O Mato Grosso é o maior produtor e exportador de soja do Brasil. Se fosse um país, disputaria o terceiro lugar com a Argentina. A safra 2024/25 deveria começar a ser plantada na segunda quinzena de setembro, com o término do vazio sanitário obrigatório. A história não se repete, mas nada mais atual do que isso. O Mato Grosso está presenciando queda na produção e produtividade do grão, queda internacional nos preços da commodity e um início de safra 2024/25 com chuvas abaixo da média dos últimos 15 anos.
Leia também
A Associação dos Produtores de Soja e Milho (Aprosoja-MT), que tem 8.600 associados, nasceu em um período no qual o setor também enfrentava uma crise, mas era a maior até então. Era o ano de 2005. Nos anos de 2004 a 2006, um furacão criado pela sobrevalorização do real frente ao dólar, uma supersafra nos EUA, os problemas climáticos e o aparecimento da ferrugem asiática, desestabilizaram o setor que vinha em um período de forte consolidação. Era o momento de se juntar, definir estratégias e estabelecer prioridades. A Forbes conversou com Lucas Costa Beber, 39 anos, de Nova Mutum, município que está sempre entre os 10 maiores produtores do país. Ele é o presidente da Aprosoja-MT e com seus 14 diretores se reúne uma vez por mês. Assunto não tem faltado:
Forbes: Qual o grande assunto hoje de Mato Grosso e das reuniões da Aprosoja-MT?
Lucas Beber: São vários, mas o principal é a quebra de safra de soja e milho também, por causa do clima. Houve diminuição de área e também deve ter uma perda na produtividade. Têm produtores falando em perdas acima de 10%. Estamos fazendo uma nova pesquisa, que é uma preocupação da Aprosoja, porque muitas consultorias privadas têm atrapalhado o mercado brasileiro.
Neste ano, mesmo após janeiro, quando a safra 2023/24 estava praticamente definida, tínhamos o Departamento de Agricultura dos EUA falando em 157 milhões de toneladas, a Conab em 155 milhões e algumas consultorias, 145 milhões de toneladas. (No 11° levantamento da Conab, no dia 13/8, a safra estimada era de 147,3 milhões, queda de 4,7% no volume e 8,7% na produtividade). Números incertos assim atrapalham o momento da comercialização, porque o produtor pode negociar em qualquer momento do ano, mas ele sempre aguarda um preço melhor. Diante da quebra de safra, o produtor tinha esperança na melhora dos preços e isso não aconteceu.
F: O sr. acredita em má fé?
LB: A gente acredita que hoje existe expertise e tecnologia. No passado, essas projeções eram mais assertivas e hoje a gente não entende porque se tem errado bastante nas projeções. Os dados de anúncios são públicos, estão na internet. E as consultorias estavam jogando muito acima daquilo que era previsto. Dezembro de 2023 foi um mês de temperaturas muito altas e isso prejudica a produtividade da soja. Em janeiro, principalmente Mato Grosso, que é o maior estado produtor, a safra já estava definida.
Em meados de julho já se falava em altas produções para a safra 2024/25, sabendo que nem havia formação de clima ou a real área brasileira a ser plantada. De 2019 para cá, demos um salto de 9,6 milhões de hectares para 12,4 milhões de hectares em Mato Grosso. Mas da safra 2022/23 para a 2023/24 foram somente 2 milhões de hectares na produção. A maior parte foi antes.
F: A entidade pretende dar essas orientações aos produtores?
LB: Não é o papel da Aprosoja, mas devemos sim fazer pesquisas. Uma equipe nossa também deve checar as lavouras dos Estados Unidos, percorrendo ao menos 10 estados no cinturão americano. No Brasil, em 2025, a gente pretende percorrer não somente o estado, mas também outras regiões produtoras.
F: Mas a Aprosoja-MT já não faz acompanhamento de safra?
LB: Já realizamos o acompanhamento das condições de lavoura. Agora, pretendemos fazer mensurações sobre produtividade. Que é algo mais específico, como contagem de vagens e monitoramento das temperaturas.
F: Onde estão as áreas abertas?
LB: Nos últimos anos, quando houve uma melhora no preço das commodities, o produtor converteu muitas áreas de pastagem. A conclusão da BR-163, ligando Sinop e Miritituba, também favoreceu, principalmente no norte, nessa conversão de pastagem em agricultura. Porém, no último ano, foi o período que tivemos um menor aumento. A cultura do milho, por exemplo, plantada na segunda safra, teve uma diminuição em torno de 500 mil hectares.
F: Como a seca tem afetado o Mato Grosso?
LB: Nesse ano todas as regiões de Mato Grosso foram afetadas pela seca. Claro que teve áreas contempladas com chuvas melhores, mas na grande maioria esse ano foi prejudicado.
F: O clima incerto pode ter contribuído com esse ruído nas previsões? Porque hoje já é dado como certo que as avarias climáticas desorganizam os ciclos produtivos.
LB: Temos de considerar que foi um ano de El Niño muito intenso. E quando nós temos temperaturas mais altas, principalmente à noite, a planta tende a respirar mais. Então, ela gasta mais energia e transpira para regular sua temperatura, seja de dia ou seja à noite, mas mais à noite. Posso dar dois exemplos. Lavouras de soja irrigadas esse ano produziram menos que outros anos, porque ela queimou mas energia também.
Não é só a água que ela perde. Então, se produziu menos que o ano passado. E nas lavouras de milho – aconteceu isso na minha propriedade – não precisou usar irrigação, porque havia umidade, e mesmo assim a produtividade também foi menor devido a essas temperaturas altas. Principalmente o milho, é uma planta que produz mais com temperaturas mais amenas à noite.
- Inscreva sua empresa na lista Forbes Agro100 2024
F: O atual cenário pode ser comparado com outros acontecimentos, como aqueles de quando a Aprosoja-MT foi criada?
LB: Não houve outras quebras tanto aqui no Brasil quanto nos Estados Unidos. Mas antes a gente não tinha tantos equipamentos e também a informação não circulava tão rápido. Hoje há equipamentos. Por isso a gente não entende esse otimismo das consultorias com as lavouras no Centro-Oeste com as poucas chuvas que temos.
F: Quanto o seguro rural ajuda nas estratégias de mitigação?
LB: Nós ainda não temos um seguro rural adequado, principalmente para o Centro-Oeste. Hoje, nenhum seguro rural paga o custo total efetivo da lavoura. Fica para o produtor. Entre nós sempre vem à tona essas discussões, principalmente em anos de intempéries. A gente sabe que isso precisa ser um negócio vantajoso tanto para grandes seguradoras quanto para quanto para o produtor, mas até hoje não se chegou a um ponto de equilíbrio. Não há um subsídio suficiente para o seguro agrícola e há cada vez mais restrições. Diferente dos produtores que competem com nós, como os produtores europeus ou norte americanos, que têm subsídios muito mais vantajosos.
F: O que já está determinado para a safra 2024/25?
LB: A princípio, os preços ainda não animam e a margem também deve ser bem apertada. O produtor que deixou para negociar insumos de última hora comprou mais caro. Houve aumento nos fertilizantes fosfatados, no potássio e também dos nitrogenados para o milho também. Na ureia, a relação de troca é maior que em outros anos.
F: Mas o produtor sempre acaba plantando, na expectativa de uma virada de preço.
LB: Acredito que se tiver algum aumento será pouca coisa. Pelo contrário, a gente ouve falar de muitas áreas de arrendamento que o produtor está devolvendo, principalmente em áreas de texturas mais arenosas. Em áreas com mais teor de argila, pode até ser que haja alguma abertura.
-
Siga a Forbes no WhatsApp e receba as principais notícias sobre negócios, carreira, tecnologia e estilo de vida
- Siga a ForbesAgro no Instagram