Os amantes de um molho de pimenta levaram um susto meses atrás. A fabricante Huy Fong Foods, com sede na Califórnia, nos EUA, anunciou em maio a interrupção da venda do icônico sriracha, o picante tempero tailandês com um galo desenhado no rótulo. Seria uma parada temporária, prevista para o verão no hemisfério norte.
Não é a primeira vez que a Huy Fong tem problemas com seus fornecedores. Em 2017, a empresa cortou relações com o antigo parceiro Underwood Ranches, produtor das pimentas. Desde então, ainda não conseguiu encontrar alternativas para se abastecer com matéria-prima. Desta vez, o problema foi que os pimentões jalapeño não estavam vermelhos e maduros o bastante.
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O caso da Huy Fong é uma lição importante sobre a necessidade das empresas cultivarem parcerias em toda a cadeia de produção – no caso, a começar pelos agricultores que cultivam as pimentas –, estabelecerem compromissos e cobrirem adequadamente as cadeias de abastecimento. Também ensina por que trabalhar com fornecedores estratégicos é tão importante quando o valor de uma marca está em jogo.
O calor da pimenta
A marca é símbolo nas prateleiras. Só de ver o recipiente de Huy Fong Sriracha seus apreciadores já sentem o gosto acalorado, doce e picante. As emblemáticas embalagens apresentam em seu logotipo a imagem de um galo, uma tampa verde e dentro um molho vermelho explosivo de sabores e aromas.
Os ingredientes são simples: pimenta, açúcar, alho, sal e vinagre destilado. Mas, em geral, seus consumidores não o confundem com nenhum outro condimento, pois o sriracha da Huy Fong é incomparável. Para se ter uma ideia, documentários e músicas já foram criados em homenagem a esse molho único. Tem sido, inclusive, objeto de inúmeras colaborações de diversas marcas e influenciou itens tão aleatórios como jogos de tabuleiro, doces, protetores labiais, meias e sapatos.
Mas, ainda que tenha todo esse reconhecimento, a marca também enfrenta muita concorrência. Depois que a Huy Fong rompeu com seu fornecedor de pimentas, sobretudo, outras empresas entraram em cena para preencher a lacuna. A Tabasco, do Texas, lançou um site dedicado a ajudar na busca por um substituto. Até mesmo a Underwood Ranches, antiga fornecedora da fabricante original, resolveu lançar seu próprio produto concorrente.
Um processo perde-perde
Cerca de 80% de cada recipiente de sriracha da Huy Fong consiste em purê de pimenta vermelha. Durante décadas, essas pimentas foram cultivadas pela Underwood Ranches, com sede na Califórnia, e convenientemente localizada perto da fábrica da Huy Fong.
No entanto, em 2017 a parceria azedou, com cada parceiro sugerindo desonestidades em suas negociações comerciais. Acusações e mágoas levaram a uma disputa contratual que acabou na justiça. As evidências? Foi descoberto que a Huy Fong Foods violou o contrato e a Underwood recebeu mais de US$ 23 milhões (R$ 124,6 milhões, na cotação atual).
Aparentemente, a Underwood venceu. Mas, na realidade, foi uma situação em que todos saíram perdendo. A concorrente tinha centenas de hectares de campos de pimenta, mas nenhum cliente. A Huy Fong, por sua vez, possuía uma fábrica de 56,7 mil metros quadrados sem nenhum suprimento essencial para fazer as pimentas de alta qualidade. E os verdadeiros perdedores? Os clientes fiéis que se acostumaram a colocar o famoso molho sriracha em quase tudo. O molho chegou a ser vendido por US$ 100 (R$ 542) a garrafa.
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Após deixar seu principal fornecedor, Huy Fong precisou encontrar novas fontes de pimenta e recorreu a outros produtores no México. Mas essas outras fontes nem sempre foram tão abundantes, quentes ou vermelhas quanto era necessário.
Enquanto isso, a Underwood passou a produzir seu próprio molho picante, o Dragon Sauce, que rivaliza com o sriracha de seu ex-parceiro, no mercado norte-americano.
Confiança e comunicação
Embora muitos profissionais argumentam que os problemas da cadeia de abastecimento da Huy Fong resultaram de uma relação arriscada de fonte única com a Underwood Ranches, vale destacar que essa relação estratégica ajudou a alimentar o sucesso da empresa durante meio século.
Em vez disso, é possível que a queda tenha resultado da má comunicação e do contrato incompleto que levaram à perda de confiança.
Os documentos judiciais oficiais dão uma visão única sobre isso: a culpa pela perda de confiança e pela falta de práticas contratuais claras. O processo diz que “foi dito que alguns contratos não valem o papel em que estão escritos. Mas os contratos orais decorrentes de contratos previamente escritos e de práticas comerciais de longa data baseadas no costume e na confiança são tão válidos como os contratos do papel em que estão escritos. Quando tal contrato é violado, há consequências.”
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E, neste caso, as consequências de permitir que comportamentos de desconfiança se infiltrem em uma relação comercial não só custaram a Huy Fong milhões de dólares num acordo judicial, mas também a assombraram em uma contínua escassez na cadeia de abastecimento de fornecedores menos fiáveis.
A importância da comunicação e confiança nas relações comerciais estratégicas é sublinhada por um estudo da McKinsey & Company. O relatório afirma que a comunicação interna eficaz e a confiança (38%) ultrapassaram o alinhamento dos objetivos da empresa-mãe e da parceria (35%) e no plano de reestruturação e evolução (27%) como as principais causas do fracasso das joint ventures.
Confiança e comunicação andam de mãos dadas e é importante que as empresas comuniquem as suas preocupações e estejam preparadas para superá-las.
Como escrevem os autores do estudo da McKinsey: “Inevitavelmente, surgirão pontos de tensão. Por exemplo, as empresas muitas vezes discordam sobre fluxos financeiros ou direitos de decisão. Mas vimos parceiros articular essas diferenças durante o período de negociação, chegar a acordo sobre prioridades e definir prazos e metas. Eles neutralizam grande parte da tensão desde o início, de modo que, quando surgiram novas dificuldades – como mudanças de mercado e mudanças nas estratégias dos parceiros –, as empresas conseguem mais facilmente evitar reveses e atrasos dispendiosos nas atividades comerciais que desenvolviam juntas.”
O calor está ligado
A Huy Fong Foods terá que fortalecer sua cadeia de abastecimento para garantir que o molho picante esteja nas mesas e nas cozinhas em todo os EUA.
Superficialmente, a sabedoria convencional dos profissionais de compras é recorrer a vários fornecedores para preencher a lacuna da Underwood Ranches. Isto é exatamente o que Huy Fong fez – o que obviamente não funcionou tão bem na prevenção da escassez novamente este ano.
A resposta talvez esteja em voltar ao básico e tentar recriar a magia que a empresa teve com a Underwood Ranches, com base naqueles primeiros anos de confiança, transparência e interesse mútuo que levaram a mais de 25 anos de sucesso mútuo. No entanto, é recomendável que a Huy Fong adote um contrato formal.
Qualquer que seja a resposta, se a empresa não resolver rapidamente os problemas na sua cadeia de abastecimento, os alimentos terão um sabor muito mais insípido nos próximos meses.
*Kate Vitasek, colaboradora da Forbes EUA, é autora de sete livros e especialista em relacionamentos. Trabalhou na CNN e Bloomberg. É docente na Universidade do Tennessee.
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