A mestre em engenharia química pelo Imperial College London, Benjamina Bollag, CEO da startup britânica Uncommon – anteriormente conhecida como Higher Steaks – está determinada a conquistar 5% do mercado global de carne suína até 2035.
Bollag e a co-fundadora Ruth Faram criaram a Uncommon como “uma empresa de biocriação que utiliza o poder das células para enfrentar os desafios mais urgentes para a nossa saúde, começando pelo porco cultivado”, diz ela. Mas por que escolher o porco? Porque ele é o favorito dos consumidores em um mercado de carne que está caminhando para um movimento de US$ 427 bilhões até 2040. No entanto, em vez de criação, ela quer oferecer ao mercado e em escala uma deliciosa iguaria cultivada.
Comparado ao bacon à base de plantas, com imitação pouco convincente aos olhos do consumidor, as fatias estriadas da Uncommon querem ser consideradas um produto legítimo. “Certa vez, fizemos uma degustação e alguém que chegou atrasado pensou que éramos o serviço de um delivery chinês”, conta Bollag. É uma conquista de peso, considerando que esses produtos de carne foram gerados a partir de apenas uma célula animal.
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Tendo sido criada em um lar que valorizava a boa comida, Bollag se diz empenhada em oferecer um produto que os consumidores apreciarão tanto quanto a carne tradicional. “É garantir que ele tenha a mesma aparência, sabor e realmente a mesma sensação para o consumidor, para minimizar os atritos comparativos.”
Uma nova forma criativa de cultivar carne
Por trás dos US$ 30 milhões da série A da Uncommon, liderados pela Balderton Capital, uma das quatro maiores empresas de capital de risco, com sede em Londres, que investe em startups de tecnologia e internet em estágio inicial na Europa, e pela Lowercarbon Capital, gestora norte-americana que investe em startups relacionadas a soluções climáticas, está uma abordagem potencialmente inovadora para a carne cultivada. “Somos a única carne cultivada que utiliza tecnologias de RNA”, diz Bollag. “Acreditamos que temos uma vantagem competitiva que pode ajudar a nos tornar a maior empresa de proteína do mundo”.
Mas como funciona essa tecnologia? Assim como a Meatable, uma startup que produz salsichas e bolinhos de carne suína, a Uncommon começou com uma célula-tronco pluripotente. Uma célula que pode se transformar em qualquer outra. Mas, em vez de usar edição genética, que enfrenta grandes obstáculos regulatórios na Europa – e que é o segundo maior mercado de carne suína do mundo – a Uncommon usa o RNA. O RNA, irmão do DNA, tornou-se famoso graças às vacinas contra Covid-19 baseadas em mRNA.
Ela é a ferramenta de programação celular da natureza. Pequenas moléculas de RNA estão constantemente ativando e desativando genes nas células, como um dimmer. Muitos deles são responsáveis por ajustar como as células se desenvolvem em um organismo em crescimento, regulando a fisiologia ou até mesmo protegendo contra doenças.
A Uncommon usa o RNA para induzir células-tronco a se tornarem células musculares ou de gordura – e até mesmo para melhorar o sabor da gordura – de forma rápida e direcionada. “Usamos diferentes tipos de RNA para expressar o principal regulador muscular”, explica Bollag. “Podemos fazer isso em três dias. Se você olhar para os métodos tradicionais de transformar células-tronco em músculo, levaria mais de 30 dias, às vezes 50”, completa.
Mas será que isso é sustentável? Relatórios recentes questionaram a viabilidade de longo prazo da carne cultivada. Um preprint amplamente divulgado analisou um ciclo de vida típico com base em tecnologias contemporâneas e sugeriu que uma indústria futura seria mais poluente do que a carne bovina, por exemplo.
Há muitos críticos nesse sentido, que apontam para a produção intensiva de energia de ingredientes como algo potencialmente tóxico. Para os defensores da carne cultivada, a mudança é uma questão de tempo, como ocorreu com o primeiro computador de Babbage, que na época recebia muitas críticas, mas a vida hoje é praticamente impossível sem a computação.
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A indústria de carne cultivada é um setor nascente, e fundadores como Bollag assumem seu papel pioneiro. “Feita de forma inadequada, a carne cultivada pode ser insegura e insustentável”, afirma ela. “Mas feita corretamente, pode ser – e acredito que será – o maior e melhor impacto na saúde que este mundo já viu. Acredito que se trata de fazer as coisas da maneira certa. É garantir que as coisas sejam sempre seguras, garantir que sejam sustentáveis, obtendo energia da fonte certa.”
Fazendo as coisas da maneira certa
O governo do Reino Unido concorda com esse caminho, tendo concedido à Uncommon uma bolsa de US$ 1,2 milhão do Innovate UK, a agência nacional de apoio às tecnologias. Isso porque startups como a Uncommon estão fazendo a lição de casa de forma incomum. Um dos princípios chave da Uncommon é a resiliência consciente, uma abordagem criativa que eles acreditam ajudará a superar os problemas relacionados à escala. Ou seja, só porque algo não existe agora, não significa que nunca existirá.
Para começar, o RNA elimina os fatores de crescimento e as pequenas moléculas tóxicas citadas nas críticas recentes à carne cultivada. “A abordagem do RNA é realmente interessante porque, se compararmos com os fatores de crescimento, precisamos de muito menos, o que naturalmente se torna mais sustentável”, diz Bollag. “Há muito hype em nossa indústria, mas estou confiante de que o trabalho de nossa equipe com o RNA é um golpe de mestre”, completa.
Não é por acaso que o recente investimento da Série A tem como objetivo ajudar a concretizar esse potencial. O primeiro passo da Uncommon para a sua expansão é a implantação de uma estrutura piloto de 1.400 metros quadrados, em Cambridge, Inglaterra. Depois disso, a startup deve buscar aprovação regulatória para cumprir sua ambição de chegar a uma fatia de 5% do mercado global de carne suína nos próximos anos.
“A indústria de carne cultivada enfrenta desafios significativos, desde o custo dos materiais até a regulamentação e a escala”, diz Daniel Waterhouse, parceiro da Balderton Capital. “Mas estamos convencidos de que a Uncommon tem a fórmula para se tornar um líder global que transformará a forma como comemos e desfrutamos da carne.”
Embora aposte alto, Bollag não tem ilusões de que esse será um caminho fácil. “O uso da tecnologia de RNA é complexo, e a base científica que estamos construindo não é para os fracos”, afirma ela. “Nós não provamos tudo, senão já estaríamos nos supermercados, certo? Temos desafios à nossa frente. Mas temos muitos motivos para acreditar que o uso da tecnologia de RNA é o caminho certo para escalar a produção de carne cultivada, sem as complicações, custos e riscos das opções existentes hoje. E se estivermos certos sobre isso, estaremos realmente no caminho ideal.”
* John Cumbers é colaborador da Forbes EUA, fundador e CEO da SynBioBeta, comunidade de inovadores, investidores, engenheiros e pensadores da biologia sintética. Texto traduzido e adaptado pela Forbes Brasil.