Uma missão do estado de Mato Grosso esteve em quatro províncias chinesas para tentar entender o momento de seu maior parceiro comercial e descobre que novos valores transformarão em breve as relações comerciais daquele gigante com seus fornecedores de uma maneira difícil de dimensionar. Na China, quando o governo central toma uma decisão, as coisas mudam com velocidade surpreendente.
O objetivo da missão liderada pelo Imac (Instituto Mato-grossense da Carne) foi o de fortalecer a comercialização da carne sustentável de MT e ajudá-los a intensificar sua produção interna, sem intermediação de instituições ligadas a nossos concorrentes da Europa ou dos EUA. Durante a missão, que aconteceu no mês passado, foi assinado um memorando de entendimento entre o Imac, o GEI (Global Environmental Institute) e a província de Tianjin, em Beijing.
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Trata-se de demonstrar, com dados e informações críveis, os atributos de nossos produtos e principais desafios que estamos superando, já que aquele mercado responde hoje por 31,9% das exportações do agro brasileiro, num total de U$ 50,79 bilhões. Segundo o IMEA (Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária), somados carne bovina, soja, milho e algodão, o estado responde hoje por U$ 25,26 bilhões das exportações à China. Somente de carne bovina foram R$ 3 bilhões, ou seja 11,87% do faturamento da agropecuária de MT.
Em 2019, quando insisti em falar, em uma reunião com importadores de Shangai, sobre produção sustentável de MT, áreas destinadas à conservação, ILPF (integração lavoura pecuária e floresta), balanço de CO2 etc… fui interrompido com um “presta atenção” que até hoje não consigo esquecer: “A carne que vem do Brasil é para a indústria de processamento, carne enlatada, não queremos saber de sua história ou de sustentabilidade”, disse um importador.
Realmente, até hoje, o que mais importa para eles é o preço, mas esta situação vai mudar rapidamente. No seminário que organizamos em Pequim, percebemos claramente que autoridades ligadas ao governo, formadores de opinião, pesquisadores e academia, já estão conectados com a nova agenda de meio ambiente e clima, implementando rapidamente programas como frota de ônibus 100% elétricos e reflorestamento de áreas estratégicas (um dos maiores do mundo), sempre com foco na segurança alimentar, tentando reduzir sua dependência de países como o Brasil, EUA e Austrália (no caso da carne bovina).
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Essa mudança de paradigma aconteceu quando Trump abandonou o acordo de Paris e a pauta ambiental, deixando um vácuo que não passou despercebido pelo presidente Xi Jiping, que está agindo com velocidade para se projetar como líder global em políticas verdes.
Foi este cenário que nos encorajou a seguir adiante em nossos esforços para apresentar a pecuária de Mato Grosso como capaz de atender as crescentes exigências que já se fazem sentir no mercado chines, oferecendo segurança alimentar, segurança climática e segurança política.
Indicadores alimentares
Tentamos exaltar nossas vantagens competitivas em relação aos concorrentes, explicando nossos avanços e os desafios que estamos enfrentando, principalmente os relacionados a implementação do Código Florestal e as dificuldades em erradicar o desmatamento ilegal da cadeia.
Mais ainda, oferecemos dados e indicadores que demonstram nossas virtudes naturais e os enormes avanços na adoção de modelos tropicais de produção baixo carbono que respeitam os limites de nossos sistemas naturais riquíssimos em biodiversidade, água e energia renovável, num território de dimensões continentais, que coloca o Brasil como principal protagonista frente a seus concorrentes no mercado global.
Segundo dados da Embrapa, 64,77% do território de MT, cerca de 58 milhões de hectares, estão destinados à conservação, sendo 34% dentro das propriedades rurais. Explicamos aos chineses que temos um Código Florestal único no mundo, que regula o uso do solo e obriga a conservação da vegetação nativa dentro das propriedades rurais, estratégia corajosa que coloca o Brasil na vanguarda da agropecuária sustentável.
No mercado da carne bovina, temos como principais concorrentes na Ásia a Austrália e os EUA, países que não obrigam seus produtores rurais a destinar parte de suas propriedades à conservação. Segundo dados da Embrapa, EUA conta com aproximadamente 33% e Austrália 25% de seus territórios destinados à conservação da biodiversidade, muitas vezes em áreas inviáveis a produção, como os desertos centrais da Austrália ou o Alasca.
O produtor rural brasileiro utiliza, em média, 50,1% dos seus imóveis rurais, custeando a conservação com seus próprios recursos. No total, são 25,6% do território nacional (218 milhões de hectares), representando o valor anual de aproximadamente R$ 6 trilhões em pagamento por serviços ambientais, ainda não remunerados e que beneficiam todo o planeta.
“Ao importar a carne de Mato Grosso, a China está importando também conservação de biodiversidade e garantia de serviços ambientais prestados gratuitamente”, foi nosso discurso, invertendo a lógica neocolonialista refletida nas frequentes normativas da nova legislação europeia.
Em 2022, pelo aumento de chuvas, chegamos a aproximadamente 90% de nossa energia produzida de forma renovável, sem falar do etanol, cujo hectare de cana transformado em álcool e utilizado em substituição à gasolina propicia uma redução de 12 toneladas nas emissões de CO2 por hectare/ano (Embrapa Agrobiologia).
Ainda temos, no Brasil, 89,1 milhões de hectares de pastagens degradados, 11 milhões em Mato Grosso, em estágios intermediário ou severo de degradação para serem utilizados (Lapig/UFG), o que nos permite produzir mais alimentos nessas áreas, que já estão desmatadas, nos colocando em posição estratégica para a segurança alimentar chinesa e global, sem contar o potencial de fixação de carbono no solo.
Os dados abaixo de pesquisa da McKinsey “Agricultor Brasileiro: Mais Digitalizado e Adotando Práticas Mais Sustentáveis do que os Concorrentes”, dá também alguns indicadores:
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No Brasil, mais de 80% dos agricultores utilizam o plantio direto (nos países de clima temperado, por causa da neve, não é possível realizar duas safras nem o plantio direto);
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61% dos agropecuaristas brasileiros usam alguma forma de controle biológico para combater pragas, melhorar a nutrição e a fertilização das plantas (30% nos EUA).A estes dados juntam-se os resultados da pesquisa do Serasa Score ESG Agro, citados por Marcelo Pimenta, head de Agronegócio da Serasa Experian:
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Amostra de 163.600 produtores rurais que contrataram crédito em 2022, 99% deles estão em conformidade com as ações ESG e atendem a legislação;
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1% apresenta infrações gravíssimas e pode ser considerado detrator do agronegócio;
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Esse 1% concentra 100% de infrações gravíssimas (trabalho escravo e embargos), 35% de todas as infrações ambientais e 14,5% de todos os processos;
Segurança política e diplomática
Mas, talvez, o maior risco – e pouco falado –, seja o potencial conflito que envolva Taiwan ou o Mar da China, o que colocaria o fornecimento da carne americana e australiana em risco. Já pelo histórico da nossa diplomacia , os chineses devem contar com um fornecimento seguro e crescente do Brasil e principalmente de Mato Grosso.
Aos poucos vamos assumindo a narrativa e nos libertando do nosso complexo de país de segunda categoria, sentimento infligido pelos países ditos desenvolvidos e que rebaixou por tanto tempo a autoestima do povo e também do agro brasileiro.
Estamos tentando, no Brasil tropical, à custa de muita pesquisa pioneira e trabalho sério, reverter um modelo insustentável de produção e consumo que nos legou o primeiro mundo e ainda prevalece na Europa e demais países do hemisfério norte.
Os chineses estão percebendo que a revolução verde e sustentável chegou para ficar e que será muito caro deixar sustentáveis as commodities agrícolas dos EUA, Europa e Austrália. Já o Brasil, apenas precisará implantar um sistema de rastreabilidade confiável e validado pelos próprios governos envolvidos: Brasil e China.
*Caio Penido é pecuarista na região da Serra do Roncador, em Mato Grosso, e presidente do IMAC (Instituto Mato-grossense da Carne). Foi o mentor da Liga do Araguaia, movimento que nasceu em 2015 visando a adoção de práticas sustentáveis e que em 2021 se tornou o Instituto Agroambiental Araguaia.
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