“Devemos considerar o blockchain como um avanço importante para a inovação independente de tecnologias centrais, esclarecer a direção principal, aumentar os investimentos e acelerar o desenvolvimento da tecnologia blockchain”, disse o presidente chinês Xi Jinping, em uma entrevista ao Journal of Physics: Conference Series. Isso foi lá em 2019.
Foi esse discurso que dissipou as incertezas sobre o desenvolvimento da tecnologia blockchain na China e enviou um forte sinal de que o governo central apoiaria e dedicaria mais recursos a essa área, segundo outro estudo publicado na revista Research in International Business and Finance. Logo após, o Partido Comunista da China tomou a decisão de reconhecer os dados como um fator de produção equivalente a outros insumos tradicionais, como trabalho e capital.
Blockchain Como Estratégia Nacional da China
Um componente-chave da estratégia de blockchain da China é a Rede de Serviços Baseada em Blockchain (BSN, sigla em inglês), lançada em 2020. De acordo com um relatório da CoinDesk de março de 2021, a BSN oferece uma estrutura controlada pelo governo para desenvolvedores de blockchain, suportando aplicativos construídos em várias redes de blockchain. O sistema oferece duas versões: uma para usuários dentro da China e outra para desenvolvedores internacionais.
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Notavelmente, a versão doméstica permite que as autoridades censurem ou apaguem blockchains inteiros, se necessário. O CEO Yifan He, da Red Date, a empresa por trás da BSN, afirmou: “Se fizerem algo errado, podemos deletar toda a cadeia”, conforme relatado pela Coindesk.
Em março de 2021, o governo chinês incorporou formalmente o desenvolvimento de blockchain em sua estratégia nacional com a aprovação do “14º Plano Quinquenal” (2021-2025). Este plano inclui iniciativas de desenvolvimento da indústria de blockchain em 29 províncias e cidades de todo o país.
O objetivo é melhorar a competitividade global da China em setores econômicos críticos por meio do que os oficiais chamam de “blockchain ao estilo chinês” — blockchain sem criptomoedas, de acordo com um artigo publicado na revista Big Data & Society.
A cidade chinesa de Xangai emitiu, em 31 de julho de 2023, um plano de implementação para promover o desenvolvimento de seu sistema de infraestrutura digital de blockchain urbano para o período de 2023 a 2025. O plano visa fortalecer as aplicações de blockchain na economia e governança de Xangai, apoiando assuntos municipais e coordenando recursos na região do Delta do Rio Yangtzé para criar um centro internacional de blockchain, conforme artigo da Cointelegraph.
O governo vê o blockchain pela lente do “tecno-soluções-estatal”, uma ferramenta tecnológica para aumentar a competitividade nacional e modernizar a agricultura. Essa abordagem está alinhada com objetivos nacionais mais amplos, incluindo o que os oficiais chineses chamam de “rejuvenescimento” da nação. Essa perspectiva contrasta com a visão do movimento de blockchain ocidental, centrado na descentralização e na liberdade em relação ao controle governamental e corporativo, de acordo com o artigo na Big Data & Society.
Blockchain Moderniza o Setor Agrícola da China
O Ministério da Agricultura e Assuntos Rurais emitiu diretrizes incentivando o investimento de capital social em empresas inovadoras de tecnologia agrícola, com foco específico em pesquisa de tecnologias agrícolas e promoção da aplicação de blockchain.
O setor agrícola implementa sistemas de crédito social em áreas rurais utilizando a tecnologia blockchain. Por exemplo, em 2020, a província de Qingyuan, em Guangdong, introduziu um sistema baseado em blockchain chamado “Persimmon Points”, segundo estudo publicado na Big Data & Society. Esse sistema permite que os participantes ganhem pontos por “ações positivas” e percam pontos por comportamentos considerados negativos, com os dados registrados de forma transparente em uma blockchain pública.
Outro exemplo é o projeto GoGoChicken, uma colaboração entre governos locais e uma empresa de tecnologia blockchain, que usa blockchain e dispositivos IoT para registrar e monitorar todo o processo de produção de frango, desde a criação até a venda. Posicionado como uma ferramenta de combate à pobreza, o projeto atende consumidores urbanos preocupados com a segurança, dispostos a pagar preços premium por produtos alimentares rastreáveis.
No entanto, o artigo da Big Data & Society levanta questões sobre o impacto potencial do projeto no controle de dados e empoderamento dos agricultores. O estudo argumenta que “o blockchain fortalece a extração e exploração de dados, concedendo às empresas maior acesso e controle sobre informações pertencentes a grupos vulneráveis”.
Políticas Governamentais e Investimentos em Blockchain
De acordo com diversas notícias no site do governo chinês, o país está integrando a tecnologia blockchain em vários setores. Entre eles, em 2024, a China utiliza o blockchain para impulsionar o comércio exterior, o desenvolvimento social e econômico, o setor de comércio digital e a criação de novas infraestruturas de informação. Além disso, tribunais em todos os níveis estão explorando o uso de blockchain para melhorar os processos judiciais. Essa integração ocorre ao lado de outras tecnologias avançadas, como 5G, inteligência artificial, Internet das Coisas e análise de big data.
Em maio de 2023, a China estabeleceu um centro nacional de pesquisa em blockchain com o objetivo de treinar pelo menos 500.000 profissionais de blockchain para o país. Para comparação, atualmente existem apenas cerca de 26.000 desenvolvedores de blockchain ativos em todo o mundo, segundo dados do site Developer Report.
Em agosto de 2023, no Hangzhou Summit, autoridades revelaram uma plataforma de troca de dados movida a blockchain. A Hangzhou Data Exchange usa tecnologia de ledger distribuído para possibilitar a negociação de dados de TI de empresas, oferecendo um sistema de transações imutáveis e rastreáveis, conforme relatado pela China News Network. Mais de 300 empresas, incluindo Alibaba Cloud e Huawei, participaram de seu lançamento.
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Em dezembro de 2023, o Ministério de Segurança Pública da China lançou o RealDID, uma plataforma baseada em blockchain para verificar as identidades reais dos 1,4 bilhão de cidadãos chineses. Esse sistema tem como objetivo fornecer uma forma de “pseudonimidade”, onde os usuários podem se registrar e fazer login em sites usando endereços DID e chaves privadas, mantendo suas identidades reais ocultas de outros usuários e empresas. No entanto, o governo mantém a capacidade de vincular essas identidades digitais a indivíduos reais quando necessário, segundo um relatório da CoinDesk.
Blockchain Impulsionará a Iniciativa Cinturão e Rota
Em 30 de março de 2024, a China lançou seu programa nacional de P&D para uma plataforma de infraestrutura de blockchain em grande escala para a Iniciativa Cinturão e Rota, uma estratégia global da China para expandir sua influência econômica e política por meio de rotas comerciais e infraestrutura aprimoradas na Ásia, Europa e África.
Estimada em um custo entre US$ 1 e 8 trilhões, a Iniciativa Cinturão e Rota é um dos maiores projetos de desenvolvimento econômico da história. Ela inclui a “Rota da Seda da Informação”, uma dimensão digital composta por cabos submarinos de internet e satélites. Essa infraestrutura digital se sobrepõe aos corredores físicos da BRI, criando uma base para serviços avançados baseados em software, incluindo aplicativos de blockchain.
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A integração de elementos físicos e digitais posiciona a BRI como um sistema abrangente de conectividade terrestre, marítima e espacial, com potencial para revolucionar o comércio global e a cooperação econômica, conforme estudo de Wolfgang Lehmacher publicado na Port Technology International.
“O momento é agora para ver a geopolítica pela lente da tecnologia blockchain”, escreve o especialista em crimes financeiros Douglas McCalmont em um post no LinkedIn. Ele observa que “a China em breve manterá uma economia global (paralela) poderosa e isolada para desafiar todas as coisas dos EUA”.
Resposta dos EUA ao Avanço do Blockchain na China
O rápido avanço da China na tecnologia blockchain levantou preocupações nos Estados Unidos, levando a ações legislativas. Segundo relatório da CoinDesk, em novembro de 2023, legisladores dos EUA introduziram o CLARITY Act, propondo proibir funcionários do governo federal de fazer negócios com empresas de blockchain baseadas na China e usar blockchains sediadas na China.
O projeto de lei proíbe transações com a iFinex (empresa-mãe da Tether), a Spartan Network e a Conflux Network. Ele visa impedir o acesso estrangeiro a informações de segurança nacional e dados privados. A lei também orienta as agências dos EUA a desenvolverem um plano para lidar com os riscos das tecnologias blockchain da China.
O Gambito do Blockchain A abordagem da China em relação à tecnologia blockchain demonstra uma dualidade estratégica. No continente, Pequim baniu as redes globais de criptomoedas enquanto desenvolve e promove versões da tecnologia monetária de próxima geração que proporcionam maior controle ao governo do Partido Comunista Chinês.
Ao mesmo tempo, através de Hong Kong, a China mantém uma presença nos mercados globais de criptomoedas, aproveitando o status administrativo especial da cidade como um portal financeiro. Essa abordagem de dois lados permite que a China aproveite o potencial do blockchain, mantendo um controle rígido sobre seus sistemas financeiros no continente.
Conforme observado no artigo de Ben Schreckinger na Politico, essa estratégia permite que a China “exerça controles financeiros internos no continente, ao mesmo tempo em que impede a fuga de capitais para apostar no potencial das redes globais de criptomoedas para desestabilizar o dinheiro e as finanças”.
Schreckinger observa ainda: “Dentro da China, Pequim poderá manter a maior população do mundo e a segunda maior economia funcionando em redes financeiras que ela projeta e controla (e pressionar os parceiros comerciais a aderirem a elas) — sem abrir mão de suas ambições de tornar a China uma jogadora nas redes de criptomoedas mais desordenadas usadas em outros lugares.”
* Andrey Sergeenkov é colaborador da Forbes EUA. Escreve sobre criptomoedas também em outros canais, entre eles Cointelegraph, CoinDesk, Entrepreneur e Blockworks.