Encruzilhada do Sul é um minúsculo município gaúcho de cerca de 24 mil habitantes, quase despercebido no mapa. Mas para os amantes do vinho, ela é uma ambição. A Serra do Sudeste, onde está localizada, é referência no cultivo de uvas finas, com nomes do porte de Casa Valduga e a Bodega Czarnobay. É nesse terroir que Bob Vieira da Costa e Bia Pereira, fundadores da Sabiá Azeites, e Emanuel de Costa, engenheiro agrônomo e sócio da empresa, iniciaram uma nova empreitada: produzir também seu próprio espumante, o Cave Sabiá, feito a partir das uvas chardonnay e pinot noir em um terreno já conhecido por produzir os óleos de oliva premium — e premiados — da marca.
“Queríamos diversificar o negócio e pensamos em espumantes porque o Brasil, especialmente o sul, é um grande produtor dessa bebida. Como já tínhamos a plantação de olivas, decidimos comprar mais uma área e plantar uvas”, explica Bob. Atualmente, a Sabiá Azeites possui 400 hectares de área em Encruzilhada do Sul, sendo 110 hectares para oliveiras e 6 hectares para produção de uvas. No azeite, os mais recentes prêmios da Sabiá foram no EVOO World Ranking 2024, em que o produto ficou em segundo lugar como melhor azeite do mundo na categoria monovarietal Arbequina.
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Em Encruzilhada do Sul existem atualmente cerca de 30 propriedades com um total de 497 hectares de vinhedos e uma produção estimada de 3 mil toneladas de uvas por safra. “Em 2018, quando fomos para lá, para continuar a olivicultura, percebemos que existiam muitos vinhedos em nosso entorno”, explica Bob. A Sabiá começou sua produção de azeite na Serra da Mantiqueira, interior paulista. “É uma zona especial para vitivinicultura”, diz Emanuel.
O bom casamento da uva com a oliva
Um bom terroir é o passo número um para a fabricação de bons vinhos. Segundo Emanuel, o solo granítico e arenoso e bem drenado, unido à pouca chuva na época de maturação da uva e da azeitona, favorece a produção de ambos, levando quantidades menores de defensivos no trato das lavouras.
Vão no mesmo embalo, as temperaturas e a amplitude térmica. O sol, que raia das 5h da manhã às 19h, traz uma janela ideal para uvas e azeitonas. No verão é agradável e no inverno as temperaturas chegam próximo de zero, mas não congelam e nem causam geadas, visto que a região está a 500 metros de altitude. “Isso é um ponto fantástico, seja para olivicultura quanto para viticultura, principalmente para a variedade chardonnay”, explica Emanuel.
Além disso, Bob conta que a rapidez com que a safra de azeite é vendida também foi um fator determinante para investir em outra cultura. “Ao contrário do vinho, o azeite deve ser consumido o mais fresco possível, e a safra toda vai embora em 7 meses. Mas o vinho podemos guardar”.
Para arredondar o projeto, Bob, Bia e Emanuel foram em busca de um enólogo reconhecido no mercado. Encontraram Massimo Azzolini, um enólogo italiano, natural do Trentino, com a expertise de 37 safras e vencedor do prêmio Luigi Veronelli como “Enólogo emergente da Itália” lá em 2008. Hoje, ele é uma referência global. A honraria é concedida a produtores de vinhos, enólogos e profissionais que demonstram excelência técnica e criativa. Com a parceria da Sabiá, desde 2018, Azzolini passa o verão na Europa, trabalhando na produção de vinhos na Itália, em regiões como Trentino, Piemonte e Franciacorta, e no inverno europeu desembarca em Encruzilhada do Sul. “Eu adoro ficar no Brasil. Adoro a carne, as comidas e as pessoas”, diz Azzolini.
Emanuel é um entusiasta da sua presença no país. “O Massimo veio nos visitar no primeiro ano de produção”, afirma. “Ele disse que se não achasse as condições boas e pessoas com interesse em produzir algo com a mínima qualidade, ele não viria mais.” Não por acaso, Azzolini diz querer vir cada vez mais para o Brasil.
Com o conhecimento do enólogo, o sonho de Emanuel de produzir vinhos e a determinação de Bia e Bob para fabricar espumantes de qualidade, o investimento em tecnologia não foi pequeno. “Temos prensa da última geração, tecnologia de transformação, tanques de aço inox com temperaturas controladas e equipamentos que diminuem o impacto oxidativo”, explica Emanuel.
Vale registrar que a colheita é feita no período noturno, para aproveitar todo o fresco da noite, ficando a uva estocada em um caminhão frigorífico com no mínimo de seis graus. “A gente não desengaça a uva na hora de espremer. Aqui, é a mesma coisa que a azeitona. Se você prova uma na planta e ela é amarga, quando vai transformar ela no lagar, não pode perder isso. O vinho não é nada diferente”, diz Emanuel.
O Cave Sabiá
A metodologia utilizada na produção do espumante é a clássica Champenoise ou Tradicional, em que a segunda fermentação ocorre na garrafa. No caso da Sabiá, o resultado foram três versões do Cave Sabiá — Gran Couvée, Couvée Beatriz e Blanc de Blanc. Eles foram apresentados a um seleto grupo de especialistas na última segunda-feira (20) e a Forbes Agro foi convidada para o evento.
O Gran Couveé é 100% de chardonnay e possui 9 gramas de açúcar. O Beatriz vem mais seco, 80% chardonnay e 20% de pinot noir, com 5 gramas de adoçante. O Blanc de Blanc, 100% chardonnay, contém 3 gramas de açúcar e é o que os enólogos chamam de nature, ou seja, com pouca adição de açúcar e que preserva a elegância da uva.
A safra do Cave Sabiá foi colhida em janeiro de 2024 e a bebida ficou guardada por cinco meses até passar por uma avaliação rigorosa. “Massimo colocou o espumante em uma degustação em novembro, com enólogos importantes, da frente à curta, às cegas, e ninguém achou que fosse brasileiro”, conta Bob. Agora, os espumantes estão em fase de amadurecimento, e devem permanecer assim por 24 meses. Segundo Emanuel, tudo irá depender de como a bebida se comporta. Em 2024, eles produziram 9 mil garrafas.
Mas o Cave Sabiá não ficará guardado por muito tempo e deve ser lançado em setembro deste ano para mercados e clientes específicos. “Estamos no começo, então, nesse primeiro ano, vamos lançar no e-commerce na fazenda e alguns lugares que já usam o azeite sabiá”. A expectativa dos produtores é que em quatro anos, eles estejam produzindo 50 mil garrafas por ano.