantas daninhas. Isso porque há um conjunto comum delas no mundo, mas muitas não são as mesmas em todos os países. Os EUA têm as suas, o Brasil tem outras, a Argentina também, além do comportamento dessas pragas e doenças nas diferentes estações do ano. “No Brasil, a gente tem um conjunto de plantas daninhas que não é pequeno. Então, nosso foco está em fazer a inteligência do processo para entender exatamente a planta daninha dessa modelagem comercial. Para cada cultura há a sua realidade de plantas daninhas.” A estimativa é de que em dois ou três anos essas tecnologias digitais estejam maduras para o mercado.
Edição gênica para o mercado
Na área de edição gênica, Cerasoli fala de um insumo básico, as sementes usadas nas lavouras. Embora, na média, elas representem cerca de 3% do custo total de uma lavoura, sua escolha pode determinar o sucesso ou não de uma safra. Somente para a soja, a mais importante cultura, o setor de sementes movimentou cerca de R$ 20 bilhões na safra encerrada no ano passado.
A edição gênica está totalmente conectada à chamada 5ª geração desse insumo. “Não é somente olhar para o germoplasma, de trazer sempre o melhor em melhoramento genético, mas também trazer a biotecnologia para esse cenário”, afirma Cerasoli. No caso da soja, a área de pesquisa trabalha na proteção de cultivos somada à genética de produtos de alta performance de sementes. Atualmente, a biotecnologia está trazendo tolerância para três herbicidas e não deve parar por aí. Nos detalhes técnicos significa como dar respostas para plantas invasoras, como a buva, o caruru ou capim-amargoso. Estudos mostram que uma planta de buva, por metro quadrado de área, pode causar redução de produtividade na faixa de 14%. Para o capim-amargoso, a queda da produtividade pode passar de 20%.
“A edição genética é a nova grande revolução, um novo salto de tecnologia. Na ciência, ela não é de ontem, mas começa a entrar no dia a dia do pesquisador e há uma percepção de que ela rapidamente vai entrar no dia a dia do consumidor”, diz Cerasoli. “Na área da medicina, ela já está fazendo revoluções em tratamento de doenças, em buscar soluções que hoje não existem. O Alzheimer é um exemplo.” Para ela, tomando apenas um detalhe, na pesquisa do agro, a edição de genes acelera a velocidade com que os desenvolvimentos vão ser feitos para entender a grande quantidade de características de plantas.
Outra grande linha de investimentos, formada pelo insumos biológicos, já está mais presente nos dias atuais. Em março, a Corteva concluiu a aquisição da espanhola Symorg, especializada em tecnologias microbiológicas, e da norte-americana Stoller, uma das maiores empresas independentes do mundo no setor de biológicos. Somente na compra da Stoller o valor estimado foi de US$ 1,2 bilhão. “A gente entende que o futuro é biológico e por isso uma parte importante do aumento do investimento global vai para essa área”, diz Cerasoli. “A Corteva tem tomado decisões estratégicas que vão se somando.”
De acordo com ela, as experiências dessas empresas, de mais de 50 anos de estudos e pesquisas, vão ajudar na transferência de tecnologias para o produtor. E mais, ela diz que o produto biológico tem um campo enorme, do qual muitas vezes o produtor não se dá conta e que está relacionada à nutrição das plantas.
“O biológico leva a planta a ter mais nutrientes para poder se desenvolver ou, muitas vezes, ele faz com que a planta fique tão tão saudável, tão protegida, que sua resistência a uma determinada praga ou doença aumenta, ou ela aguente um estresse hídrico maior, por exemplo.” Para Cerasoli, essa é uma nova mentalidade no agro, não de controle, mas de proteção e nutrição para que a planta tenha, ela mesma, a capacidade de se defender.
“Há 10 anos, 20 anos, havia muita resistência aos biológicos e parecia que a gente falava bobagem”, diz. “Hoje, do ponto de vista da sustentabilidade, e para quem trabalha com a ciência, a gente entende que a percepção do que são os biológicos vai ajudar muito a explicar o motivo deles serem mais uma ferramenta das boas práticas. E essa tarefa cabe às empresas do setor.”