Os protestos de agricultores de vários países europeus, incluindo a concentração de mais de 1.300 tratores nesta quinta-feira (1), em Bruxelas, na Bélgica, foram o centro das conversas de uma cimeira extraordinária de chefes de Estado da UE (União Europeia), quando, inicialmente a questão central era pressionar o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, para levantar o seu veto à ajuda comum à Ucrânia.
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Uma das exigências dos agricultores europeus, em protestos nas duas últimas semanas, se refere ao acordo Mercosul-UE. “Este acordo não pode ser ratificado na sua forma atual”, alertou o primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar, à sua chegada ao Conselho Europeu extraordinário e fazendo eco das recentes declarações do presidente francês, Emmanuel Macron, para quem as condições do acordo de comércio com os países do Mercosul são inaceitáveis.
A França exige que as chamadas “cláusulas espelho” sejam acrescentadas ao pacto para garantir que as quotas que chegam ao mercado europeu provenientes dos parceiros do Cone Sul o façam em conformidade com as mesmas regras fitossanitárias, ambientais e sociais que os produtores europeus. Uma denúncia que é repetida por agricultores que se manifestam há dias em países como França, Bélgica e Itália; e que a Irlanda e Espanha também apoiam. As manifestações agrícolas em Bruxelas denunciam também os elevados custos que o campo enfrenta, seja por causa da inflação, seja para cumprir os novos objectivos climáticos e de sustentabilidade.
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Segundo fontes do Palácio do Eliseu, a residência oficial do presidente da França, Macron conversou na semana passada com a chefe do Executivo comunitário da UE, Ursula von der Leyen, para exigir que as negociações que Bruxelas está conduzindo em nome dos 27 países-membro com o Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) cessem imediatamente para desbloquear o acordo com uma declaração anexa de que fortalecer as garantias ambientais e anti desmatamento do pacto.
Varadkar garantiu que “não seria justo” que a União Europeia “impusesse” elevados requisitos ambientais aos produtores europeus e “depois permitisse que outros importassem” sem as mesmas obrigações. O líder irlandês confirmou também que, embora os protestos agrícolas não façam parte da agenda oficial dos líderes europeus, eles foram levados em conta na cimeira, porque é um assunto que alguns deles já discutiram em reuniões anteriores com suas lideranças.
Para o primeiro-ministro da Bélgica, Alexander de Croo, as reivindicações dos agricultores “são parcialmente legítimas” e é necessário garantir que esses “parceiros” nos esforços necessários para a transição ecológica. “Devemos garantir que recebam preços justos pelos produtos de qualidade que produzem e que a carga burocrática que recai sobre isto seja suportável”, disse De Croo.
Numa tentativa de acalmar o ânimo dos agricultores e a poucos meses das eleições europeias de junho, a Comissão Europeia propôs na quarta-feira (31) adiar por um ano a obrigação de os agricultores reservarem parte das terras agrícolas em pousio para receberem parte do apoio da PAC (Política Agrícola Comum), criada em 1962. Para beneficiar desta flexibilidade, contudo, os produtores devem reservar uma parte das suas terras para outras culturas benéficas para a saúde do solo.
Do lado de fora da cimeira, as ruas de Bruxelas estavam carregadas de cartazes. “Esta não é a Europa que queremos” ou “Fartos de promessas, queremos ações”, são alguns dos slogans que podiam ser lidos em diferentes línguas nos banners exibidos pelos agricultores na Praça de Luxemburgo, em frente ao Parlamento Europeu, onde os manifestantes queimaram vários pneus e provocaram as primeiras conflitos. A já rigorosa força policial, que é destacada quando a cidade acolhe cimeiras europeias, foi reforçada.
Também nesta quinta-feira, na França, onde os protestos começaram, o primeiro-ministro Gabriel Attal recebeu Arnaud Rousseau, presidente do FNSEA (Fédération nationale des syndicats d’exploitants agricoles), entidade que representa 22 federações regionais. “Queremos ações concretas” e “fartas”, foi o que explicou Rousseau ao microfone da France Inter, maior cadeia de rádio do país. Os agricultores querem a aplicação a 100% da lei EGAlim de 2021, que visa proteger a remuneração no campo. Na França, a idade média dos agricultores está acima dos 50 anos. As manifestações são uma reação aos “encargos financeiros e às normas ambientais à escala europeia, consideradas demasiado elevadas”, explica a FNSEA.
Na Itália, Alemanha, Grécia, Polónia, Romênia e Espanha, onde os protestos se espalham, as queixas dos agricultores sobre os elevados custos de produção, os baixos preços que obtêm na venda dos seus produtos e as condições econômicas e laborais no campo marcam o descontentamento dos produtores.
A presidente do BEI (Banco Europeu de Investimento), Nadia Calviño, sublinhou que “não podemos fechar os olhos” aos protestos dos agricultores europeus, realizados nesta quinta-feira. Calviño destacou em uma entrevista à RNE, reportada pela Europa Press, que a Europa “está numa fase de transição”, na qual ela deve avançar “para uma economia mais sustentável, eficiente e com tecnologias que garantam a sobrevivência do planeta”.
Depois de ser questionada se está na hora de “olhar para trás ou de calibrar” sobre as consequências trazidas pelos compromissos com o futuro sustentável da UE, Calviño afirmou que “o desafio não é menor” e que “não podemos fechar os olhos a ele”. “Temos que gerir bem a transição”, afirmou Calviño, garantindo ao mesmo tempo que os agricultores sejam “protagonistas, porque o setor agroalimentar é fundamental para o abastecimento alimentar”.
Em termos globais, a presidente do BEI garantiu que “da Europa, cuida ela os seus agricultores”, ao mesmo tempo que considerou “curioso” que em cada um dos países as razões das mobilizações sejam “relativamente diferente”, indo do mercado interno às relações internacionais, mas que há uma união forte para que o movimento continue.