Em vez de receber o paciente no consultório, o médico abre seu computador para praticar a telemedicina, cada vez mais comum na rotina de clínicas e hospitais. Em vez de lousa, a aula de robótica da escola pública utiliza fios, ventoinhas, baterias e motores ou ensino a distância por meio de cursos de letramento para uso de ferramentas digitais, como modelagem de aplicativos, por exemplo. Essas cenas não ilustram acontecimentos em grandes centros urbanos ou projetos de inclusão de comunidades periféricas.
Elas são uma realidade no interior de Mato Grosso, no município de Água Boa, a 740 quilômetro da capital Cuiabá, no Vale do Araguaia, entre a margem oeste desse rio e a Serra do Roncador, na bacia do Xingu. E mais também não é um projeto urbano, mas consequência de um movimento iniciado em 2019 para levar conectividade às fazendas em todo o Brasil, sustentado por parcerias entre empresas e produtores rurais que, ao instalarem antenas de telefonia, vão impactando o seu entorno.
-
Siga a Forbes no WhatsApp e receba as principais notícias sobre negócios, carreira, tecnologia e estilo de vida
“O agro tem essa coisa de trazer riqueza para todos. Quando foram instaladas as antenas na fazenda e na cidade, só tinha aqui sinal 2G e 3G e com elas veio o sinal 4G, que é melhor e muda tudo. Melhorou muito nosso trabalho na agricultura e também na pecuária. E a cidade reconhece”, diz Pedro Garbuio, 20 anos, um dos herdeiros da Agropecuária Jerusalém, de 4.350 hectares de plantio de soja, além de milho, confinamento de gado e 600 hectares de pastos na integração lavoura-pecuária.
“A fazenda conectada para a agricultura também serve à pecuária porque a gente consegue mensurar os custos de cada operação, por exemplo, um trator de uma área que vai prestar serviço em outra e que são de centros de custos diferentes. Cada atividade é separada, mas a gente consegue ver a lucratividade no conjunto”, afirma Garbuio, hoje responsável integralmente pelo projeto de pecuária.
Fazenda Conectada, no caso da Agropecuária Jerusalém, deve ser escrita em letras maiúsculas por ser o nome do projeto da parceria fechada há dois anos com a Case IH, multinacional de máquinas agrícolas e equipamentos do grupo CNH Industrial, empresa que faturou no ano passado US$ 23,6 bilhões, ante US$ 19,5 bilhões em 2021, e que para este ano prevê um aumento de suas vendas acima de 6%. A iniciativa, que toma 3.165 hectares da Jerusalém, serve para testar as máquinas agrícolas embarcadas com dispositivos digitais e seu desempenho nas lavouras.
Leia também:
- Citrosuco, líder global em suco de laranja, investe em inovação e sustentabilidade
- Embrapa: pecuária sustentável e ILPF atraem delegações de 37 países
- Biotech brasileira tem aporte de fundo internacional para crescer em biológicos
Na safra encerrada, pela primeira vez a equipe da Case IH pôde comparar dois ciclos de colheitas e os benefícios da conexão digital na Agropecuária Jerusalém, que serve como um campo de testes para as tecnologias propostas pela marca. “Inovação a gente não faz sozinho., A gente faz parte de um processo de construção e a Fazenda Conectada é um exemplo dessa integração de máquinas, da agronomia e de gente”, explica Gregory Riordan, diretor de tecnologias digitais e inovação da CNH Industrial para a América Latina e vice-presidente do Conectar Agro, entidade que reúne empresas do agro, de telefonia e soluções digitais criada em 2019 para impulsionar a conectividade no campo.
Na safra 2022/23, a Agropecuária Jerusalém colheu 12.925 toneladas de soja, 18% acima da safra 2021/22. Os resultados econômicos analisados pela consultoria Agricef e pela Universidade de Campinas (Unicamp), impulsionados pela conectividade das máquinas – resultando em uma melhor gestão do negócio –, mostraram que a área de soja monitorada foi 7,4 % mais produtiva que a região de Água Boa, 7,6%maior do que a média de Mato Grosso e 13,4 % superior do que a média do Brasil. Os dados são da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Com as máquinas conectadas, houve uma redução de 5,7% de motores ociosos, ou seja, de colheitadeiras, tratores e pulverizadores parados, e um aumento de 4,2% do tempo de trabalho, o que resultou em uma diminuição de três dias na janela de colheita. Isso significa que mais soja foi colhida no ponto ideal, quando o teor de umidade do grão está na faixa de 13% a 15%. No bolso, o resultado foi uma redução de 25% do consumo de combustível em litros por hectare, ou seja, a fazenda economizou na safra encerrada 51,2 mil litros de óleo diesel no valor de R$ 307 mil.
Extrapolando para toda a soja plantada em Mato Grosso, essa economia poderia chegar a R$ 1,2 bilhão na safra. “A conectividade traz claramente um pacote de benefícios e os números de campo que agora temos não deixam dúvidas. E esses benefícios vão se acumulando. Graças à conectividade, com uma janela menor de colheita, o produtor já corre menos riscos climáticos”, relata Eduardo Penha, diretor de marketing e comunicação da Case IH para a América Latina.
Mas a comparação de maior peso foi feita dentro da própria fazenda. Para isso, foram medidos os resultados da área que utilizou as tecnologias digitais com uma região gerida sem esses processos. O impacto foi de 2,35 sacas por hectare na área conectada, um aumento de 3,5% na produtividade da soja. Além disso, há um impacto ambiental que hoje está no radar do mundo. Com um gerenciamento mais refinado, houve uma redução de 10% na pegada de carbono.
Tomando como base o aumento de produtividade da lavoura e as reduções do uso de combustível e de fertilizante, a fazenda reduziu a emissão em 12,5 quilos de CO2 por tonelada de soja colhida que seriam despejados na natureza. “O fenomenal e fantástico é que, justamente, isso se dá automaticamente pelo uso da conectividade nas propriedades, mostrando que, sim, uma fazenda conectada é mais sustentável”, afirma Penha.
O trabalho de campo, na parceria Case IH-Jerusalém agora consolidada, tende a ganhar escala – e é isso que se busca. As tecnologias digitais cada vez mais funcionam como um plug e use, o que facilita a gestão dos processos sustentados por sistemas de inteligência artificial. Na Jerusalém, por exemplo, se uma máquina para ou se algo não está funcionando corretamente, o que pode levar a uma quebra do equipamento, automaticamente um centro de atendimento toma a decisão de enviar um técnico no local, por exemplo. Esses centros, que funcionam como um cérebro dos avanços tecnológicos, monitoram imagens de satélite, drones, pilotos automáticos, telemetria e meteorologia. Integram máquinas a sistemas operacionais em um conjunto de aplicativos, componentes e soluções digitais para todas as etapas da produção agrícola.
No caso de Água Boa, a expansão das tecnologias digitais pode ser implantada em outras 93 propriedades rurais além da Agropecuária Jerusalém. Esse é o atual alcance das antenas 4G instaladas pela TIM no município e com sinal aberto a essas propriedades. O custo de implantação do sistema na Jerusalém foi de R$ 1,4 milhão (antena, manutenção, kit de telemetria para 10 máquinas e consultoria), com retorno do investimento previsto para 10 anos.
No caso da instalação de antenas, Alexandre Dal Forno, diretor de desenvolvimento de mercado IoT & 5G da TIM e diretor da Conectar Agro, diz que o custo da instalação poderia ser dividido entre as propriedades rurais, acelerando a digitalização. “É esse movimento que estamos iniciando”, afirma. Atualmente, cerca de 70% das propriedades rurais no Brasil ainda não têm acesso à internet. “O que está acontecendo em Água Boa é replicável em todo o país e isso muda a realidade do produtor rural e da sociedade. O caminho está posto”, diz o executivo.