Pela primeira vez nos seus 28 anos de história, a COP28, realizada em Dubai no final de 2023, colocou os sistemas alimentares mundiais em destaque. Um dia inteiro foi dedicado à alimentação e pelo menos 22 grandes eventos destacaram questões relacionadas à alimentação. A agropecuária e a água foram destacadas ao longo da conferência de duas semanas. Mudar a forma como a humanidade come tornou-se um prato principal nas negociações sobre o clima.
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Neste momento, eventos climáticos extremos estão pondo em risco as colheitas globais, resultando em escassez de produtos e aumentos de preços. A longo prazo, as alterações climáticas descontroladas ameaçam um terço da produção de alimentos do mundo, o que poderá desestabilizar completamente a segurança alimentar global e perturbar os meios de subsistência.
Existe uma necessidade desesperada de inovação na agricultura e na pecuária. Mas como é a inovação quando se trata do que comemos?
Para a agroindústria, significa, por exemplo, transformar a soja que chega às processadoras em alimentos. Para os ativistas, poderia ser a criação de estratégias sem fins lucrativos para combater o desperdício alimentar. Para os decisores de políticas públicas, tudo se resume a apoiar investimentos em P&D (pesquisa e desenvolvimento) revolucionários. E para um produtor rural, significa encontrar o equilíbrio entre a manutenção de práticas tradicionais e a adoção de tecnologias de ponta que melhorem o rendimento das culturas, reduzam o impacto ambiental e aumentem a resiliência dessas culturas.
A colaboração precisa começar no solo
A chave para implementar uma inovação verdadeiramente transformadora reside na união de todas estas partes interessadas para criar um compromisso partilhado com métodos mais sustentáveis de cultivo dos alimentos. E é fundamental que essa colaboração, para ser mais eficaz, deve surgir sem que se tente impor soluções de cima para baixo, e começando a pensar a partir do solo.
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É precisamente no solo que se pode encontrar um plano de ação que ligue a necessidade de mudança às realidades enfrentadas por aqueles que irão realmente implementá-la: os produtores rurais.
É preciso, também, considerar o ressurgimento da agricultura sustentável. Esta mudança melhorou a saúde do solo, reduziu a erosão das terras agrícolas e aumentou a capacidade do solo de atuar como um sumidouro crucial de carbono. Outro exemplo poderoso é a crescente adoção de culturas de cobertura (principalmente nos EUA, porque no Brasil é uma prática corrente há décadas), que têm o potencial de compensar as emissões de 12,8 milhões de automóveis. O que tornou estas duas iniciativas tão bem sucedidas é que elas beneficiam tanto o planeta como os produtores que cultivam os alimentos.
São eles que fornecem alimentos e matérias-primas para humanos e animais em todo o mundo. E eles sabem que a agricultura deve fazer parte da solução. Num relatório de 2021, o grupo agrícola Field to Market, que oferece no mercado programas e ferramentas para o campo orientados pela ciência, com sede em Washington, expressou o seguinte: “É claro que uma certa mudança já é inevitável. Portanto, a ação das partes interessadas na produção agrícola é necessária tanto para a mitigação climática como para aumentar a resiliência das terras agrícolas dos EUA a eventos climáticos extremos.”
Como poderia ser essa inovação?
Grande parte da indústria agro de hoje já partilha os mesmos ideais daqueles que lutam para enfrentar a crise climática. Os proprietários e gestores de terra preocupam-se profundamente com o seu solo e alguns dos maiores grupos agrícolas do mundo também o fazem.
Muitas inovações que preservam o abastecimento alimentar global e os meios de subsistência dos produtores rurais são inovações que também preservam o planeta. Numa fazenda, são práticas sustentáveis, por exemplo, o plantio direto e culturas de cobertura. Elas podem ser variadas e resistentes ao calor. Podem competir, também, com ervas daninhas, fungos e pragas.
Há drones, satélites e IA que podem rastrear as condições de uma fazenda e controlar com precisão as operações agrícolas. Um exemplo é InnerPlant, uma empresa que desenvolve um novo tipo de tecnologia de sementes que aproveita a fisiologia das plantas e desbloqueia dados para melhorar os rendimentos agrícolas globais e a sustentabilidade.
Numa publicação no blog do United Soybean Board, um agricultor atribuiu seus elevados rendimentos tanto às práticas de conservação como às tecnologias melhoradas, entre elas a genética da soja: “Há 20 anos, os rendimentos teriam sido muito menores com as condições que experimentamos este ano”, escreveu ele. Acredito que olharemos para trás daqui a 10 ou 20 anos e diremos o mesmo.
Abraçar e adaptar o atual quadro agrícola
O que todas as inovações agrícolas mais bem-sucedidas têm em comum é que demonstram como a adoção e a reorientação do atual quadro agrícola são fundamentais para a ação climática. O conselho mais adequado é trabalhar com o sistema, não contra ele. Ouvir os agricultores, sair do “vale” e falar com as pessoas cujas mãos cultivam os alimentos. É preciso entender o seu mundo e as suas necessidades. Os produtores administram as terras há mais tempo do que qualquer empresa moderna. É o profundo apreço do produtor pela pela saúde das suas terras, e a necessidade de manter o negócio, que o leva às inovações e que, em última análise, podem beneficiar o clima do planeta.
Há um enorme valor nas décadas passadas ao se criar infra estruturas globais de soja para o sistema alimentar. A infra estrutura a jusante foi ampliada em conjunto para produzir óleo vegetal, combustível, leite de soja e tofu. A explosão da soja é um sinal de que a indústria consegue lidar com a onda de inovação alimentar de que o mundo necessita hoje.
Os agricultores estão prontos para que os líderes da indústria de inovação lhes forneçam as ferramentas adequadas para enfrentar a crise climática. E para desenvolver essas ferramentas, é preciso partir do solo e colocar o produtor rural no centro da solução. Se a sociedade conseguir fazer isso, será possível transformar mais rapidamente o sistema alimentar para que se torne mais sustentável e resiliente.
*Magi Richani é colaboradora da Forbes EUA, fundadora e CEO da Nobell Foods, desde 2016. Ela faz parte do Forbes Business Council, uma organização formada por proprietários de empresas, fundadores e líderes executivos