Escrevo esta coluna diretamente da nossa propriedade no nordeste goiano, onde estamos na fase final de implantação de um biodigestor. O preço do pioneirismo é alto, tenta-se por vários caminhos até finalmente acertar. A implantação de um biodigestor para dejetos bovinos, que são muito fibrosos, é um processo complexo, um campo ainda muito pouco dominado no Brasil.
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O projeto depende de uma série de variáveis como o tipo de animal (bovino, suíno, ovino e aves) a alimentação que este animal recebe, a qualidade de dejeto, o calçamento do curral, a regularidade de alimentação do biodigestor, o relevo, temperatura e pluviometria média anual da região, como serão utilizados o biocombustível e biofertilizante produzidos, entre outros fatores.
Mas porque investir em um biodigestor? A decisão de implantar um biodigestor visa benefícios ambientais e econômicos. Utilizam-se dejetos, que são um passivo ambiental e através da biodigestão, obtém-se biogás, que pode abastecer automóveis, tratores ou acionar motores adaptados de ciclo diesel para geração de energia elétrica, além de biofertilizante que é distribuído nos pastos. Transformando um passivo ambiental em um ativo energético (biogás e biofertilizante) reduzimos impactos ambientais gerando recursos.
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A Brasil tem buscado desenvolver uma agropecuária tropical sustentável seguindo a discussão crescente nas COPs (Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima) sobre uma agropecuária única, que visa conectar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, desta maneira, ampliar o uso de tecnologias no campo é essencial para garantir segurança alimentar com sustentabilidade. Na COP-26, o Brasil se comprometeu a reduzir 30% das emissões de metano até 2030 (em relação a 2020).
Dados do Brasil Climate Action Hub (2023) apontam que as emissões de metano no Brasil alcançaram 20,2 milhões de toneladas, dos quais 14,5 milhões são derivados da agropecuária. A pecuária enfrentará crescente impacto de restrições nas emissões e regulamentações ambientais. Por seu protagonismo mundial na produção e exportação de carne bovina, nosso país tem grandes oportunidades de reduzir suas emissões na atividade pecuária gerando renda.
Na busca por uma pecuária mais sustentável desenvolvemos um projeto idealizado para funcionar em um ciclo fechado, começando em uma fábrica de ração integrada a um confinamento e ao biodigestor, seguido de um motogerador, terminando em um sistema de distribuição de biofertilizante. A ração produzida na fábrica é distribuída aos bovinos no confinamento anexo, que é calçado para garantir a qualidade do dejeto.
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A estrutura é parcialmente coberta e conta com um sistema de aspersores, garantindo assim, sombra e conforto respiratório e térmico. Os dejetos são direcionados ao biodigestor por desnível e auxílio mecânico. O confinamento tem capacidade estática de 1.000 animais e se comercializam mensalmente de 300 a 400 bois muito bem acabados de 19 a 22 arrobas.
O biodigestor é um equipamento que proporciona um ambiente controlado para a decomposição da matéria orgânica presente nos dejetos por meio da biodigestão, que tem sido avaliada como uma das tecnologias mais eficientes em termos energéticos e ambientais para produção de bioenergia. Desse processo resulta um biofertilizante e um biogás.
Mas nem tudo são flores, tivemos vários percalços na implantação, não havia nada parecido no Brasil quando a empresa especializada fez nosso projeto e o biodigestor ficou subdimensionado, a velocidade de passagem do dejeto estava muito alta, o processo de biodigestão não era feito completamente, observou-se a necessidade de ampliação, procuramos outra empresa especializada, que nos recomendou a construção de um segundo biodigestor, desta maneira, o primeiro passou a ser um homogeneizador/pré biodigestor e o segundo completa o ciclo de biodigestão. Durante a observação deste problema, novo projeto e obras de ampliação, continuamos operando o confinamento com menos gado.
No nosso projeto, o biogás é utilizado como combustível de um motor de ciclo diesel adaptado para queima de gás metano. Esse motor aciona em um eixo direto, um gerador de 150kVA que produz energia para a fábrica de ração e a iluminação de toda a estrutura, fechando, desta maneira, o ciclo. Construímos a rede elétrica seguindo os padrões, doamos a rede para a concessionária, porém o processo para a ligação se arrastou por morosos 3 anos.
Empreender no Brasil não é para amadores, fazer isto no agro, onde há muito a se construir e a burocracia é grande torna tudo mais difícil. Esta é uma história particular, mas como esta existem milhares pelo Brasil, para conseguir uma outorga de tomada d’água para um pivot, autorização para fazer uma barragem, autorização para fazer limpeza de ervas daninhas em pastos, construção de rede elétrica e muitas outras coisas tem que se enfrentar um processo moroso e burocrático que se arrasta por meses, às vezes anos, fora o risco de se cair em na mão de pessoas que criam dificuldade para vender facilidade. O produtor rural é um forte, não desiste nunca, mas precisamos desburocratizar os processos.
*Helen Jacintho é engenheira de alimentos por formação e trabalha há mais de 15 anos na Fazenda Continental, na Fazenda Regalito e no setor de seleção genética na Brahmânia Continental. Fez Business for Entrepreneurs na Universidade do Colorado e é juíza de morfologia pela ABCZ. Também estudou marketing e carreira no agronegócio.
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