Para os argentinos, o céu é o limite. Como se não bastasse produzirem carnes macias e mais marmorizadas por conta do seu gado de origem britânica e clima mais frio, agora, a meta é criar a primeira marca de carne de luxo do mundo. O objetivo dos donos da Salvaje, uma foodtech de carne de premium, é ligar o seu nome à primeira carne de luxo do mundo.
A foodtech pretende conquistar o feito seguindo rigorosamente o que diz o manual de crescimento das startups mais bem-sucedidas do mercado. A Salvaje foi criada por Héctor Gatto, ex-subsecretário de Políticas Gastronômicas do governo de Buenos Aires e, segundo ele, essa é a primeira vez em seu país que há uma relação do consumidor com o campo e não o contrário.
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Na Argentina, por herança, cultura e até pela própria geografia, afirma Gatto, a cadeia produtiva é baseada em uma agroindústria que prioriza o rendimento por volume, que é a quantidade de carne, e a extensão, área destinada à criação do gado. “O foco sempre está no produto e na manufatura, e não na ideia de agregar valor a esse produto por meio de uma marca”, afirma Gatto. “Com a Salvaje, viemos inverter essa equação e criar uma marca que impulsione e promova o melhor do nosso país”.
Marcas de luxo, insiste ele, existem muitas. No entanto, marcas de carne de luxo, nenhuma. “A Argentina exporta commodities, e a preocupação sempre foi reduzir os custos, porque no nosso país está muito marcada a ideia do ‘sorriso do valor ao contrário’: o produto fica em cima e as ideias, a marca, ficam embaixo. A Argentina tira da terra uma matéria-prima e exporta para que outros agreguem valor”, diz ele.
Para Gatto, outros países sabem valorizar marcas em vez dos produtos. “Um dos melhores chefs do mundo, Gastón Acurio, disse certa vez: ‘A Suíça não tem cacau, café ou metais. A Suíça tem Milka, Nespresso e Rolex’. E é o país número um em exportação de alimentos para os Estados Unidos. O número 2? Países Baixos. Eles recebem as matérias-primas do mundo inteiro e agregam valor”.
Da Tonelada ao Corte
Hoje, a Argentina exporta por tonelada, e o que a Salvaje propõe – e no que Gatto trabalhou por mais de uma década na gestão pública, impulsionando Buenos Aires como a capital gastronômica da região – é ir na contramão e começar a pensar em quilos e até em cortes de carne.
“O que tentamos fazer com cada uma das nossas ações, como o primeiro Mercado Argentino de Produtos e Produtores Agroalimentares (Masticar ou MAPPA), foi impulsionar o potencial dos produtos que saem do nosso país para o mundo”, afirma. Ele lembra que o problema com as commodities é que não se pode colocar uma marca nelas, o que dificulta a atribuição de valor.
Ele cita o exemplo do azeite de oliva argentino. “É exportado em barris de 200 litros sem marca a US$ 4 oficiais por litro. Esse mesmo azeite, a Espanha vende por mais de US$ 20 e faz o que Gastón Acurio disse sobre a Suíça: embala e coloca marca”, afirma. “Conversando com donos de restaurantes argentinos na Espanha, quando pergunto de onde vem o azeite de oliva, me dizem que é espanhol. ‘Espanhol, tem certeza?’, insisto. Eles se surpreendem ao virarem o frasco e lerem na etiqueta que a procedência é argentina. O que é espanhol é a marca. Isso mostra que não estamos construindo valor onde poderíamos”.
Esse é exatamente o objetivo que a Salvaje quer atingir. Depois de muitas reflexões sobre o assunto, Gatto decidiu chamar os sócios que hoje fazem parte da tríade fundadora da marca: Kevin Chochlac – fundador do canal de churrasco do Youtube Locos X el Asado, que possui 4 milhões de seguidores só no Instagram –, e Juan Ignacio Barcos, chef, produtor de gado e dono do restaurante Madre Rojas, na Villa Crespo, em Buenos Aires. Juan Ignacio também é filho do veterinário Luis Barcos, pioneiro em genética bovina e que, há cerca de 25 anos, introduziu a raça de gado japonesa Wagyu no país.
“Foram dois anos de conversas porque cada um de nós estava com seus respectivos projetos. Mas agora estamos totalmente dedicados à Salvaje. Juan Ignacio é nosso especialista em carnes, que seleciona os rebanhos exemplares que farão parte dos nossos cortes exclusivos e supervisiona tudo relacionado aos padrões de qualidade, e Kevin é o CEO da marca”, diz Gatto.
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Uma Rodada de Sementes Aberta e em Expansão
Com um diploma em administração de empresas, criador da marca LXA e experiência como diretor da Tastemade Espanhol, Chochlac também orientou o desenvolvimento da empresa sob o formato de startup e suas diferentes fases de crescimento, que são conhecidos como pre-seed, seed stage, early stage, growth stage, expansion stage e exit.
A rodada de sementes da Salvaje teve início em 1º de outubro passado e vai até o dia 8 de novembro de 2025. “Isso é um passo posterior à pré-semente, que foi aberta em janeiro deste ano e onde a marca levantou capital por 10% da empresa, ou seja, US$ 100 mil (R$ 568 mil na cotação atual)”, explica Chochlac.
“Agora, nesta rodada de sementes, a intenção é levantar US$ 2 milhões (R$ 11,4 milhões) e já arrecadamos quase US$ 1 milhão (R$ 5,7 milhões) para avançar com o plano dos próximos 13 meses. Porque a ideia é que no próximo ano possamos fazer a série A, para levantar US$ 20 milhões (R$ 113,5 milhões) e sermos patrocinadores na Copa do Mundo. Queremos que o mundo todo coloque os olhos no melhor que a Argentina tem para oferecer a cada corte de carne. Isso é Salvaje”.
Em relação ao desafio que a marca tem para se tornar patrocinadora de um dos eventos mais famosos do futebol mundial como a Copa do Mundo, Gatto destaca que, em dezembro de 2022, a Argentina foi protagonista da maior final com mais espectadores do planeta: a final da Copa do Mundo.
“Um roteiro de três horas em que saímos vitoriosos com um argentino levantando a taça. Uma em cada quatro pessoas no mundo, cerca de 2 bilhões, foram testemunhas dessa história épica. Temos que colocar a seleção argentina em nossos produtos. Messi acendeu essa chama e existem muitos argentinos que vibram e se conectam com essa chama. A Salvaje representa o melhor da carne argentina, e é lá que queremos estar”.
By The Book, Como Nas Startups Mais Bem-Sucedidas
Na empresa, segundo Chochlac, tudo é implementado by the book, ou seja, de acordo com as regras. “Seguimos os passos dos manuais das startups que triunfaram nos Estados Unidos, desde os mecanismos para levantar capital até como formar o conselho com os smart investors”, diz ele. Este é o modelo que a Salvaje tem para crescer e, segundo o empreendedor, sair em 2032 com uma IPO [Initial Public Offering], momento inicial em que uma empresa privada faz uma oferta de ações ao mercado.
Com relação à magnitude que o segmento de carne tem, em comparação com outras indústrias, Gatto menciona o que acontece, por exemplo, no universo do chocolate. “É um mercado dez vezes menor que o de carne, com dez marcas que valem milhões de dólares. Por exemplo, Godiva, Lindt, Mars, Ferrero, Nestlé, entre outras. No mundo da carne não há nenhuma marca que supere esse valor. Na verdade, não há nenhuma marca. O que existem são frigoríficos, a cadeia se quebra nos lugares de produção, nas fábricas. A Salvaje vem para assumir esse poder das marcas em um produto de consumo global”.
Atualmente, a Salvaje tem cerca de 1.500 clientes que compram pelo site, mas a ambição é chegar aos restaurantes locais e estrangeiros e aos consumidores mais exigentes de todo o mundo. A ideia é que a Salvaje seja também uma experiência gourmet única. Hoje, quem compra Salvaje tem acesso “às melhores medialunas de vazio, os requintados centros de assado, de lombo com cordão, de entranhas sem pele, corte de bife de vazio e, claro, os mais clássicos como bife de chorizo e olho de bife”, afirma. Em média, os preços do quilo variam entre 30 mil pesos (R$ 170) e 38 mil pesos (R$ 215). Por exemplo, o filé mignon de novilhos da raça angus, criado em a pasto – com terminação por suplementação ecológica sem confinamento – é vendido por 118.440 pesos, ou R$ 673.
Seleção Das Seleções
Como especialista em carnes, e em contato direto desde a infância com o mundo do campo, da pecuária, dos animais e da gastronomia, Barcos diz que há uma forma correta de selecionar os produtos.
“Fazemos uma seleção tripla, algo como uma seleção das seleções”, diz o chef. “Por meio do frigorífico argentino La Morena, nos conectamos com produtores que têm rebanhos que saem da média por suas características de criação, pela maneira como esses animais são alimentados e pela qualidade de sua genética. Em seguida, faz-se uma segunda seleção na sala de processamento da carne, porque desses animais excepcionais escolhemos as melhores metades de carcaça, e dessas melhores metades de carcaça escolhemos, em terceiro lugar, os melhores bifes e os melhores quartos traseiros para obter os cortes que comercializamos”.
Além disso, os cortes recebem uma espécie de “tratamento de beleza, ou seja, o processo de cortar e aparar os cortes é feito para garantir o melhor ao ser consumido, já que são retiradas todas as fibras que ficam entre os músculos que incomodam ao mastigar”, detalha Barcos.
Como parte desse processo, a Salvaje também se encarrega de cortar a gordura necessária para que a relação entre carne e gordura seja a adequada, e para que o cliente não receba, em cada peça, uma quantidade excessiva. “Logicamente, ambos os procedimentos, como a retirada dos tecidos desnecessários para o consumo e da gordura, diminuem o peso das peças e aumentam o preço”, afirma Barcos. Além disso, todos os cortes passam por um processo de maturação a vácuo. “Essas são algumas das diferenças que fazem da Salvaje uma marca de carnes única”.
Gatto acrescenta que está clara a ideia de “descomoditizar a carne” e adicionar valor agregado. “Tentamos comunicar a carne do campo, desde seu lugar de origem, e fazer com que cada seleção seja única. Cada lançamento e cada série de cortes da Salvaje serão diferentes um do outro, porque a Salvaje tenta representar geografias e origens em cada um de seus produtos. E que a carne, assim como acontece no restaurante Madre Rojas, fale de um lugar, de uma tradição, de um ritual que nos identifica como argentinos. A terra com a melhor carne do mundo”, conclui.