Eles não são qualquer tipo de cavalo. Chamam a atenção por seu pelo encaracolado e crespos, e por serem mansos, carinhosos e dóceis. Conhecidos como Bashkir Curly, essa é uma raça única e de poucos exemplares, criada na província de Rio Negro, na Patagônia Argentina, aos pés do Planalto de Somuncura.
Os Bashkir Curly são cavalos que mostram uma adaptação às duras condições climáticas da região, com invernos extremamente frios e verões quentes. Além disso, eles se destacam não apenas pelo seu característico pelo encaracolado, que no inverno se assemelha ao mohair, uma espécie de lã mais felpuda que dá origem a casacos e cachecóis, mas também pela sua inteligência e capacidade de serem utilizados na equoterapia.
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A história sobre sua origem é cercada de mistérios e teorias. Eles podem ter sido trazidos para esta região pelos espanhóis, na expedição do colonizador Pedro de Mendoza, até a hipótese de que chegaram à Patagônia junto com os cavaleiros templários – que são os membros de uma ordem religiosa e militar, fundada em 1120 durante as Cruzadas – quando carregaram o Santo Graal para a Patagônia.
Os cavalos com cachos foram descoberto no planalto de Somuncura, na província de Río Negro, uma região onde os verões são quentes, secos e predominantemente ensolarados, com temperaturas que alcançam os 32°C. Além disso, a área enfrenta invernos muito frios, com temperaturas mínimas que podem chegar a -20°C.
A Yeguada Rodríguez é uma empresa familiar, localizada justamente na província Rio Negro, focada na criação desses cavalos e vem trabalhando para preservar esses equinos. Pesquisas recentes, realizadas por universidades nos Estados Unidos, revelaram que os cavalos desta criação apresentam uma mutação genética única, diferente da de outras raças similares que vivem na Rússia e nos próprios Estados Unidos, o que os torna um tesouro genético mundial.
O encontro de Gerardo Rodríguez, marido e sócio de Andrea Sede, na Yeguada Rodríguez, com esses cavalos raros aconteceu um pouco por acaso. Ou talvez o destino tenha previsto que ele encontraria esses exemplares, há cerca de 20 anos, em uma de suas andanças pelos campos da Patagônia.
“A presença de cachos em seu pelo os torna uma das raças mais belas do mundo. São animais mansos, rústicos e hipoalergênicos. Por causa de suas qualidades, são ideais para equoterapia, equitação para crianças ou simplesmente para desfrutar de sua companhia”, afirma Andrea Sede. Em conversa com a Forbes, ela relata o trabalho que vêm realizando para preservar essa raça que esteve à beira da extinção. Confira:
Ter descoberto os cavalos com cachos em um lugar do planalto de Somuncura mudou suas vidas?
Sem dúvida. Gerardo nasceu em Maquinchao, cidade localizada na província de Rio Negro, fez seus estudos primários lá e depois estudou para ser médico veterinário. Em sua trajetória, trabalhou no Exército, alcançou o cargo de capitão e até foi lançador de granadas. Isso lhe permitiu trabalhar em haras de todo o país.
Em 2006, ele se desligou e voltou para sua cidade natal, onde começou a trabalhar em um órgão de sanidade em Los Menucos, em uma localidade vizinha. Foi nessa época que teve que fazer um levantamento de produtores de Somuncura. Imagine, é uma zona inóspita, cheia de pedras, pouca água, árida, e foi lá, em um dos postos, que ele viu o primeiro cavalo com cachos. Era um potro selvagem, e a sua primeira impressão foi que ele estava doente ou “suado”. Quando perguntou a um morador o que tinha acontecido, ele ouviu: “Os cavalos têm cachos o inverno todo e depois, no verão, eles somem”, e ainda esclareceu que antigamente havia muitos.
Pouco a pouco, Gerardo começou a formar a manada e a levá-los para sua propriedade em Maquinchao. Os anos se passaram e, à medida que a manada crescia, aumentava a curiosidade em saber por que apenas naquela área havia esse tipo de cavalo. Eu também nasci no sul e, após muito andar, voltei para Maquinchao em 2003, quando assumi a propriedade da família e me dediquei à criação de ovelhas. Com Gerardo, começamos a criar os cavalos com cachos. Se não os tivéssemos resgatado, não sei o que teria acontecido. Muitos moradores aqui não os conheciam. É maravilhoso o que aconteceu.
Como foi descobrir que tinham encontrado uma raça única?
Levamos vários anos para descobrir de que espécie se tratava. Buscando pelo termo em inglês, encontramos várias associações. Em muitas, nos disseram que não poderia ser real. Mais tarde, conhecemos a senhora Angie Gaines, membro da American Bashkir Curly Registry dos Estados Unidos, entidade que busca preservar, promover educação sobre as características especiais dessa espécie e proteger o pool genético da população de raças pequenas em todo o mundo.
Por meio dela tivemos contato com o doutor Mitch Wilkinson, da International Curly Horse Organization, que conheceu nossos cavalos e coletou amostras de sangue e pelo para os doutores Gus Cothran e Rytis Juries estudarem.
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Há muitas versões sobre como esses cavalos chegaram à Patagônia, certo?
Sim. Uma das hipóteses que ganhou força data de 1536, quando Dom Pedro de Mendoza, colonizador e governador da colônia espanhola, introduziu 100 equinos de trabalho e guerra provenientes de Cádiz, cidade no sul da Espanha.
Anos depois, após a fuga dos espanhóis, os cavalos foram abandonados e começaram a se reproduzir em milhares, povoando grande parte da Argentina. Ao retornar à região anos depois, observaram que os cavalos de algumas áreas haviam desenvolvido o característico pelo encaracolado.
Outra teoria se refere à expedição realizada pelo bispo Trejo, que introduziu os equinos pelo sul argentino. Também se acredita que os templários, ao trazer o Santo Graal para o planalto de Somuncura, o fizeram montados nesses cavalos. Há outra versão que menciona que esses cavalos chegaram do norte, atravessando o estreito de Bering e que eram originários da região de Bashkiria, na Rússia. Desde então, conseguiram sobreviver. Um verdadeiro prodígio, né?
Sabemos que a origem é espanhola e que o clima extremo do planalto, que chega a menos 30 graus no inverno e mais de 30 no verão, há 300 anos, gerou essa mutação dos cachos que se desenvolvem no inverno e desaparecem no verão. Certamente é um prodígio e é preciso fazer algo para que não se extingam. No momento, não podemos fazer muito mais do que já fazemos. Mas acreditamos que seria bom produzir embriões e guardá-los. Mas ainda não conseguimos.
Quais foram as principais curiosidades e desafios ao iniciar esse empreendimento?
Quando entramos em contato com as associações de criadores, nos disseram que se chamava Bashkir Curly e que havia exemplares nos Estados Unidos, na Rússia e também alguns na Espanha. Mas que, na América do Sul, não tinham dados sobre sua existência. Quando dissemos a eles que haviam cavalos soltos na natureza, não acreditaram em nós. Pediram fotos, amostras de pelo, de sangue e aí começou toda a investigação. Mas somente quando o biólogo Mitch Wilkinson, esteve pessoalmente na Argentina para coletar as amostras, chegaram a conclusões importantes.
Desses estudos, descobriram algo “raríssimo”. A mutação que gera os cachos nos cavalos da Argentina não é a mesma da Rússia nem a dos Estados Unidos. É única no mundo, ou seja, não são apenas únicos na América do Sul, mas em todo o planeta. A mutação do gene é diferente. O surpreendente é que os moradores da região não sabiam que tinham essa raça em seus campos. Não os utilizavam, eles apenas estavam ali. Mas viam que, ano após ano, havia cada vez menos cavalos.
Nosso principal desafio é que, por serem uma raça em perigo de extinção, sabemos que é preciso continuar a reprodução. E há alguns fatores a serem considerados. Tivemos dificuldades em distribuí-los em diferentes campos, por causa da consanguinidade e dos garanhões que brigam entre si, por território.
Além disso, enfrentam outro desafio que são as características próprias da região, certo?
Estamos em Maquinchao, Río Negro, na rota 23, que une a Cordilheira com o mar. Estamos no coração da estepe patagônica, onde o clima é muito hostil, com muito frio e geadas constantes. Durante muitos anos, esse era o ponto mais frio do país, com ventos fortes durante boa parte do ano e muito pouca chuva. Com sorte, chegamos a 120 milímetros de chuva por ano. Além da seca, a tragédia do vulcão Puyehue, no Chile, que entrou em erupção em 2011, danificou ainda mais os campos.
Dado o clima patagônico, que cuidados especiais esses cavalos requerem?
Os cachos surgem no início de abril e, em outubro e novembro, eles os perdem. Esses cavalos são rústicos. Quanto ao seu pelo, sabemos que apresenta semelhanças com o pelo mohair, portanto poderia ser usado para fiar. Mas não fazemos isso, embora sejam pelos hipoalergênicos, ou seja, não provocam alergia, em função de suas glândulas sebáceas hiperdesenvolvidas.
Os machos alcançam seu tamanho definitivo entre 6 e 7 anos de idade, com altura variando entre 1,42 metro e 1,50 metro. Sem dúvida, sua marca distintiva é a elegante pelagem encaracolada.
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Do que se alimentam?
Alimentam-se do que encontram no campo e, quando vão à cidade, comem grama, ração balanceada ou aveia.
Neste ano, eles foram apresentados na Exposição Pecuária na La Rural, de Buenos Aires, uma das mais importantes e tradicionais feiras argentinas, em Palermo. Como o público reagiu a esses animais?
Os cavalos foram uma grande atração. Pudemos apresentar “Jarilla” e “Zampa” (os nomes das éguas foi uma homenagem a duas plantas típicas da região). Foi uma experiência maravilhosa. Há vários anos queríamos participar da feira, mas não tínhamos oportunidade por questões financeiras. Desta vez, fizemos um esforço, juntamos dinheiro e conseguimos.
O que a Rural nos trouxe é o reconhecimento como criadores de uma raça, a Curly Horses. Quanto ao mercado e ao projeto como negócio, até o momento, só vendemos dois animais. Eles estão se reproduzindo no campo e as éguas, às vezes, têm dificuldades no parto. Os potrinhos nascem e, se nevar, não conseguimos controlar a criação. O fato é que, o que era um hobby, agora é uma atividade em que o principal é evitar a extinção desses animais.
Por um lado, fico triste em pensar em vendê-los. Mas entendemos que é economicamente necessário para podermos investir em infraestrutura e fazer o projeto avançar. Atualmente, estamos trabalhando para isso. Vamos formar uma associação e estamos recebendo apoio da província. Fazemos o que podemos, porque é bastante complicado por estarmos longe de tudo.
Pelo que você conta, esses cavalos seriam ideais para equoterapia?
Sim, pelo seu temperamento, eles poderiam ser ideais para equoterapia para crianças e saltos. Vemos isso pela experiência dos EUA. Já presenciamos momentos emocionantes: como eles se aproximam de crianças com transtornos mentais. Ou como presenciamos na Rural, uma senhora em cadeira de rodas que queria tirar uma foto com o cavalo. Abrimos o cercado para que o cavalo se aproximasse, e ele abaixou a cabeça até a altura do rosto dela e se beijaram. Eu poderia contar muitas outras histórias.
Quais são os planos para a Yeguada Rodríguez?
Estamos a um passo de nos tornarmos fornecedores turísticos da Província de Río Negro, para que tanto turistas da região quanto estrangeiros possam nos visitar. Com esses cavalos, tivemos muita repercussão em Israel, na América Central e na América Latina.
Neste mês, vocês estão participando de mais uma exposição com seus cavalos. Como preparam os exemplares para o evento?
Se o clima está bom, damos um banho neles e os apresentamos ao público exatamente como chegam do campo. Eles se aproximam, pedem carinho. Para o evento separamos uma fêmea prestes a parir e também ovelhas e cordeiros. A ideia é mostrar esses animais na lida. Outro atrativo é mostrar a doma racional, um tipo de manejo animal. Queremos que o relacionamento com os cavalos seja de conexão, e estamos trabalhando para que isso aconteça.
(O 2º Encontro Anual com os Cavalos com Cachos, evento que homenageia essa espécie equina e reúne propostas gastronômicas e culturais, aconteceu neste sábado (12), a cerca de 300 quilômetros de Bariloche. O encontro foi organizado pela Yeguada Rodríguez, em parceria com a prefeitura de Maquinchao.)
* Andrea Albertano é colaboradora da Forbes Argentina. Ela escreve sobre temas relacionados ao setor agroalimentar e enogourmet.