Com apenas algumas horas até o término da eleição presidencial de 2024 nos Estados Unidos, nesta terça-feira (5), as pesquisas finais revelam um foco intenso em temas já conhecidos: economia, imigração e preocupações com o estado da democracia. No entanto, enquanto os candidatos fazem seus últimos apelos, uma crise urgente continua notavelmente ausente do debate: a fome.
Essa omissão é notável, especialmente considerando que a fome e a insegurança alimentar afetam agora mais de 9% da população global e 13,5% dos norte-americanos – um nível que não era tão alto em quase uma década. Ainda assim, a fome tem sido amplamente ignorada nas campanhas eleitorais. Para aqueles na linha de frente da luta contra a insegurança alimentar global – os laureados do Prêmio Mundial da Alimentação (World Food Prize) – isso é mais do que uma mera negligência.
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Na semana passada, as vozes mais influentes do mundo em agricultura, sustentabilidade e advocacia contra a fome reuniram-se em Iowa para o Diálogo Borlaug, o evento principal do Prêmio Mundial da Alimentação. Ali, 13 laureados do Prêmio Mundial da Alimentação, do passado e do presente, fizeram uma declaração contundente, pedindo aos eleitores e candidatos dos EUA que parem de ignorar o fato de que a fome está voltando a níveis que não vistos há anos.
“Entre aqueles de nós que ganharam o Prêmio Mundial da Alimentação nos últimos anos, há uma sensação compartilhada de urgência”, diz o reverendo David Beckmann, ministro luterano que ganhou o Prêmio em 2010 por seu trabalho como presidente da organização Bread for the World, onde ele há muito defende a redução da fome e da pobreza.
“Estamos plenamente conscientes do progresso dramático que o mundo fez contra a fome e a pobreza nas últimas décadas, mas também estamos vendo esse progresso estagnar – e, em alguns aspectos, retroceder. Vir aqui, poucos dias antes das eleições dos EUA, nos pareceu uma oportunidade importante para destacar que a fome realmente não foi discutida nas campanhas, apesar de sua importância crítica”, diz Beckmann.
Para ele e seus colegas laureados, a ausência da fome como uma questão eleitoral representa uma ameaça à estabilidade e segurança globais. Eles alertam que o progresso contra a fome, embora possível, requer uma forte vontade política e liderança, especialmente dos Estados Unidos. “O aumento da fome é um escândalo moral e ameaça a paz e a prosperidade”, diz Beckmann. “Ela alimenta a agitação social e a migração, agrava a degradação ambiental e representa um obstáculo para o crescimento econômico.”
Um novo relatório das Nações Unidas, publicado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e pelo Programa Mundial de Alimentos (PMA), em 31 de outubro, alerta que a insegurança alimentar aguda – impulsionada por conflitos, desafios climáticos e econômicos – deve piorar em escala e intensidade em 22 países e territórios, e espera-se que centenas de milhares de pessoas enfrentem fome extrema entre agora e março de 2025. Cindy McCain, diretora executiva do PMA, fez um apelo direto, afirmando que é “hora de os líderes mundiais se unirem a nós para alcançar milhões de pessoas em risco de fome”.
Heidi Kühn, CEO da Roots of Peace e laureada do Prêmio Mundial da Alimentação de 2023, dedicou sua carreira a transformar paisagens devastadas pela guerra e repletas de minas terrestres em áreas agrícolas férteis, e testemunhou em primeira mão como a insegurança alimentar alimenta conflitos – e vice-versa.
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Ela enfatiza que o papel da América no enfrentamento da fome global há muito faz parte de sua responsabilidade e tradição humanitária global. “Não somos uma ilha”, diz ela. “A paz e a prosperidade de longo prazo do nosso país dependem do que está acontecendo no mundo.”
Para Beckmann, o silêncio é exasperante. “Veja, estamos no meio dessas crises interconectadas – conflito, clima, lutas econômicas. E, ainda assim, o progresso contra a fome estagnou, até mesmo começou a retroceder”, diz ele. “A eleição dos EUA é o momento perfeito para falar sobre isso, mas aqui estamos nós, e esse tema nem sequer foi mencionado.”
Por que a Fome Não Está na Agenda?
De acordo com o Pew Research Center, questões como inflação, saúde, direitos reprodutivos e controle de fronteiras estão no topo das preocupações, enquanto a fome nem sequer entra na lista das dez principais.
Mas, por que os candidatos – e os eleitores – estão tão desconectados da fome como um problema urgente? Uma possível razão é que muitos norte-americanos veem a fome como um problema que não os afeta. “Os políticos respondem ao que as pessoas se importam, e agora o público dos EUA está mais preocupado com a economia e o crime do que com a fome”, diz Beckmann.
Lawrence Haddad, diretor executivo da Global Alliance for Improved Nutrition e laureado do Prêmio Mundial da Alimentação em 2018 – conhecido por elevar a nutrição infantil e materna na agenda da fome – é direto.
“A fome é a crise por trás das crises que vemos nas telas todos os dias. Pessoas famintas são pessoas inquietas em busca de uma vida melhor. Pessoas famintas têm menos a perder e mais a ganhar com o conflito. Pessoas famintas têm menos incentivo para cuidar do planeta – elas fazem o que podem para cuidar de suas famílias.”
Essas não são as frases de efeito que você provavelmente ouvirá em um comício, mas representam a dura realidade de um mundo onde 733 milhões de pessoas vivem agora em fome crônica – um número que aumentou em mais de 150 milhões de pessoas em apenas quatro anos.
“Isto não é apenas uma questão ‘de lá'”, enfatiza Haddad. “Nossa economia, nossa estabilidade – muito está conectado à segurança alimentar e nutricional global.”
Um Chamado por “Liderança Moral”
A carta coletiva dos laureados do Prêmio Mundial da Alimentação pede aos eleitores que reconheçam que a fome é um problema fundamental com consequências que moldam o mundo.
Trata-se de “liderança moral”, diz Kühn, sobre as quatro ações prioritárias destacadas na carta:
- Os EUA devem apoiar a Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza. Liderada pelo presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, também laureado do Prêmio Mundial da Alimentação, a iniciativa será lançada nos dias 18 e 19 de novembro na cúpula do G20. O plano de Lula visa impulsionar os esforços para combater a fome e a pobreza apoiando governos comprometidos com a implementação de soluções eficazes.
- Os EUA devem liderar a reposição do Fundo do Banco Mundial para Países de Baixa Renda. Em dezembro, líderes internacionais decidirão o futuro desse fundo, que é essencial para ajudar os países de baixa renda que ainda lutam com a dívida pós-Covid19.
- Os EUA devem apoiar o Apelo do Papa Francisco por Alívio da Dívida: O Papa designou 2025 como um ano de Jubileu, convocando uma iniciativa histórica de perdão de dívidas para países pobres.
- Os eleitores dos EUA devem Pensar Mais Amplo: Os laureados estão incentivando os americanos a considerar como seu voto impactará aqueles que enfrentam a fome, tanto local quanto globalmente.
“Os EUA podem liderar uma mudança global – se escolherem”, diz Beckmann. Mas Kühn está cautelosa. “Estamos assistindo o mundo explodir em um senso de apatia”, diz ela. “Os EUA estão tão focados em preocupações imediatas dentro de suas próprias fronteiras que perdemos de vista como essas questões globais estão intrinsecamente ligadas ao nosso próprio bem-estar.”
Um Desafio aos Valores Centrais da América
Além de seu apelo aos eleitores e candidatos, a carta dos laureados desafia os valores centrais dos EUA de generosidade, liderança e responsabilidade.
Kühn espera que a sabedoria coletiva dos laureados – que vêm de origens diversas, mas compartilham um compromisso com o fim da fome – inspire os norte-americanos a olhar além das preocupações imediatas e considerar o quadro mais amplo. Acabar com a fome não é apenas uma meta política – é um dever moral. “Somos os anciãos agora”, ela diz. “É uma coisa bonita ser os anciãos e compartilhar nossa sabedoria coletiva com nossos concidadãos americanos.”
A eleição pode já estar sobre os norte-americanos, mas as consequências são de longo prazo. Para os laureados, a fome é uma questão fundamental que está no cerne de outros desafios globais, desde a mudança climática até a migração e a instabilidade política. Priorizá-la poderia abordar não apenas a necessidade imediata de reduzir a insegurança alimentar, mas também promover a paz e a resiliência em todo o mundo.
Beckmann vem pedindo aos norte-americanos que pensem sobre o impacto futuro de seus votos, enfatizando que a liderança contra a fome não é apenas uma escolha de política pública; é um imperativo moral. “O mundo fez um progresso dramático contra a fome e a pobreza nas últimas décadas. Sabemos como fazer esse progresso avançar novamente”, afirma ele. “Só precisamos da vontade política.”
*Daphne Ewing-Chow é jornalista colaboradora da Forbes EUA. Escreve sobre sistemas alimentares e meio ambiente. É mestre em Política Econômica Internacional pela Universidade de Columbia.