O cenário gastronômico brasileiro está passando por transformações e intensidades desse movimento são um termômetro da capacidade dos produtores rurais em atender a demanda ou criá-las ao propor alimentos inusitados na mesa do consumidor. Os exemplos vão se multiplicando, como a baunilha do Cerrado e a bochecha de porco, entre outros. São alimentos que vão além da moda sustentada por importações, como o pistache comprado nos EUA, ou a quinoa que vem da Bolívia, Peru e Equador.
Alimentos considerados “hype” podem conquistar espaço definitivo no gosto do consumidor por uma combinação de fatores que se conectam a valores, tendências e comportamentos consolidados. Como a conexão com saúde e bem-estar, sustentabilidade, apoio às micro tendências e valorização de histórias. Alimentos associados a histórias cativantes, por exemplo, como os de origem artesanal, tradições culturais ou inovação tecnológica, criam conexão emocional e é isso que vem ocorrendo.
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Confira alimentos inusitados, principalmente frutas que o Brasil produz e que, procurando bem, em algum lugar do país já é possível encontrar:
1. Baunilha do Cerrado
A Baunilha do Cerrado é uma planta nativa do Cerrado, encontrada em Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Tocantins. Ela é comum em mata de galeria e outros ambientes mais úmidos, mas pode também ser encontrada em locais com vegetação arbustiva. Pertencente ao gênero Vanilla, que inclui orquídeas produtoras de vagens aromáticas conhecidas como as baunilhas. É uma espécie de grande interesse por sua raridade, potencial comercial e importância ecológica.
Ela é muito pouco explorada comercialmente, embora o perfil aromático de suas vagens tenha um grande potencial para a produção de baunilha gourmet. E mais, ela pode ser cultivada de forma sustentável, gerando renda para comunidades locais e promovendo a preservação do Cerrado.
2. Achachairú
O achachairú é uma fruta tropical nativa da Bolívia. Seu nome vem da língua quechua e significa “mel com toque ácido”. A fruta é também conhecida como “mangostão boliviano” por causa da semelhança com o mangostão asiático (Garcinia mangostana).
A fruta tem casca entre alaranjada e avermelhada, fina e fácil de abrir. O interior contém uma polpa branca translúcida, suculenta e levemente ácida, com sabor doce equilibrado. Cada fruta geralmente possui uma ou duas sementes. A árvore do achachairú é de porte médio, com altura variando de 5 a 10 metros, e produz frutos durante os meses mais quentes.
E acredite, no Brasil há muitos viveiros de plantas que vendem mudas de achachairú, geralmente para pequenos pomares. Mas um produtor do interior paulista, Thales Gouvêa Fagundes, da Estância Rothak, do município de Araçatuba, plantou logo cinco hectares da fruta. Outros estados com alguma presença da fruta são o Amazonas, a Bahia e Paraná com algumas iniciativas experimentais de cultivo em climas mais amenos.
O cultivo do achachairú está se expandindo para outros países tropicais e subtropicais, por causa da crescente demanda por frutas exóticas. Entre os principais países produtores, além da Bolívia, estão a Austrália, especialmente em regiões como Queensland; a Tailândia e outros países do Sudeste Asiático, e os Estados Unidos, em estados como a Flórida e o Havaí.
3. Cachaça de Jambu
A Cachaça de Jambu é uma variação da tradicional cachaça brasileira, infundida com o jambu, uma planta conhecida por causar uma leve sensação de dormência e formigamento na boca. Essa característica transforma a bebida em uma experiência sensorial única, muito apreciada por quem busca novidades na mixologia e na cultura brasileira. O efeito é causado por uma substância chamada espilantol, presente principalmente nas flores da planta.
O jambu (Acmella oleracea) é uma planta herbácea originária da região amazônica, especialmente no Pará, onde há cultivo em escala. Suas folhas e flores também são utilizadas na culinária regional, como no famoso prato tacacá.
A produção da cachaça base artesanal é de cana-de-açúcar. É nessa base que folhas e flores de jambu são adicionadas, permitindo que suas propriedades sensoriais e sabor sejam incorporados à bebida. O processo pode durar dias ou semanas. Em seguida ela é filtrada e engarrafada. Algumas marcas mais conhecidas têm suas raízes em Belém e outras localidades amazônicas, e a bebida também tem ganhado adeptos em outros estados e no mercado internacional.
4. Bochecha de Porco
A bochecha de porco, ou guanciale (como se diz na Itália, onde o prato é aprovadíssimo) pode ser consumida como um produto da charcutaria artesanal, ou preparada in natura, sendo assada e cozida lentamente. A bochecha não é propriamente uma novidade, mas, nos últimos tempos, tem ganhado muita atenção em restaurantes e butiques de carne.
No caso da charcutaria, o corte é temperado com uma mistura de sal, pimenta e ervas aromáticas, como o louro e o alecrim. A carne é então deixada para curar em um ambiente com temperatura e umidade controladas, onde fica por até dois meses. O tempo é um fator crucial, porque é durante a cura que a bochecha desenvolve sua textura e sabor suave.
Receitas mais tradicionais da Itália, como a carbonara e a amatriciana, por exemplo, dependem da presença do guanciale. “Sim, a bochecha é um hype. Cozida ou assada lentamente é uma iguaria”, diz Flávia Brunelli Sclauser, dona da Del Veneto, e que foi Forbes Under30 2023. “O meu estoque está sempre bem baixo, por causa da demanda. Sim, ela é um hype.”
5. Filé de Cauda de Jacaré
A carne de jacaré é considerada uma iguaria exótica no Brasil, com cortes específicos que se destacam por sua textura e sabor. O filé da cauda é considerado o corte mais nobre. Por possuir uma textura macia e sabor suave é muito valorizado na culinária gourmet.
Embora se pense no animal na natureza, a criação comercial de jacarés no país é regulamentada e visa a conservação das espécies e a exploração sustentável. Exemplos são a Cooperativa de Criadores de Jacaré do Pantanal (Coocrijapan), localizada em Cáceres (MT), que realiza manejo sustentável da espécie Caiman yacare, e o Projeto Arurá, vinculado à Universidade de São Paulo (USP), em Artur Nogueira (SP), que se dedica à criação do jacaré-do-papo-amarelo (Caiman latirostris), com fins ecológicos e comerciais.
Em Corumbá (MS) está o Caimasul, que tem criação comercial do jacaré-do-pantanal (Caiman yacare). A Caimasul produz carne, couro e subprodutos, utilizando um modelo de produção tecnificado que inclui programas específicos de manejo alimentar e sanitário.