Poucas pessoas sabem que a mais antiga vinícola, ainda em funcionamento, de todas as Américas – Norte, Central e Sul – está no México. Fundada em 1597, a Casa Madero, que originalmente se chamava Bodega San Lorenzo, recebeu do Rei Felipe II da Espanha uma concessão de terras no Valle de Parras, no estado de Coahuila, norte do país, para plantar videiras e produzir vinho.
Esta é uma curiosidade sobre um país que, embora produza vinhos premium, globalmente não está entre as estrelas do mundo vinícola. Mas a condição está com os dias marcados para terminar, apostam os produtores de uva. Em busca de espaços qualificados, o número de vinícolas no México quadruplicou na última década, com muitas delas adotando práticas agrícolas sustentáveis como modelo de negócio para ser mostrado ao mundo.
Leia também:
- A revolução que mistura vinho, arte e turismo na Chapada Diamantina
- Na Mantiqueira, vinícola junta vinhos premiados a gastronomia
- Do campo à lata, como uma startup de vinho quer atrair a geração Z
“O desenvolvimento de vinhos premium não é novo no México, e o número de vinícolas e o consumo nacional de vinho estão aumentando a cada ano”, afirma Carlos Borboa, especialista em vinhos mexicanos e diretor para todas Américas no Concours Mondial de Bruxelles, na Bélgica, evento referência global em competições de vinhos. “Além disso, há uma real intenção de tornar a indústria vinícola mexicana mais sustentável e algumas já são certificadas como ‘orgânicas’, de acordo com o padrão do Programa Nacional Orgânico do USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos).”
O crescimento do número de vinícolas
Em 2012, havia cerca de 100 vinícolas mexicanas, de acordo com a Wines & Vines Analytics. Atualmente, com dados fechados no ano passado, são cerca de 400 vinícolas, segundo um levantamento realizado por Sergio Gonzales, escritor e sommelier de vinhos mexicano. Para a pesquisa, Gonzales consultou diversas fontes, incluindo o Conselho Mexicano do Vinho, a OIV (Organização Internacional do Vinho), e os 15 estados mexicanos que atualmente produzem vinho no país.
Gonzales relatou em uma apresentação recente: “Até o verão de 2022, o México possuía 35.900 hectares de vinhedos, dos quais 8.600 hectares são usados para produção de vinho e mosto de uva, representando uma taxa média de crescimento constante de 10% ao ano.”
Outras estatísticas do vinho mexicano reveladas no relatório incluem:
- O mercado do vinho mexicano está avaliado em US$ 2,4 bilhões (R$ 11,7 bilhões na cotação atual)
- Consumo nacional: 15 milhões de caixas
- Consumo interno: 1,2 litro per capita/ano
- 5 em cada 10 garrafas consumidas no México são produzidas nacionalmente
- O México exportou 1,45 milhão de litros de vinho em 2021
- Principais importadores: 44% EUA e 12% Japão (o Brasil não importa vinhos do México)
De acordo com o relatório, a maior região produtora de vinho no México é a Península da Baixa Califórnia, onde estão localizadas cerca de 260 vinícolas, produzindo 70% do total nacional. A produção atual da Baixa Califórnia é de 70% de vinho tinto, 20% de vinho branco, 8% de vinho rosé e 4% de vinho espumante.
A segunda maior região produtora de vinho no México é o estado de Coahuila, com 22 vinícolas estabelecidas, mais de 1.000 hectares de vinhedos, produzindo 6.000 toneladas de uvas por ano. Esta é, também, a região vinícola mais antiga do México e o lar da vinícola Casa Madero.
Iniciativas sustentáveis das vinícolas mexicanas
Muitas vinícolas mexicanas estão adotando práticas agrícolas sustentáveis, embora poucas sejam formalmente certificadas. Isso ocorre porque o México ainda não possui sua própria organização de certificação de terceira parte para os vinhos sustentáveis. No entanto, várias vinícolas obtiveram certificação orgânica e/ou biodinâmica por meio de agências certificadoras internacionais.
- Inscreva sua empresa ou cooperativa no Forbes Agro100 utilizando este link
- Siga a ForbesAgro no Instagram
“A Casa Madero em Coahuila é certificada como orgânica, de acordo com a certificação orgânica do USDA”, afirma Borboa. Ele também cita a vinícola Finca La Carrodilla, na Baixa Califórnia, e a vinícola Bodega dos Búhos, em Guanajuato, como certificadas orgânicas. Já a vinícola Santos Brujos, na Baixa Califórnia, não apenas é certificada como orgânica, mas também obteve a certificação biodinâmica Demeter, a maior e mais antiga associação certificadora biodinâmica do mundo.
“Há muitas vinícolas que estão utilizando práticas sustentáveis”, explica Borboa. “Mas, no final das contas, é importante obter a certificação. Dadas as nossas condições climáticas, que são bastante secas na primavera e no verão, os vinhedos mexicanos têm uma vantagem que permite limitar os tratamentos e fazer a transição mais facilmente para uma agricultura rotulada como ‘orgânica’.”
De fato, vários enólogos e proprietários de vinícolas descreveram alguns de seus esforços de sustentabilidade durante um recente tour pela região vinícola de Coahuila. Na vinícola Rivero Gonzales RGMX, por exemplo, segundo o enólogo José Sanchez Gavito, cascas de noz-pecã de seu pomar de nozes certificado como orgânico vêm sendo utilizadas como fertilizante para as videiras. A vinícola também tem mantido a equipe contratada durante todo o ano, diferente do que ocorre nas demais em que a mão de obra é empregada por temporadas. Na Rivero Gonzales, a mesma equipe cuida dos vinhedos e dos pomares de nozes.
Na Vinícola Parvada, o coproprietário Federico Villarreal Gomez contou sobre algumas das práticas de agricultura regenerativa integradas com a criação de gado. O cultivo de capim nas entrelinhas do vinhedo, que serve de comida para os bovinos, ajuda a melhorar a estrutura física do solo, além do esterco servir de adubo natural.
Na Casa Madero, os proprietários e irmãos Daniel e Brandon Milmo, donos de um vinho orgânico de 60 hectares, dizem que atualmente a missão é observar e adaptar as práticas agrícolas para se adaptar ao aquecimento global como, por exemplo, fornecer mais sombra para os cachos de uva ao remover folhas apenas de um lado das videiras. Eles também utilizam plantas de cobertura para reduzir a erosão do solo e proporcionar um habitat para insetos benéficos, além de controlar pragas com minerais naturais e substâncias botânicas.
O promissor futuro do vinho mexicano
Com a expansão rápida de vinhedos e vinícolas no México, o futuro parece ser promissor e o que o setor faz atualmente é buscar por um mercado que o justifique. De acordo com Borboa, “no México, há um sentimento de orgulho nacional pelo vinho. Estamos agora vendo o surgimento de novas variedades de uvas no mercado que podem aumentar a curiosidade dos consumidores.”
Nos dias atuais, um vinho que está ganhando muita popularidade no país é o rosé, assim como ocorre também em outras partes do mundo. “A evolução dos vinhos rosé está em marcha acentuada”, diz Borboa. “O vinho responde a uma demanda muito interessante – a dos consumidores jovens – que estão se tornando cada vez mais numerosos e que são seduzidos por sua cor e possibilidades gastronômicas com pratos apimentados do México, que combinam perfeitamente.”
Outra vantagem, de acordo com Borboa, “é a possibilidade de desenvolver vinhedos em altitudes mais elevadas para aproveitar climas mais frios”, uma saída para contornar o clima mais quente no mundo e que já vem afetando a produção da bebida em várias regiões produtoras.
*Liz Thach é colunista da Forbes EUA, doutora e Master of Wine (MW), professora, escritora e consultora de vinhos, com base em Napa e Sonoma, na Califórnia. Escreveu nove livros, incluindo “Call of the Vine”, “Best Practices in Global Wine Tourism” e “Luxury Wine Marketing” (tradução: João Pedro Isola).