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A agricultora Alessandra Zanotto tem uma visão clara sobre o legado que deseja construir: “Quero olhar para trás em quatro anos e saber que conectei pessoas, ideias e propósitos. Quero que a Abapa seja reconhecida não apenas pela sua representatividade, mas pela capacidade de colaborar e inovar.” Ela também deseja impulsionar a participação feminina no agronegócio. “Há muitas mulheres capacitadas no setor, mas falta coragem e oportunidade. Espero ser um exemplo e encorajá-las a assumir espaços de liderança.”
A partir de 1º de janeiro de 2025, ela, Alessandra Zanotto, será a nova presidente da Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa). Aos 39 anos, não apenas enfrenta o desafio de liderar uma das entidades mais importantes do agronegócio baiano, mas também de equilibrar as demandas dessa nova função com a gestão do negócio familiar, uma propriedade de 5.500 hectares dedicada ao cultivo de algodão e soja.
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São 140 produtores na entidade e o cultivo da fibra na região representa uma saga. Nas últimas duas décadas, o Oeste da Bahia passou de uma produção modesta, de uma terra desconhecida e sem valor, para se firmar como uma das principais regiões produtoras da fibra no Brasil. Anteriormente, o cultivo se concentrava-se no sudoeste, especialmente no Vale do Iuiú.
Com a migração para o cerrado baiano, o Oeste da Bahia tornou-se a principal região produtora do estado e a segunda mais importante do país, atrás apenas de Mato Grosso. Em 2023, a região produziu cerca de 1,6 milhão de toneladas, com uma produtividade média de 330 arrobas por hectare. Para a safra 2024/25, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estima uma produção para a Bahia de 1,7 milhão de toneladas de algodão, 0,9% acima da safra passada, cultivada em 357,4 mil hectares, 3,3% acima.
Pragmática, Alessandra inaugura uma nova fase para a Abapa. “O algodão transformou a Bahia e quero garantir que ele continue sendo um motor de desenvolvimento e inovação.”
A história de Alessandra com a Abapa começou há oito anos, quando foi convidada a integrar a diretoria como tesoureira durante a gestão de Júlio Busato. Ela define essa experiência como um aprendizado: “Cuidar do caixa é a melhor forma de entender uma organização. Naquela época, dediquei todas as minhas sextas-feiras à associação, revisando documentos e entendendo os detalhes financeiros.” Essa atenção aos pormenores moldou sua formação como gestora e pavimentou seu caminho para cargos de maior responsabilidade.
Quatro anos depois, já como vice-presidente, Alessandra enfrentou um período de resistência e desafios dentro da diretoria. “Foi um momento difícil. Meus primeiros anos como vice foram marcados por rejeições às minhas propostas e sugestões. Muitas vezes pensei em desistir”, relembra. Contudo, ela não desistiu. Sabia que a diplomacia e firmeza em suas convicções era o caminho.
A chegada de Alessandra à presidência da Abapa marca um momento histórico: ela será a segunda mulher a liderar a associação desde a sua fundação. “Na década de 2010, Isabel da Cunha foi a primeira mulher a assumir a presidência. Agora, como parte da segunda geração de produtores, quero honrar esse legado e abrir caminho para mais mulheres”, destaca. Alessandra também fala da importância de trazer uma nova energia para a Abapa. “Quero conectar pessoas e ideias. Meu objetivo é dar continuidade ao excelente trabalho feito até aqui, mas também incorporar empatia e inovação ao setor.”
Assim como ocorre em cargos c-level nas empresas, a presença de mulheres em cargos de presidente nas associações do setor ainda representa uma pequena parcela. Mas elas vêm chegando. Por exemplo, na Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC), Anna Paula Losi assumiu o cargo de presidente executiva em janeiro de 2023, tornando-se a primeira mulher a ocupar essa posição na entidade.
Nos sindicatos rurais, elas também começam se destacar, embora ainda representem cerca de 5% do total de total de 1.941 sindicatos listados na Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Exemplos são Greice Kelli Klein, à frente do sindicato de Luís Eduardo Magalhães (BA), desde 2022; Adriana Menezes, em Itu (SP); Luanna Inácio, em Buriti Alegre (GO), entre outras.
Não por acaso, para Alessandra, a liderança na Abapa exige um comprometimento que vai muito além das funções administrativas. “A presidência demanda presença constante, principalmente em agendas de governo e eventos do setor. No primeiro ano, minha prioridade será consolidar alianças”, afirma. E ela sabe que precisará de tempo. Em busca dessa agenda, ela destinou parte da gestão do negócio familiar ao marido, que há cerca de três anos destina parte de seu tempo à fazenda e que assumirá algumas responsabilidades operacionais . “Temos uma relação de parceria e planejamento. Sem esse suporte, seria muito mais difícil conciliar tudo”, afirma Alessandra, que aposta sempre nos modelos de parcerias e bandeiras.
Entre essa bandeiras, no grupo das principais está a sustentabilidade. No negócio familiar, ela já implementou a mensuração da pegada de carbono nas fazendas, tanto para soja quanto para algodão, e pretende expandir essas práticas na Abapa. “Quero que a associação seja exemplo em sustentabilidade e contribua para a construção de um setor mais consciente.” Ela também destaca a importância das particularidades do algodão baiano, como sua alta qualidade por causa da exposição prolongada ao sol. “Nosso algodão é diferenciado. Precisamos promover essas qualidades e fortalecer a imagem do produto no mercado internacional.”
A Abapa é hoje uma entidade com uma agenda extensa e uma estrutura que poucas entidades tem no país. Por exemplo, um Centro de Treinamento Parceiros da Tecnologia, destinado à capacitação dentro e fora das propriedades rurais. São três unidades, a sede em Eduardo Magalhães e duas outras unidades, uma em Barreiras e outra em Rosário. A entidade também é dona de um Centro de Análise de Fibras, o maior da América Latina, com capacidade para processar 30 mil amostras de algodão, por dia.
E o mais significativo, e que justifica todas as ações: a execução do do programa Algodão Brasileiro Responsável (ABR), projeto de parceria internacional com a Better Cotton Initiative (BCI), que atua em 22 países. “O algodão é uma cultura excepcional, uma cultura exigente”, diz Alessandra. “E a gente também tem hoje um outro perfil de de ouvintes, um outro perfil de mundo. Que nos julga, que enxerga agricultura e que consome o nosso algodão. E nisso eu seu que posso agregar.”