Rastrear a origem do gado não é conversa de hoje no mundo. No Brasil, muito menos. Uma discussão que se estende desde os anos 2000 no país deverá finalmente ter o seu parecer final amanhã (17), quando o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) irá anunciar o Plano Nacional de Rastreabilidade Bovina, obrigatório para todo o rebanho.
A proposta busca qualificar a rastreabilidade de bovinos e búfalos por meio da implementação de um sistema de identificação individual, que permitirá monitorar e registrar o histórico, a localização e a trajetória de cada animal identificado. O Plano é resultado de uma caminhada que começou 20 anos atrás.
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O protótipo da rastreabilidade animal no Brasil começou a ser desenvolvido em meados de 1997. Na época, o país tentava copiar o modelo da União Europeia, que estabeleceu a criação de um sistema obrigatório de identificação e registro de todo rebanho bovino para rastreamento da produção pecuária e etiquetagem da carne.
]A medida na Europa veio após o Mal da Vaca Louca, uma doença transmissível do sistema nervoso de gado adulto causada pelo acúmulo de uma proteína anormal no tecido nervoso. Vale registrar que o Brasil sempre foi considerado de risco mínimo para a doença.
Nas décadas de 1980 e 1990, a doença se espalhou pelos países do bloco e somente no Reino Unido, entre 1992 e 1993, foram registrados quase 100 mil casos. Estima-se que 4 milhões de animais foram sacrificados na época na Europa.
O Início das Tentativas de Rastreabilidade no Brasil
No Brasil, o primeiro passo foi dado em 2002. O impacto da pressão europeia por uma carne rastreada fez o Mapa criar o Sistema Brasileiro de Rastreabilidade da Cadeia de Bovinos e Bubalinos (SISBOV), um programa de controle sanitário individual para fiscalizar propriedades rurais que produzem ou comercializam carnes para o mercado mundial. Mas era de adesão voluntária. Assim, a rastreabilidade entrou na agenda dos pecuaristas exportadores, apenas. Entrou também na agenda da produção orgânica de bois.
Apesar do pioneirismo do programa, especialistas da organização Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, por meio do documento “A rastreabilidade da cadeia da carne bovina no Brasil”, acreditam que ela não é tão eficiente quanto poderia ser, já que é de difícil implementação e a sua adesão voluntária faz com que muitos animais entrem no sistema apenas 90 dias antes do abate/embarque e não no nascimento, que era o tempo exigido pelo importadores.
Nos últimos anos, os projetos de rastreabilidade foram criados pelos grandes frigoríficos, como JBS, Marfrig e Minerva, para dar segurança ao mercado de que não estavam comprando gado de áreas de desmatamento na Amazônia. Essas empresas já possuem 100% dos fornecedores de gado rastreado, mas ainda não conseguem dar conta de onde os animais foram criados, já que nessa cadeia um animal pode passar por fazendas especializadas na cria e na recria, antes de irem para o produtor que as venderá aos frigoríficos.
A Rastreabilidade Como Motor do Mercado
Apesar de lá atrás a rastreabilidade bovina ter sido uma exigência da Europa, adotada no Brasil de forma voluntária, os pecuaristas brasileiros ganharam muito com o aprendizado dos processos. Hoje, a rastreabilidade não está apenas na pecuária, mas é uma exigência do consumidor em muitos países.
Países como Austrália, Argentina, Uruguai, Chile, Canadá já implantaram sistemas de rastreabilidade individual para a totalidade de seus rebanhos, como uma política de estado. A expectativa é que o Brasil também avance com o Plano Nacional de Rastreabilidade Bovina, prestes a ser anunciado e que será obrigatório para todos os pecuaristas. A ideia é que o programa tenha período de adaptação — incluindo desenvolvimento de banco de dados e testes — de dois anos (2025 e 2026), com sua adoção definitiva a partir de 2027.
O Brasil possui um rebanho bovino de 238,6 milhões de animais, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Deste total, cerca de 4 milhões de animais estão registrados no SISBOV, o que representa apenas 2% do rebanho. O Plano Nacional de Rastreabilidade Bovina quer mudar esse percentual ao fortalecer os programas de saúde animal, aumentar a capacidade de resposta a surtos epidemiológicos e reforçar o compromisso do país com os requisitos sanitários exigidos pelos mercados internacionais.