O Rio Grande do Sul já contabiliza a perda de pelo menos 16,9 mil colmeias desde o início das enchentes ocorridas nos primeiros dias de maio – em média, cada colmeia tem de 50 mil a 80 mil abelhas. O estudo divulgado nesta sexta-feira (21) leva em conta apenas as mortes da espécie Apis mellifera e de abelhas-sem-ferrão, ocorridas até o último dia 20.
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Foram registradas perdas de colmeias em pelo menos 66 municípios do estado, de acordo com as instituições locais responsáveis pela pesquisa, incluindo a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e o Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária).
“As colmeias ficaram submersas ou foram carregadas (pela água). Muitas áreas foram inundadas pelas águas que escorreram das partes mais altas, levaram as colmeias ou inundaram os locais, deixaram as colmeias realmente submersas e as abelhas morreram”, explica a bióloga Betina Blochtein, coordenadora do programa Observatório de Abelhas.
Somente em Palmares do Sul (RS), onde a apicultura se destaca enquanto atividade econômica, mais de duas mil colmeias foram destruídas, de acordo com a Federação Agrícola e de Meliponicultura do RS. Os dados do levantamento não consideraram as colmeias que foram parcialmente atingidas pela água e nem aquelas que estão em risco por falta de alimentos para as abelhas. No total, segundo a Associação Brasileira de Estudo das Abelhas, o estado gaúcho tem 486 mil colmeias.
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“As paisagens foram muito lavadas, em muitos casos elas estão com uma camada de lodo, de terra por cima, não têm vegetação com flores, então, não têm alimentação para as abelhas”, destaca Blochtein. A quantidade de abelhas mortas no estado em razão da tragédia climática pode ser muito maior, diz ela. Isso porque apenas a espécie Apis mellifera e abelhas-sem-ferrão foram monitoradas. As abelhas que não vivem em colmeia, não sociais, por exemplo, não têm como ser computadas no levantamento.
“Temos na natureza centenas, milhares de espécies de abelhas que a gente não consegue monitorar, e que ninguém viu onde elas estavam quando começou a chuva e ninguém consegue contá-las”. Blochtein ressalta que essas abelhas, não sociais, são mais frágeis, têm menos capacidade de se defender de alterações climáticas bruscas e, provavelmente, foram ainda mais impactadas pelas chuvas e enchentes.
“O que acontece é que as abelhas não sociais não têm reservas de alimento, elas são mais sensíveis e tendem a perecer mais facilmente. O triste disso tudo é que se a gente tomar a Apis mellifera, ou mesmo as abelhas-sem-ferrão, como as espécies que indicam o que está acontecendo com os polinizadores, então vamos ter um cenário bem trágico, que nem conseguimos enxergar”.
Culturas mais atingidas
Há culturas que dependem mais de abelhas, por exemplo a maçã, que tem uma dependência de mais de 90% desses insetos polinizadores. Se não há abelhas ou elas são poucas, as frutas ficam pequenas e irregulares na hora da colheita, de acordo com os especialistas.
Os gaúchos são responsáveis por 45% da produção de maçãs brasileiras, segundo a Agapomi (Associação Gaúcha dos Produtores de Maçã). A área de cultivo é de 14 mil hectares, distribuídos em 26 municípios. As macieiras são a principal fonte de renda para 550 pequenos, médios e grandes produtores.
Além da maçã, o estado também tem outras culturas que são dependentes, em diferentes níveis, da polinização das abelhas. “Temos também a soja, que não tem uma dependência tão elevada de abelhas, entre 12% e 20%. Mas imagina 15% de aumento da soja, 15% a mais no peso em grãos é muita coisa. Realmente, a perda de abelhas repercute”.
A bióloga Vera Lucia Imperatriz Fonseca, referência em pesquisa com abelhas nativas, professora e pesquisadora da USP (Universidade de São Paulo) frisa que as mudanças climáticas não vão arrefecer e ressalta que o país precisa se preparar para enfrentar a situação.
“A mudança climática está andando e não vai mudar. Ela vai aumentar, não vai diminuir. Não tem volta para esse assunto. É um processo contínuo. No entanto, a agricultura ainda não se conscientizou disso e nem o mercado. Não vai melhorar amanhã ou ano que vem, não vai. Então, as chuvas vão continuar. E não há uma política de lidar com isso, uma política de restauração”.
(Com Agência Brasil)