O empresário e herdeiro do Walmart, Lukas Walton, 37 anos, fundador da Builders Vision, uma gigante no mundo de investimentos de impacto, informou nesta semana pela primeira vez, em um relatório de 57 páginas, como aplicou US$ 3 bilhões (R$ 15 bilhões na cotação atual) para amenizar os impactos das alterações climáticas, promover a agricultura sustentável e salvar os oceanos do mundo, entre outros objetivos ambiciosos. Mas, mesmo com esse valor já investido, ele sabe que serão necessários muito mais recursos para essas causas.
“Temos ainda muito capital para impulsionar o negócio, porque estamos falando de um problema de trilhões de dólares”, afirma, em entrevista exclusiva à Forbes, o presidente da Builders Vision, Matt Knott – que já foi presidente da Feeding America, uma ONG norte-americana, e executivo da PepsiCO, antes de ingressar no grupo de Lukas Walton em 2019. “Mesmo que tenhamos um enorme sucesso na nossa empreitada, ela não será suficiente. Precisamos que outros investidores e filantropos se juntem a nós para cumprirmos essa missão”, diz Knott.
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Uma herança destinada a projetos sustentáveis
Walton decidiu, em 2021, que a Builders Vision seria como um guarda-chuva para seu trabalho filantrópico. Hoje, os ativos do grupo incluem US$ 2 bilhões (R$ 10,03 bilhões) em filantropia, US$ 2,05 bilhões (R$ 10,28 bilhões) no seu braço de investimento S2G Ventures e mais outros bilhões – o grupo não especifica o montante exato – na sua empresa de gestão de ativos, a Builders Asset Management.
Com esse montante, até o momento a Builders Vision investiu, financiou ou fez parceria com 450 startups e organizações focadas em mudanças ambientais e sociais. Entre as conquistas destacadas no relatório estão: o desenvolvimento de cerca de 170 produtos e tecnologias sustentáveis; a criação de 42 mil empregos; a instalação de 15.685 megawatts de capacidade de energia renovável, suficiente para abastecer os estados de Iowa e Michigan (EUA); e a mitigação, sequestro ou prevenção de cerca de 4 milhões de toneladas de dióxido de carbono, equivalente às emissões de 870 mil automóveis.
Walton é neto do fundador do Walmart, Sam Walton, e herdou uma fortuna de US$ 23,7 bilhões (R$ 118,8 bilhões), segundo a Forbes, quando seu pai John morreu em um acidente de avião em 2005. Com a herança, ele resolveu se dedicar a projetos em defesa da sustentabilidade e do meio ambiente. Atualmente, também é presidente do comitê do Programa Ambiental da Walton Family Foundation.
Investimentos em diversos setores
A Builders Vision, que se autodenomina uma plataforma de impacto, vem trabalhando para detalhar as influências e resultados gerados pela empresa, reunindo dados do seu portfólio e de outros parceiros. O levantamento analisou dados de janeiro de 2020 a junho de 2023. O maior foco do grupo é a geração de energia renovável, que recebeu financiamento de US$ 1,8 bilhão (R$ 9,02 bilhões). Os setores de alimentos e produção agrícola receberam US$ 1 bilhão (R$ 5,01 bilhões). Os recursos para defender os oceanos somaram US$ 260 milhões (R$ 1,3 bilhão). Apesar da divulgação aberta sobre os números de investimentos, em relação ao retorno financeiro do grupo nesse período, eles permaneceram em segredo.
Para somar força (e dinheiro) à causa, a Builders Vision está tentando convencer mais empresas familiares e investidores de risco a entrarem no negócio. Bill Gates, da gigante Microsoft, é um de que acredita na defesa coletiva para um mundo sustentável. Gates fundou a Breakthrough Energy, que visa acelerar a inovação em energia sustentável. Outro exemplo é Pierre Omidyar, fundador do eBay, um dos maiores sites de comércio eletrônico do mundo, que construiu a Omidyar Network, empresa de investimento filantrópico para arrecadar fundos que possam resolver os problemas climáticos globais.
Para o presidente do grupo, Matt Knott, é preciso encontrar o investidor certo na hora certa. “Se conseguirmos encontrar interessados que sejam orientados por um propósito e que abordem problemas reais do mundo, essa causa pode ser uma oportunidade atrativa para investir”.
Agricultura orgânica na vida de Walton é um caso antigo
A agricultura orgânica conquistou o coração de Walton e não é de hoje. Aos três anos de idade ele foi diagnosticado com um tipo raro de câncer. Como não respondeu bem à quimioterapia, sua mãe decidiu que ele teria uma dieta totalmente natural. Essa mudança, segundo Walton, fez toda a diferença na sua recuperação.
No relatório, a Builders Vision afirmou que mitigou 3,1 milhões de toneladas de dióxido de carbono – o equivalente a 683.761 automóveis de passageiros. Também desenvolveu pelo menos 114 produtos ou tecnologias que promovem a produção e o consumo de alimentos saudáveis. Além disso, o grupo cultiva, de forma sustentável, 1 milhão de hectares de terra.
Viabilizar terras para o plantio orgânico
Outros investimentos do grupo contemplaram a Clear Frontier, com sede em Omaha, Nebraska (EUA), que é uma empresa de investimentos em terras agrícolas e que conta com um projeto que ajuda agricultores na transição do método de produção convencional para o orgânico. Justin Bruch, agricultor de quinta geração de Iowa (EUA), que possui um MBA pela California State University, fundou a Clear Frontier em 2019, depois de ele próprio ter feito a mudança para a agricultura orgânica.
A Clear Frontier compra fazendas que poderiam se tornar orgânicas e depois arrenda as terras para agricultores locais que já cultivavam organicamente ou querem aprender esse método. Um grande obstáculo, segundo Bruch, é que o agricultor é obrigado a ficar três anos sem aplicar insumos químicos na lavoura para cumprir os requisitos do programa orgânico do USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos).
Porém, as áreas são arrendadas pelo período de um ano, o que dificulta a continuidade da implantação do orgânico. “Ninguém quer iniciar um processo que vai durar 36 meses, correndo o risco de que após um ano a fazenda possa ser vendida ou arrendada para outra pessoa que pague mais pela terra”, diz Bruch. “Estamos tentando amenizar esse risco já que somos os proprietários das terras e podemos dar garantia por um período mais longo”, completa. A Clear Frontier possui mais de seis mil hectares em Nebraska, Colorado e Texas. Do total das áreas, 30% já têm certificado de orgânico e o restante está em transição.
Energia limpa é a maior aposta
Dos US$ 3 bilhões que a Builders Vision investiu até o momento, cerca de 60% foram destinados à energia. Embora a maior parte do financiamento tenha sido direcionado para gestores de fundos, também foram repassados valores para empresas como a Electric Hydrogen, que desenvolveu uma tecnologia para produzir hidrogênio verde, e a Brimstone, que fabrica cimento limpo gerado a partir de resíduos das indústrias e que seriam descartados em aterros sanitários.
Frank O’Sullivan, diretor administrativo da S2G Ventures, que supervisiona os investimentos em energia limpa, aponta um exemplo de impasse para a concretização do uso do hidrogênio verde na produção de aço e de amoníaco. “Mesmo que seja tecnicamente possível produzir hidrogênio verde e colocá-lo numa instalação de amoníaco, esses fabricantes de amoníaco não são capazes de dizer: ‘Eu vou fazer um acordo de preço fixo por 20 anos’. Esse não é o modelo de negócios deles”, diz O’Sullivan. “Esse desalinhamento entre modelos de negócios é um enorme ponto de atrito para o progresso.”
Além de instalar 15.685 megawatts de capacidade de energia renovável no ano passado, o grupo diz ter criado quase 26 mil novos empregos em energia limpa. Já segundo Knott, o setor energético agrada mais aos investidores, porém, é preciso se dedicar, também, a outros segmentos. “Nós buscamos financiar esses espaços em ‘branco’, essas áreas que não estão em destaque”,
Salvando também os oceanos
O combate a problemas como a pesca excessiva, a proliferação de microplásticos e a extinção de espécies marinhas, na maioria das vezes, é feito por empresas filantrópicas focadas em questões ambientais, mas essas empresas ainda são poucas. “Nossa ideia foi trazer inovação e desenvolvimento de negócios para os oceanos”, disse Peter Bryant, diretor do programa oceanos da divisão Builders Initiative, da Builders Vision.
Entre as 31 empresas focadas em melhorar a resiliência dos oceanos, que receberam apoio do grupo, estão a Atlantic Sea Farms, que produz algas marinhas colhidas localmente; a Coral Vita, que utiliza um processo chamado de microfragmentação para restaurar recifes de coral; e a Moleaer, que limpa a água com nanobolhas, que é um processo realizado por um equipamento que envolve água e oxigênio e possibilita a oxigenação e a esterilização da água. Outro beneficiado foi o porto de San Diego, na Califórnia, que recebeu recurso para melhorar a resiliência da costa, através do lançamento de 360 bolas de recifes artificiais compostas por sedimentos locais e conchas de ostras para evitar a erosão.
Desde que se concentrou nos oceanos, a Builders Vision trabalhou para proteger ou restaurar 1,96 milhões de hectares de habitats marinhos e costeiros, aproximadamente 33 vezes o tamanho de Chicago; evitou, mitigou ou sequestrou 876.928 toneladas de dióxido de carbono; e produziu 18.124 toneladas de frutos do mar, algas marinhas e outras biomassas, o que corresponde ao consumo anual de frutos do mar de 1.000 pessoas, de acordo com o relatório da empresa.
Calculando o impacto positivo ao meio ambiente
De acordo com Joanna Cohen, chefe de medição e gerenciamento de impacto da Builders Vision, o sucesso desse tipo de empresa não é o retorno financeiro e, sim, quantificar o impacto ambiental, mas essa conta é muito mais difícil de fazer. “Sabemos que não há solução mágica e esperamos apenas aumentar a base de evidências”.
No entanto, embora a riqueza de Walton faça da Builders Vision um dos maiores investidores de impacto do mundo, o grupo espera tornar-se ainda maior, tanto em termos de renda, como de influência. “Não vou dar números específicos, mas acho que podem ser várias vezes maior do que estamos investindo hoje”, diz Knott. “E o mais importante, acho que podemos atrair muito mais se outros investidores se juntarem a nós nesta jornada.”
(tradução: Flávia Macedo)